terça-feira, 24 de maio de 2011

07 a 25 de Abril de 2011

Como era maravilhoso ver Ana Luiza fora do hospital! Talvez eu nunca encontre as palavras certas pra descrever a sensação de ver minha filha em “casa”, depois de 47 dias de uma internação onde ela encarou a fase mais difícil do tratamento. Debilitada, pesando apenas 20kg, muito pálida, sem cabelos, sobrancelhas e cílios, mas com um sorriso de felicidade no rosto. Era indescritível minha alegria.

Ela entrou no quarto do hotel e achou tudo superdivertido. Eufórica, saiu “vistoriando” tudo. Uma cama enorme, sala, uma (pseudo) cozinha, televisão com seus canais favoritos. Adorou as recepcionistas, as camareiras, tudo. Tudo era motivo de festa.

Após mais de um mês revezando entre um sofá e uma cadeira, finalmente eu dormiria num colchão decente. E neste dia dormimos, eu, Ana Luiza e Marcos, todos juntos na cama do hotel, onde ficamos hospedados temporariamente.

Não vou dizer que foi superconfortável, afinal dormir com duas pessoas espaçosas não é nada fácil, mas a felicidade era tão grande que no dia seguinte acordei renovada!

Durante estes últimos 7 meses, desde nossa vinda para São Paulo, em diversas ocasiões, as pessoas comentavam sobre a nossa “força”, como se ela fosse nossa. Comentavam sobre a nossa coragem, como se esse atributo também nos pertencesse. Acreditem, meus amigos. Ter um filho com câncer desarma qualquer guerreiro. Ante a possibilidade de perder um ser humano que é a razão da sua vida, você enfraquece. O medo paralisa e no mesmo instante, você pensa em entregar seu corpo pra ser sacrificado no lugar do seu filho.

E verdade seja dita: Quando os resultados do tratamento são positivos e você percebe que os esforços e sofrimentos tem valido a pena, a vontade de continuar lutando, a motivação para continuar suportando, vem automaticamente.

E por isso eu sempre afirmo: Forte de verdade é quem consegue continuar lutando, mesmo quando tudo dá errado. Corajosas são as famílias que mesmo com escassos recursos, lutam bravamente. Famílias que ficam longe de casa, morando em pensões ou hotéis de qualidade duvidosa, pois é a única coisa que podem pagar. Outros, que sem condições de pagar pensões, ficam em casas de apoio, muitas vezes em situação precária. Pais e mães desesperados que, mesmo com o filho doente, não podem se dar o luxo de apenas “parar de trabalhar para cuidar do filho”. Mães que recebem, na mesa do médico, a resposta que nenhuma de nós quer ouvir: “Infelizmente o tratamento não está surtindo o efeito que gostaríamos”.

Pais que perdem o filho para o câncer e mesmo assim continuam envolvidos na luta contra esta doença traiçoeira, são pessoas verdadeiramente fortes e corajosos. Estas pessoas são exemplo pra mim. É diante destas pessoas que me sinto uma pessoa qualquer, como a grande maioria dos cidadãos deste mundo, que pouco se envolve com o problema dos outros.

Eu tenho plena convicção que o responsável por esta couraça de coragem e força, é Deus. Pais “de verdade” são medrosos, mas Deus os transforma em super-heróis na hora certa.

Os pais do Arthur Amorim foram uma das inúmeras pessoas que nos visitaram na última internação. Eles nos trouxeram uma linda foto do Arthur, em celebração ao primeiro mês de seu falecimento. Além de nos visitar, eles nos mostraram o projeto da “Fundação Arthur Amorim”, uma entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal, ajudar famílias que vem de outros estados (principalmente do nordeste – região dos pais do Arhur) encarar um tratamento longo em São Paulo. A intenção é que a Fundação funcionasse como o primeiro contato neste “mundo paralelo”, nome que eu passei a utilizar para denominar a vida de quem recebe o diagnóstico e passa a enfrentar esta doença.

Assim que temos o diagnostico confirmado, o buraco que abre em nossos pés, muitas vezes nos impede de caminhar e buscar informações. O medo paralisa a grande maioria das pessoas e ter com quem contar e, principalmente, ter alguém que possa nos ajudar a dar os primeiros passos é fundamental.

Eu ouvi atentamente a ideia dos pais do Arthur, mas o que não me saía da cabeça era o amor que estes pais tinham pelo filho. Mesmo depois de uma batalha de 3 anos, eles perderam. Mas não perderam o amor, principalmente ao próximo. Mesmo tendo perdido um dos filhos eles ainda tinham forças para continuar lutando.

Essas famílias são fortes. Esses pais são corajosos. O que somos Marcos e eu afinal? Nossa responsabilidade aumenta a medida que vou presenciando essas coisas. Se pais que perdem o filho continuam lutando, o que falar de pais que recebem um milagre do tamanho deste que nossa família recebeu?

Realmente havia muita coisa para eu pensar. E todo momento é uma excelente oportunidade para refletir, seja ele bom ou ruim.

Apesar de Ana Luiza estar se sentindo muito bem, ela ainda estava tratando a pneumonia fúngica contraída durante o período de internação. Os médicos autorizaram a alta, mas solicitaram um tratamento em casa (home care), onde uma empresa especializada, administraria o tratamento conforme prescrição médica.

Eu estava satisfeita em poder contar com esse serviço, que foi aprovado pelo plano de saúde sem demora. Além disso, os médicos disseram que Ana Luiza poderia sair de casa, passear em locais abertos ou com pouca aglomeração, pois a imunidade estava boa. Entretanto, todas as manhãs ela tinha que receber a medicação (anfotericina B lipossomal) até a pneumonia ceder, sendo monitorada através da tomografia de tórax, que ela fazia a cada 2 semanas.

O medicamento caro e extremamente forte, deveria ser administrado em 4h, através de bomba de infusão. E aí começou o tormento. Mas para quem estava acostumado a lidar com tempestades, aquilo era apenas uma gota d'água.

Em todas as aplicações, a bomba de infusão apresentava algum problema e não funcionava adequadamente. No primeiro dia, ao invés de infundir em 4h, o remédio foi infundido em menos de 2h. Minha preocupação era que Ana Luiza apresentasse alguma reação, mas felizmente nada aconteceu. O problema persistiu por toda a semana. Mesmo tentando manter a calma, era inevitável que eu não me aborrecesse, afinal minha filha havia enfrentando uma enorme batalha, para no fim das contas, passar mal em casa. Tudo por causa de um medicamento que deveria ser aplicado por uma máquina, manuseada facilmente por um técnico devidamente treinado.

Tentei segurar minha loucura o máximo que pude, mas infelizmente, as coisas só costumam ser solucionadas, quando você resolver se comportar como louco. Só nesse momento você é levado a sério. Exigi, briguei, denunciei. Fiz tudo que podia para que eles dessem o mínimo de segurança no tratamento em casa.

No fim das contas, o que eu mais queria era que o resultado da tomografia que ela faria no fim da primeira semana de tratamento em casa, mostrasse que a pneumonia havia sido controlada e que ela finalmente não precisaria mais utilizar o medicamento e os serviços da tal empresa de home care.

No dia 15 de abril, os resultados da tomografia, mostraram a regressão da pneumonia e finalmente Ana Luiza se livrou das medicações e eu, me livrei do tormento da empresa de Home Care. Enfrentar o desinteresse ou despreparo dos profissionais da empresa, estava sendo algo realmente desnecessário a essa altura do campeonato.

Durante estes 7 primeiros dias do tratamento em casa, Ana Luiza recebeu algumas visitas, brincou bastante pelo hotel, fomos ao cinema e ela também ganhou muitos presentes. O melhor deles chegou no segundo dia em que estávamos fora do hospital: Giulia, a pequenina de 1 ano e meio, que tinha vindo de Manaus enfrentar um neuroblastoma suprarenal estava tendo êxito no tratamento. A Soraya nos explicou que o tumor havia reduzido 30% e que ela continuaria os ciclos de quimioterapia. O telefone estava no viva voz e Ana Luiza conversou com a mamãe da Giulia, marcando encontros e passeios. Ao telefone, ouvíamos a vozinha da Giulia. Foi tão bom saber que ela estava melhorando e que todo os sacrifícios próprios do tratamento, estavam tendo um resultado positivo. Isso fortalecia a todos nós e principalmente aos pais da pequena, que ganhavam uma nova motivação para continuar lutando.

Lembro perfeitamente o dia em que tomamos conhecimento da situação de Giulinha. Era fevereiro e Ana Luiza e eu, estávamos saindo do hospital, após finalizar um dos exames pré transplante autólogo. Marcos me ligou e explicou que tinha tomado conhecimento que a família de Giulia estava pleiteando uma vaga no A C Camargo e pediu que eu tentasse interceder por eles, junto ao Serviço Social do hospital.

Mobilizei algumas mães, a Cynthia e a Gracélia, também amazonenses, que enfrentam esta luta com seus filhos. Elas se envolveram e de todas as formas tentamos viabilizar a ida de Giulia para o A C Camargo, mas a falta de vagas no hospital a impediu de vir.

Depois da imensa batalha dos pais e dos familiares, o tratamento de Giulia estava assegurado no GRAAC, um dos centro de excelência no tratamento de câncer infantil.

Lembro que Ana Luiza passava pelo seu pior momento na UTI do A C Camargo, quando Marcos entrou em contato com os pais de Giulia, Soraya e Paulo, e foi até o GRAAC conhecê-los pessoalmente.

A visita foi breve, ele conheceu o hospital, tirou fotos com a família e se colocou a disposição deles para tudo. Ao sair do GRAAC, Marcos me ligou e pediu que eu o encontrasse em um Shopping próximo. Nitidamente abalado, ele tentava segurar o choro e assim que o encontrei, sentado em uma mesa da praça de alimentação, ele caiu no choro: “Ela é muito pequena, amor. Um bebezinho. E vai passar por esse tratamento terrível. Ela é um bebê ainda...”

Choramos juntos. E neste dia conversamos e refletimos muito sobre tudo isso. Ele me falou sobre a estrutura do GRAAC, onde cada andar havia sido patrocinado por uma empresa, falamos sobre a casa de apoio e das pessoas de desistem do tratamento, pela falta de dinheiro, enfim, falamos sobre o quanto nossas famílias haviam sido abençoadas por ter a chance e o privilégio de poder buscar o tratamento para os filhos.

E neste dia, decidimos que ficar de braços cruzados diante desta doença era uma vergonha. Nós não sabíamos exatamente, como e o quê fazer, mas a certeza de que faríamos algo, entranhou definitivamente em nossos corações naquele dia, quando Marcos conheceu a Giulia.

A primeira vez que falei com Soraya pelo telefone, Ana Luiza estava internada para submeter-se ao transplante autólogo. De alguma forma, tentei confortá-la e me coloquei a disposição para tudo que fosse necessário. Ela me explicou que acompanhava a história de Ana Luiza e que quando soube da doença de Giulia, foi impossível não lembrar dos relatos que faço neste blog. Saber, que de alguma forma, essas palavras que coloco aqui ajudaram e ajudam alguém, sinto que as horas investidas valeram a pena.

Ainda durante a última internação, quando Ana Luiza já havia saído da UTI e estava no quarto 320, Giulia precisou fazer os exames de imagem de acompanhamento da primeira fase de quimioterapia (que mostraram a redução do tumor) e estes exames seriam realizados no A C Camargo. Nesta data, finalmente, pude conhecer a família pessoalmente.

Conversamos, choramos, cantamos, brincamos, sorrimos muito. Foi uma tarde maravilhosa. E a partir daquele momento, Soraya e Paulo entraram para minha família. A que construí desde setembro de 2011, ligados pelo amor e pela dor de ter um filho lutando contra o câncer. Uma dor que nos modifica para sempre.

Com os resultados excelentes da tomografia de tórax, Finalmente Ana Luiza estava livre da pneumonia fúngica e poderia curtir um único final de semana de “folga”. Na segunda-feira, dia 18 de abril, seria dado início a última fase do tratamento: a radioterapia.

Durante o planejamento da radioterapia, os médicos entraram em consenso quanto as regiões a serem irradiadas. Apesar de não existir nenhum tumor sólido e o transplante autólogo ter tido a finalidade de atingir o câncer “microscópico”, a radioterapia seria mais uma arma, para combater a possibilidade de uma recidiva (volta do tumor), risco comprovadamente existente nos casos de rabdomiossarcoma.

A radioterapia seria feita na região do tumor principal (base do crânio), nos pulmões (regiões que eventualmente ocorrem recidivas) e nas vértebras da coluna, também atingidas por metástases. Ainda no período da internação, havia ficado acertado que Ana Luiza iniciaria o tratamento no crânio e quando os pulmões estivessem livres da pneumonia, ela iniciaria as aplicações no tórax.

E assim ficou acertado. Como aquele final de semana seria uma espécie de “liberdade provisória”, antes do início das sessões diárias de radioterapia, aproveitamos muito. Claro que ele não teria sido MARAVILHOSO, se a Simone não estivesse conosco.

A Simone, assim como várias anjos que apareceram em nossa vida desde setembro de 2010, é um ser humano que jamais esquecerei. Uma pessoa fantástica, alto astral, altruísta de uma maneira que nunca vi na vida. Mas mesmo cheia de qualidades aos meus olhos, ela é simplesmente uma pessoa comum, como a maioria de nós. Com suas neuras e problemas. Ela talvez nem imagine, mas suas atitudes me trouxeram inúmeros aprendizados e reflexões.

Aprendi que qualquer hora, é hora de fazer alguém feliz. Mesmo que esse alguém não faça parte da minha história. Que eu posso sim, parar por alguns minutos e ajudar uma pessoa. Que ajudar alguém, não é necessariamente fazer coisas grandiosas, mas que gestos simples são mais que suficientes. Que mesmo levando tapas na cara, é possível passar a mão no rosto e seguir sorrindo da própria tristeza.

Eu poderia dedicar um texto inteiro a Simone, um ser humano que simplesmente fala o que pensa e realiza as ideias mais absurdas pra ver o sorriso escancarado da Ana Luiza, uma dentre centenas de crianças com câncer, cuja história ela conheceu pela internet. Se o mundo tivesse mais “Simones”, a vida neste planeta não seria tão amarga. Disso eu não tenho dúvidas.

Mas como nem tudo é perfeito, Simone é corinthiana e até no jogo do Corínthians nós fomos. Ana Luiza se divertiu muito e por alguns momentos, Marcos e eu ficamos apreensivos, achando que havíamos perdido nossa filha para um “bando de loucos”. Mas o que importa é a felicidade de poder levá-la ao estádio como uma criança normal. De estar ao lado de amigos, sorrindo, se divertindo, olhando impressionada, as bandeiras e coreografias da torcida.

A Anna Gama e seus filhos, Laura, Júlia e Chico, também estiveram conosco nestes dias mais amenos, onde o tratamento nos permitia mais passeios e diversões que toda criança merece.

Poder rever o sorriso de Ana Luiza enquanto ela fazia arvorismo, a felicidade em estar perto de crianças da idade dela, conversar assuntos de crianças, assistir filmes, correr, pular, cantar... Esses momentos me faziam recuperar a sensação de normalidade, de que finalmente as coisas estavam voltando ao que nunca deveriam ter deixado de ser.

Enquanto as crianças brincavam, faziam barracas no meio da sala e tentavam dominar o mundo em frente a TV, tive o prazer de conversar com Anna e seu marido, o Zé. E nessas conversas, fica evidente que as coisas em nossa vida não acontecem por acaso. Se não fosse esta doença terrível, jamais teria conhecido tanta gente especial, como este casal. Jamais teria conhecido outras centenas de pessoas que de alguma forma trouxeram conforto ao meu coração, seja enviando mensagens, ou indo doar sangue, ou enviando presentes pelo correio. O interesse genuíno na recuperação de Ana Luiza é nítido e me emociona demais. Mas também me traz uma sensação de responsabilidade muito grande. Retribuir tanta generosidade será um desafio que levarei por toda vida.

Apenas agradecer não é suficiente. Apenas colocar os joelhos no chão e apenas agradecer a Deus com palavras sinceras, também não é suficiente. É preciso arregaçar bem as mangas e agradecer com atitudes. Talvez esta seja minha missão: Agradecer eternamente, fazendo por outras pessoas, o que recebi em forma de milagre. Ou alguém é capaz de duvidar que recebemos um milagre?

O câncer mata. Os tratamentos disponíveis funcionam para uns, mas não funcionam para outros. É uma doença traiçoeira e misteriosa. Desespera e angustia os familiares e os pacientes, mas também alucina os médicos que, após estudarem anos e anos, não conseguem dizer porque com Ana Luiza funcionou e com Arthur não funcionou, por exemplo.

Depois de receber um milagre desses, será suficiente celebrar uma missa ou culto em agradecimento? Será suficiente agradecer tudo isso e voltar a minha vida como se nada tivesse acontecido? Talvez seja suficiente para várias pessoas e eu as compreendo perfeitamente. Afinal, ao sairmos deste “mundo paralelo”, que é a rotina desgastante do tratamento, tudo que queremos é desfrutar da paz, que é ter a saúde restabelecida.

Famílias voltam a "normalidade", muitas vezes sem um tostão no bolso. Pais e mães, voltam pra casa com seus filhos, sem um emprego ou salário para sustentá-los, pois tiveram que abandonar o trabalho, para poder cuidar do filho doente. Outros até adoecem, depois de tanto estresse e desespero. Reconstruir a vida, não é tão simples e as vezes, por si só, já é um grande desafio para a maioria dos brasileiros.

Mas para mim, apenas voltar à minha vida, não será suficiente. Agradecer em oração, é uma obrigação diária, que faço diversas vezes ao dia, todas as vezes que abraço Ana Luiza, quando a vejo brincar, quando a vejo crescer.

E de coração envergonhado, reconheço que quando minha filha estava saudável e feliz, eu pouco agradecia. Eu, gozando de plena saúde, além de não agradecer, também não ajudava ninguém. Não fazia a menor ideia do que era um câncer e vivia minha vidinha, como se fosse inatingível.

Afinal, comprar um hambúrguer, cujo lucro será destinado a luta contra o câncer, não é arregaçar as mangas. É alimentar sua fome. Comprar uma rifa pra ajudar uma casa de apoio, não é arregaçar as mangas, é esperar a sorte de ganhar alguma coisa em troca.

Fazer, verdadeiramente, algo por alguém, é lutar pela causa de outra pessoa como se fosse a sua. Hoje, depois de enfrentar e conhecer este outro lado da vida, é muito mais fácil pra mim, lutar pelo combate ao câncer. Aqueles que o fazem, sem nunca ter experimentado o desespero de ter um ente querido acometido de câncer, são verdadeiros anjos.

Ninguém está livre desta doença “democrática”, por assim dizer. Ela afeta bebês e idosos, jovens e adultos, homens e mulheres, gordos e magros, fumantes e não fumantes, brancos e negros. Ao colocar sua cabeça no travesseiro, apenas agradeça por sua saúde. E se você puder fazer mais que agradecer, estará numa categoria muito diferente de pessoas, nas quais eu mesma não me incluo.

Os índices de cura aumentaram? Sim. Mas a quantidade de gente diagnosticada também. A medicina evoluiu muito e as pessoas continuam morrendo por causa do câncer. E como saber que você está livre desse mal? Eu vivia minha “vida normal” ao ser pega de surpresa, com um câncer extremamente perigoso e sombrio, em minha filha única. Essa dor levarei por toda vida.

A Páscoa estava chegando e as dezenas de presentes e chocolates que Ana Luiza ganhou também chegavam diariamente. Presentes de todo canto do Brasil e do exterior também. Chegaram lindos presentes de Frankfurt, Londres, Orlando, e também chegavam ovos de páscoa de toda parte do Brasil.

Ana Luiza estava feliz, mas vez ou outra confessava: “Mamãe, eu quero ir pra casa”. Eu a entendia perfeitamente. Mesmo com tantas atenções, tanto carinho ao nosso redor, estar em casa e poder retomar sua vida é algo que fica martelando em nossos corações. A gente só compreende e faz ideia desta sensação, quando fatalmente temos que ficar longe de casa por tanto tempo.

A semana santa foi tranquila. Livre da radioterapia no crânio por 4 dias, Ana Luiza queria mesmo aproveitar. Simone e Anna Gama foram responsáveis por momentos de muita alegria. Ana Luiza estava muito feliz em poder brincar com crianças da idade dela, em fazer passeios diferentes, conhecer novas pessoas.

A visita da Mallyn e da Amanda também foi muito divertida. A cada dia, Ana Luiza se fortalecia mais e aos poucos sua vida de criança ia sendo retomada.

Passamos a manhã de páscoa no hotel. Ana Luiza, minha mãe e eu, apenas agradecemos a Deus pelas vitórias. Saímos para almoçar e depois fomos para a casa da Gracélia, comemorar com nossa nova família, as bençãos de ter a vida de nossos filhos renovada. De fato, esta páscoa foi muito importante para todos nós. Mesmo distantes dos familiares, foi um momento muito agradável ao lado de boas pessoas e que naquele momento, estavam no mesmo espírito de gratidão que nós estávamos.

No dia seguinte, voltaríamos para o apartamento dos tios do Marcos e poder voltar pra lá era um conforto que veio em boa hora. Comer comida de restaurante diariamente era terrível e Ana Luiza não estava conseguindo se alimentar adequadamente, mesmo com toda a criatividade de sua avó. “Eu quero comida de fogão, não essas comidas de restaurante”, dizia Ana Luiza, como se no restaurante usassem outro equipamento para cozinhar... mas eu a compreendia e com certeza vocês também a compreendem.

Mais uma vez a Simone estava conosco. Ela nos auxiliou com a mudança. Na verdade, parecíamos retirantes fugindo da seca. O carro, uma pick up, estava abarrotada de malas, mochilas, caixas e sacolas. Durante a última internação, Ana Luiza ganhou tantos presentes, que foi uma dificuldade terrível trazer tudo de volta ao apartamento.

Feliz da vida, depois de 2 meses longe de “casa”, Ana Luiza enfim comeria uma comidinha da vovó, preparada com muito amor. O que daria a ela, ânimo para continuar a última fase do tratamento: a radioterapia do crânio e do tórax.