sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Olhando para trás: 23 de Setembro de 2010

Às 8h da manhã o neurologista iria avaliar Ana Luiza e me entregar o Laudo de encaminhamento para o Hospital em São Paulo. Precisávamos deste documento para resolver duas coisas super importantes: viabilizar a autorização do Plano de Saúde para reservar o leito de UTI em SP e entregar o mesmo documento na SUSAM, conforme acertado no dia anterior, para as providências da liberação da UTI aérea.

Marcos chegou cedo ao hospital, deixou o carro no estacionamento e ficou aguardando para ir conosco até a SUSAM. Ele havia passado a noite em casa. Arrumou as malas, organizou a casa, separou documentos importantes.

Desde as 7h da manhã a dinda Milena já estava no Hospital para ficar com Ana Luiza enquanto resolvíamos todos os trâmites do avião.

Assim que o médico nos concedeu o Laudo, fomos até a SUSAM. Quem nos levou novamente foi o marido da Noemy. Eles ainda não sabiam, mas fariam parte de nossas orações eternamente. Uma família que não tínhamos muita intimidade, mas que fizeram todo o possível para nos ajudar. E ajudar quem a gente conhece e tem intimidade é uma coisa. Fazer o mesmo, por pessoas praticamente desconhecidas, é outra. Essa foi apenas uma, dentre as dezenas de lições que estamos tirando de toda esse drama.

Chegamos os três na SUSAM e explicamos a situação para duas pessoas que foram sensacionais desde o início. Nos atenderam de forma muito cortês e educada. Explicaram todos os procedimentos e disseram quais os documentos que precisariam ser viabilizados até o embarque. Disseram que, infelizmente, ela não poderia embarcar na data de hoje, pois o avião jato (que faz o percurso sem escalas) não estava em Manaus.

Eu comecei a chorar, imaginando mais um dia de desespero. Mais um dia com aquela bomba relógio na cabeça da minha filha... Voltei a explicar a situação dela. Disse que seria muito importante que ela embarcasse na data de hoje, pois estava estável e respirando ar ambiente (sem ajuda de aparelhos). Elas questionaram diversas vezes se ela realmente tinha possibilidades de viajar, pois na semana anterior, uma família, em circunstâncias semelhantes, “teimaram” em embarcar com o filho e, poucas horas do início do trajeto de Manaus para São Paulo, a criança teve uma parada cardiorrespiratória e tiveram que voltar urgente para Manaus. Ouvi tudo aquilo atentamente e só lembrava do que o Neurologista havia dito: “Ela pode ter uma parada cardiorrespiratória em pleno vôo”. Minhas mão gelaram.

Elas fizeram algumas ligações e conseguiram uma aeronave que viria de Goiânia-GO, buscá-la em Manaus. Partiríamos por volta das 18h. Novamente eu caí em prantos. Desta vez de gratidão, obviamente. Lembro que uma das senhoras, salvo engano, chamada Dona Marinete, assim que me dirigia a porta de saída, me abraçou e emocionada disse que tinha uma netinha da mesma idade e que ela tinha ficado muito sensibilizada. Pediu que tivéssemos forças, que enviássemos notícias de SP, mas que tudo daria certo. Chorando muito, agradeci o apoio e disse que nunca teria palavras suficientes para agradecer a agilidade e disponibilidade delas.

Marcos ficou particularmente preocupado com a “família da semana anterior”, que teve que voltar no meio do caminho pois a criança tinha se desestabilizado durante o voo. Por causa disso e temendo ter que retornar para Manaus caso acontecesse alguma coisa, ele entrou em contato com os parentes em BH (alguns médicos) e passou o laudo e imagens dos exames. No caso de um problema no ar, 2 hospitais de Belo Horizonte já estavam a par do caso da Ana Luiza e com condições de recebê-la. Belo Horizonte, mais perto que São Paulo, seria uma opção para pouso de emergência.

O marido da Noemy nos deixou no Hospital por volta das 11h da manhã. Precisávamos ficar prontos para viajar, pois teríamos muitas coisas para resolver no período da tarde. Além do mais eu estava com a mesma roupa há mais de 24 horas, precisava de um banho.

Pegamos o carro no estacionamento do Hospital e fomos para casa. Tomei banho, me arrumei e olhei bem cada cômodo da casa. Eu sabia que demoraríamos muito tempo para voltar. Deu um aperto no coração tão grande. A gente fazendo inúmeros planos e Deus nos concedendo outros caminhos. Outra lição dessa história toda.

Dona Francisca tinha feito um macarrão com molho de tomate. Fui obrigada a comer. E só consegui porque pensava em Ana Luiza. Eu teria que ter forças para cuidar dela e implorava a Deus que ela não tivesse nenhuma complicação durante o voo.

As malas não tinham como embarcar no avião. O máximo que poderíamos levar eram 2 bagagens de mão. Pedi que o Rodrigo levasse nossas malas, pois ele viajaria para São Paulo neste mesmo dia, mas antes da gente. Ele foi até nossa casa, pegou as malas e foi para o Aeroporto. Ficamos aguardando tio Felipe e tia Frida que nos levariam de volta para o Hospital, de onde sairíamos de ambulância, direto para o Aeroporto.

Me despedi de Dona Francisca. Demos algumas orientações sobre a casa, pedi que ela tivesse calma, pois tudo daria certo. Lembro perfeitamente da velha Fran, sentada em uma das poltronas da sala, segurando um dos bichinhos de pelúcia de Ana Luiza. Ela não conseguia segurar o desespero. As lágrimas caiam e ela não conseguia nem falar direito. Apenas cheirava o bicho de pelúcia, sentindo o cheirinho do perfume de Ana Luiza. A coitada não tinha tido oportunidade de se despedir direito, tamanha foi a correria no dia anterior. Meu coração ficou pequeno ao ver o carinho enorme que ela tinha pela Ana Luiza. As duas sempre se deram muito bem e era triste ver a dor e o medo de Dona Francisca.

Fomos para o Hospital. Ao chegar, subi e fiquei com Ana Luiza na UTI. Marcos ficou no saguão aguardando as confirmações referentes as ambulâncias que fariam o transporte de Ana Luiza.

Ainda faltavam vários detalhes importantes: Precisávamos confirmar qual Hospital receberia Ana Luiza, pois inicialmente o médico a encaminhou para o Hospital Infantil Sabará de São Paulo, mas posteriormente, o próprio chefe da neurocirurgia do Hospital sugeriu que ela fosse transferida para o Hospital A C Camargo, em virtude do quadro clínico em que ela se encontrava.

Eu nunca tinha ouvido falar desses hospitais, mas confiei na indicação do médico. Já em SP soubemos que eram 2 excelentes hospitais. O primeiro, o melhor hospital infantil de São Paulo e o segundo, o melhor Hospital da América Latina e o quinto melhor do mundo para tratamento de câncer.

Ainda precisávamos confirmar se o Plano de saúde cobriria os custos das ambulâncias que fariam o transporte de Ana Luiza, tanto do Hospital Santa Júlia até o Aeroporto de Manaus, quanto do Aeroporto de Guarulhos até o Hospital A C Camargo. Precisávamos ainda, saber que horas o avião sairia de Manaus e chegaria em São Paulo, para comunicar as empresas das ambulâncias. Eram detalhes que precisavam ser resolvidos urgentemente e contamos com o apoio de pessoas fundamentais: Josely, Emerson, Leide, Mariza, Nelson e tantos outros.

Tivemos a confirmação de que o plano pagaria pelo traslado de Ana Luiza em ambulância UTI, entre os hospitais e aeroportos. Conseguimos a definição do horário de chegada do avião em Manaus. Mas as empresas de ambulância precisavam de mais alguns detalhes: número do avião que receberia/entregaria Ana Luiza e o portão de embarque/desembarque. Todas as informações foram conseguidas por amigos que incansavelmente tentavam nos ajudar.

Finalmente, as informações que eu dispunha eram: Ana Luiza embarcaria às 18h, no Aeroclube (Parque das Laranjeiras), as ambulâncias já estavam a postos e o leito da UTI no A C Camargo já estava reservado: Box 5, leito 5.

De repente, faltando apenas 1h para a ambulância chegar e nos buscar, tudo mudou. O avião não decolaria do Aeroclube e sim do Aeroporto “Eduardinho”, o hospital e as ambulâncias precisavam de um laudo do médico intensivista e as ambulâncias não seriam mais cobertas pelo plano de saúde.

Marcos estava no saguão do Hospital e eu estava na UTI com Ana Luiza. A Leide e o Emerson tentavam me auxiliar na questão das ambulâncias, me passando os valores a serem pagos, entretanto eu mesma deveria ligar para as empresas e acertar o horário, o local e a forma de pagamento.

A empresa de Manaus, que faria o traslado Hospital/Aeroporto, custava 1500 reais. Já a de São Paulo, que faria o traslado Aeroporto/Hospital custava 800 reais. Ambas com pagamento a vista. Precisávamos dos 2.300 reais em mãos. Ainda na UTI, a médica responsável atendia algumas intercorrências e não tinha disponibilidade para terminar de redigir o tal laudo. Tudo parecia desabar. Conseguimos o mais difícil que era o avião e a sensação que eu tinha era que as coisas estavam escorrendo pelos dedos em virtude das dificuldades de última hora.

Eu usava dois telefones celulares ao mesmo tempo. Me dividia em duas para falar com as empresas das ambulâncias, quase que simultaneamente. Enquanto eu acertava isso, precisava da confirmação do aeroporto de saída, informação que Marcos estava confirmando com a empresa da UTI aérea. Estávamos quase entrando em surto.

Confirmado o horário de saída da aeronave, o aeroporto e o preço das ambulâncias, Marcos ainda tinha que ir sacar o valor para tê-lo em mãos. Sem carro, ele saiu correndo (literalmente) do Hospital até a Av. Djalma Batista, distante aproximadamente 2km, para sacar o valor. Entretanto ele não lembrou de pegar meu cartão. Levou apenas os cartões de duas contas. Em virtude do limite diário de saque, só conseguiu sacar 1.000 reais em cada banco que, somados aos 100 que ele já dispunha na carteira, não eram suficientes.

Ele me liga do saguão do Hospital dizendo que não tinha conseguido sacar o valor total. Faltavam apenas 15 minutos para a ambulância chegar para buscar Ana Luiza. Eu estava me sentindo totalmente sem ar. Um medo, misturado com desespero e com vontade de resolver as coisas! Não tenho nem vocabulário para tentar descrever o que senti.

Vários amigos chegavam ao Hospital para se despedir e pedi pra ele pegar emprestado o dinheiro com alguém ou fazer qualquer coisa, mas teríamos que embarcar com o dinheiro.

Nem sei explicar direito, mas a Paula, mãe de um coleguinha de escola da Ana Luiza (o Gilmar), que ainda não conhecíamos, entregou 800 reais que tinha conseguido arrecadar, nas mãos do Marcos. A tia Luciana emprestou, por garantia, mais 400 reais. Caso fosse preciso pagar mais alguma coisa. Conseguimos de última hora mais que o suficiente para pagar essa despesas imprevistas.

A ambulância chegou para buscar Ana Luiza pontualmente. Ainda na UTI, conversei com ela e expliquei que iríamos de ambulância até o aeroporto e de lá iríamos em um avião pequeno para São Paulo. Ela perguntou: “O papai vai com a gente? Eu não quero viajar sem o papai!” Expliquei que iríamos os 3 juntos, que seria uma viagem rápida, mas que ela iria deitadinha numa cama parecida com a do hospital. Depois ela perguntou: “E nós vamos pro aeroporto de ambulância?!! Que legal! Vamos passar no sinal vermelho?!”

A pequena não tinha a menor noção dos riscos, do nosso desespero, do medo. O que ela queria mesmo, era curtir cada momento. Mais uma das lições, de tantas, que essa confusão nos proporcionou.

Ao chegar no corredor que nos levaria até a porta de entrada da ambulância, vi vários amigos: Daniel e Ariane, Paula e seu filho Gilmar, tia Luciana, Rita, Milena e outros que as lágrimas me impediram de enxergar. Todos muito emocionados e querendo dar um “tchauzinho” de despedida para Ana Luiza, que deitada na maca achava tudo “muito doido”!

Meu coração estava disparado. Entramos na ambulância, ligaram os aparelhos de monitorização e seguimos até o Aeroporto. Eu não tirava o olho do monitor e durante todo o trajeto, segurava nas mãos de Ana Luiza e Marcos e em meus pensamentos só conseguia agradecer a Deus e pedir para que ele continuasse nos auxiliando.

Chegamos ao Aeroporto e tivemos que parar em um dos portões de entrada, para aguardar a confirmação do número da aeronave. Lá tinha outro grupo de pessoas, que aguardavam para se despedir de Ana Luiza: Jaqueline e sua filhinha, Ricardo, Fabíola, Ellen, Bruno e Amazônia. Abriram a porta da ambulância para Marcos descer e passar as informações para o responsável do aeroporto e nesse momento Ana Luiza, mesmo deitada, conseguiu ver todo mundo.

Com os olhos arregalados ela olha pra mim e diz: “O que está acontecendo, mamãe?! Porque tanta gente veio me ver? E por que a tia Fabíola e a Tia Amazônia estavam chorando? Credo! Que povo chorão!” E começa a rir. Eu não aguentei e comecei a rir também. Era a minha Ana Luiza de sempre e estava bem. Milagrosamente, ela estava bem.

Entramos na pista de pouso e a ambulância parou bem próximo ao avião, que estava reabastecendo. A equipe que acompanhariam Ana Luiza viu os exames e os documentos e ficamos por alguns minutos aguardando a liberação da aeronave. Ricardo e Bruno entraram na pista e ficaram conosco.

O celular não parava. Eram nossos pais, amigos e tantas outras pessoas querendo saber se tudo estava indo bem. Se tudo havia dado certo. Ana Luiza chegou a comentar: “Credo! A mamãe não sai desse telefone!”

O comandante do avião pediu que antes do voo utilizássemos o banheiro do aeroporto, pois a aeronave não tinha banheiro. Corremos até o aeroporto e voltamos bem rápido. Em poucos minutos já estavam todos acomodados no avião e exatamente às 18h05min o avião decolava.

O avião subiu e assim que Ana Luiza dormiu, Marcos e eu desabamos. De mãos dadas, só conseguíamos agradecer a Deus por tudo, pois finalmente estávamos indo em busca de um diagnóstico e tratamento para nossa filha.

A viagem foi muito tranquila. Ana Luiza dormiu tranquilamente, acordou, brincou no computador. E estava doida para comer alguma coisa: comeu 2 biscoitinhos de aveia que tio Felipe mandou e um pedaço de sanduíche do avião. Chegamos no aeroporto de Guarulhos as 23h no horário local. A ambulância ainda não estava na pista de pouso, mas já estava se dirigindo até o portão.

Ana Luiza queria ir ao banheiro. O médico, vendo que ela estava em excelentes condições, a liberou para ir até a sala da Infraero. Desceu do avião sozinha e andando foi até o banheiro.

A outra ambulância chegou e nos levou até o A C Camargo. Durante o trajeto até o hospital, Ana Luiza dormiu novamente. Marcos mandou mensagens para todos da sua lista de contatos informando que o voo tinha sido excelente e que já estávamos a caminho do hospital. Recebemos a ligação do pai biológico e Marcos explicou o que sabíamos sobre a doença. E assim que chegamos ao Hospital, por volta de 01h da manhã, lá estavam para nos recepcionar: o Rodrigo, Mariana e Tio Joaquim (Joca), um dos tios do Marcos que moram em SP.

Descemos, abraçamos todo mundo e enquanto eu acompanhava Ana Luiza até o leito da UTI, Marcos resolvia a papelada da internação. Depois que tudo estava em ordem, me despedi dos amigos e agradeci a ajuda. Rodrigo, já com nossas malas dentro do carro, levou o Marcos para o apartamento do Tio Cláudio e e Tia Olímpia (outro tio dele de SP), aonde ficaríamos hospedados.

Na UTI, a equipe precisava que eu respondesse diversas perguntas. Conversei com a médica responsável por quase 30 minutos. As enfermeiras me mostraram os procedimentos do acompanhante na UTI e onde eu poderia guardar minha bolsa e tomar banho. Coletaram algumas amostras de sangue de Ana Luiza e explicaram que o neurocirurgião viria de manhã bem cedo para avaliá-la. Após estes procedimentos iniciais, Ana Luiza pôde finalmente assistir o Discovery Kids em paz, em uma baita televisão de LCD na frente dela.

Fiquei impressionada com a estrutura da UTI do hospital. Tudo digitalizado, monitores e aparelhos sensíveis ao toque, leito de ultima geração. Tomei banho e me deitei ao lado de Ana Luiza, em uma poltrona muito confortável. Olhei no relógio e já eram quase 3 da manhã. Os Backyardigans cantavam e rebolavam na TV. Ana Luiza já tinha caído no sono. Fechei os olhos e só me restava agradecer mais uma vez a Deus e pedir forças para suportar todo esse vendaval.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Olhando para trás: 22 de Setembro de 2010

Não dormi. Às 6h da manhã meu celular tocou e saí do quarto para atender, deixando Marcos e Ana Luiza na cama. Era minha mãe. Ela estava preocupada e muito apreensiva, obviamente. Ela queria ouvir da minha boca o que estava acontecendo. Expliquei novamente e a convenci, mais uma vez, que ela não deveria vir para Manaus.

Eu precisaria muito dela, mas não em Manaus, não naquele momento. Ela tinha que entender isso e manter a calma. Mas eu entendia minha mãe. Ela me ajudou a cuidar da Ana Luiza quando ela ainda estava na minha barriga, era a avó elevada a décima potência.

Enquanto eu falava ao telefone, Marcos levantou da cama e ficamos conversando. Mostrei o atlas de anatomia pra ele, apontando a região afetada pelo tumor. Mostrei um site na internet, que falava do tal rabdomiossarcoma e que todos os sintomas, a idade, a localização levavam a crer que poderia, realmente, ser aquela doença tão agressiva. Desde aquele dia, eu decidi que não ia ler mais nada na internet. Eu tinha vontade, mas não tinha coragem.

Marcos e eu ainda tínhamos várias coisas para providenciar. Uma delas, dizia respeito a guarda da Ana Luiza. Muitos não sabem, mas o Marcos não é pai biológico de Ana Luiza. Aproximadamente em julho deste ano, Marcos e eu decidimos entrar com o pedido de guarda definitiva de Ana Luiza, além de solicitar a regularização de pensão. Estávamos aguardando essa iniciativa do pai biológico dela, desde junho de 2008, quando ele nos procurou em nossa residência.

Entrei em contato com nossa advogada super cedo. Liguei várias vezes. Fiquei até com vergonha, mas precisava falar com ela para saber o que fazer, afinal não tínhamos qualquer noção do que poderia acontecer em São Paulo. Se para a realização de algum procedimento específico, a equipe médica precisaria de alguma autorização de pai/mãe, ou se Marcos precisaria de algum tipo de procuração do pai biológico de Ana Luiza, ou qualquer coisa do tipo.

A advogada pediu que eu levasse os documentos (laudo/encaminhamento médico, passagens para São Paulo, etc) e que eu não me preocupasse que até o fim do dia, Marcos e eu estaríamos com a guarda da Ana Luiza.

Preocupada, ainda liguei para alguns amigos, na tentativa de pedir ajuda neste caso, mas todos foram unânimes: “Não se preocupe. Nenhum juiz, em sã consciência, deixaria de conceder a guarda neste caso.”

Saindo do escritório da advogada, uma grande amiga chamada Amazônia me liga. Chorei no telefone e ela viu meu desespero. Eu precisava ter calma. Foi quando lembrei, “do nada”, que um ano atrás, exatamente em agosto de 2009, Ana Luiza tinha tido uma hemorragia nasal na escola. A tia Luciana, professora dela, me ligou e fui buscá-la. Levei Ana Luiza até o Pronto-socorro e a médica plantonista disse que eu não me preocupasse, pois isso era comum na infância. Argumentei, dizendo que minha filha nunca havia tido aquilo antes, não estava resfriada e que eu só sairia do Hospital com um exame de imagem da cabeça. Ela, contrariada, solicitou uma tomografia computadorizada do crânio e da face de emergência. Fiquei mais de 6 horas no hospital aguardando o resultado dos exames e, finalmente quando saiu o resultado, me entregaram apenas o Laudo, que dizia que tudo estava normal. As imagens e o laudo seriam entregues na próxima semana.

Não fui buscar as imagens, obviamente. Mas lembrei deste episódio justamente naquela hora em que conversava com Amazônia e dei uma missão a ela: “Consiga essas imagens. Pelo amor de Deus, consiga essas imagens pra mim!”

Cheguei em casa, comentei com Marcos a questão da tomografia e, por acreditar que não teríamos tempo hábil para conseguir o termo de guarda, levando em conta a morosidade da Justiça, resolvi ligar para o pai biológico de Ana Luiza. Além dele ter o direito de saber o que estava acontecendo, naquele momento eu deveria voltar todos os meus esforços em benefício da saúde da minha filha. Se eu precisasse da ajuda dele, não me importaria em implorar por ajuda.

Por volta das 8h30min, liguei pra ele. Com a voz sonolenta, ele atendeu o telefone e eu comecei a explicar o que estava acontecendo. Disse que ainda não sabíamos o que ela tinha, mas que estávamos embarcando para São Paulo, para definir o diagnóstico e o tratamento. Enfatizei que talvez houvesse a necessidade de algum tipo de procuração, caso fosse exigido pelo Hospital, autorização de pai/mãe para alguma intervenção.

Ele apenas disse: “Vou passar o telefone para o meu pai”.

Repeti exatamente o que tinha dito anteriormente. O avô biológico ouviu tudo e disse: “Eu não estou entendendo... Mas me esclareça uma coisa, Carol, você ainda quer ir embora para o Canadá?!”

Aquilo foi um soco no meu estômago. Enquanto eu estava em frangalhos em virtude da saúde da minha filha, o avô biológico dela, me perguntava, com certo desdém, se eu ainda queria ir embora para o Canadá, se referindo a nosso sonho (hoje tornado impossível em virtude da doença), de fazer o processo de imigração para um país de primeiro mundo.

Aquilo me pareceu surreal. Enquanto eu falava de um assunto tão importante, o avô biológico da minha filha estava preocupado com um assunto tão irrelevante: Minha ida ou não para o Canadá.

E aqui preciso fazer um “mega parênteses” para tentar explicar resumidamente, um pouco da minha vida. Não que esse assunto seja importante agora, pois ele REALMENTE não é. Mas eu não imaginava que exatamente esse assunto, traria momentos de muita angústia, justamente no período mais desesperador de nossas vidas... Vocês vão entender melhor meu coração, se eu explicar:

Eu engravidei de Ana Luiza, aos 19 anos.

Exatamente em novembro de 2002 eu descobri que estava grávida de um ex-namorado. Esse namorado, conheci aos 17 anos, quando vim morar em Manaus. Ele já estava indo para o 2º ano da faculdade de Informática e eu, caloura, iniciava minha vida acadêmica.

Nosso namoro foi marcado por momentos emocionantes. Não exclusivamente bons, se é que vocês me entendem. Meus amigos da faculdade, inicialmente a Thâmysa, depois o Rodrigo e Milena (padrinhos de Ana Luiza) acompanharam vários destes momentos.

O namoro acabou, como boa parte dos namoros acabam: Tomei vários “chifres”. Perdoei. Tomei outros tantos. Fui humilhada na frente de amigos e mesmo vivendo um romance doentio, cheio de falta de amor próprio, resolvi aceitar o fim.

Eu me lembro perfeitamente, que em setembro de 2002, quando todo mundo falava do 1º ano do ataque terrorista às Torres Gêmeas, eu ainda me entristecia por ter sido tão menosprezada por alguém que eu tinha dado tanto amor.

Ao descobrir que estava grávida do ex-namorado, aquela pessoa que tinha me humilhado tanto durante os últimos anos, fui tomada de uma tristeza e um medo absurdo. Eu fiquei triste porque sabia que seria mãe solteira aos 20 anos, tinha certeza que as chances de eu ter uma vida profissional medíocre seriam infinitamente maiores, pois teria que abrir não de tudo em nome do filho que teria e tinha medo porque eu tinha plena certeza que seria mal interpretada, principalmente por ele, o pai.

Eu ainda gostava do tal ex-namorado quando engravidei dele? Eu achava que sim. Ele pensou que eu engravidei de propósito? Ele tinha certeza que sim.

A gravidez foi difícil. Eu ainda mendigava o amor dele, mesmo ele tendo deixado muito claro, em alto e bom som que não aceitava aquela gravidez. Rodrigo e Milena presenciaram o dia em que ele soube da gravidez e imediatamente disse: “Você não pode ter esse filho! Eu sou muito novo e você também. Isso vai acabar com minha vida. Você não pode ter esse filho”, ele repetia.

Eu não sei se ele lembra disso, mas o fato é que quem bate, esquece. Mas quem apanha, nunca esquece. E nesse dia, eu não ouvi isso sozinha. Éramos 4 pessoas ouvindo: Eu, Rodrigo, Milena e Ana Luiza, ainda na minha barriga. Ela tinha apenas 4 semanas de vida embrionária, mas ela já existia. Isso é fato.

Ana Luiza nasceu em julho de 2003 e o pai biológico tinha coisas mais importantes para fazer: Regularizar o serviço militar obrigatório dele, em Boa Vista-RR. Ele deixou claro que não poderia estar presente. Nem ele, nem ninguém da família dele. Apesar de ter 2 irmãs (uma delas, também mãe solteira) e os pais gozarem de plena saúde, não estiveram na maternidade. Não reivindicaram o lugar que sempre fora deles: o de avôs paternos de uma criança que não havia sido planejada. A segunda neta não planejada, diga-se de passagem.

Registrei Ana Luiza sozinha, como filha de “pai desconhecido”, para não perder o plano de saúde dela. Ana Luiza nasceu com refluxo gastroesofágico e precisava de cuidados médicos. Após 2 meses do nascimento, quando todas as prioridades haviam sido resolvidas, o pai biológico dela veio a Manaus para registrá-la. Eu me lembro que algumas pessoas comentaram que eu era muito “desesperada”. Que deveria ter esperado, pois ficar sem plano de saúde por alguns dias não era um problema... Sei...

Os anos foram passando. Eu me formei, logo em seguida comecei a trabalhar. Isso já era, por si só, motivo de grande felicidade: Eu conseguiria sustentar, pelo menos em parte, os gastos de minha filha. Meus pais foram fundamentais nesse período, pois sempre me auxiliaram, seja dando o suporte financeiro, seja dando o suporte emocional. Em determinada época, o pai biológico dela, comprometeu-se em pagar o plano de saúde; deixou atrasar 2 meses e depois, quando questionado, disse que plano de saúde era bobagem! Me enviou um e-mail afirmando que muitas pessoas viviam muito bem sem plano de saúde. Ainda bem que esta doença maligna, veio alguns anos depois, quando ela já tinha um bom plano de saúde, pago pela empresa onde trabalho. Cada aplicação de quimioterapia varia entre 10 e 15 mil reais. Mas muita gente vive sem plano de saúde... Sei...

Em setembro de 2005 conheci Marcos e nossas vidas mudaram. Talvez eu fale sobre isso um dia. Mas o fato é NOSSAS vidas mudaram mesmo. A minha, a dele e principalmente de Ana Luiza. Um dia ela perguntou pra mim: “Mamãe, posso chamar ele de papai ao invés de Marcos?”

Ela já tinha escolhido um papai. E eu tinha encontrado uma pessoa maravilhosa, cheia de defeitos, claro. Mas com virtudes que sempre superaram os defeitos. Hombridade, honestidade, respeito e dignidade.

Casamos em 2007 e Ana Luiza nunca foi enteada. Sempre foi filha, neta e sobrinha. Sempre foi uma criança extremamente amada pela família do Marcos, como se “de sangue” realmente fosse.

Durante todos estes anos, ouvi calada alguns comentários extremamente maldosos de pessoas de Boa Vista, que pouco sabiam da minha vida, mas que aceitavam essas “histórias” como uma boa justificativa para a ausência da família biológica, que durava anos.

Fui “acusada” de ser várias coisas. No início, fui acusada de ter tentado aplicar um “golpe da barriga”. Depois fui acusada, de ter “me aproveitado” de um cara que estava bêbado. Algum tempo depois, chegou aos meus ouvidos que eu “proibia” a família do pai biológico e o próprio de terem contato com Ana Luiza.

Ao ouvir todos esses comentários eu sentia muita tristeza. Muita mesmo. Durante anos, tive que conviver com os mais terríveis boatos, que denegriam não somente a mim, mas a minha família também. Como alguém pode inventar tantas histórias absurdas, para fugir da própria responsabilidade? Eu não entendo, mas aceito as decisões de cada um. As pessoas são livres para plantar o que quiserem. Mas a colheita é obrigatória. Eu já tinha tomado minha decisão. Minha prioridade era: Viver minha vida de maneira decente e fazer o melhor por minha filha.

Em junho de 2008, faltando poucas semanas para o aniversário de 5 anos de Ana Luiza, o pai biológico nos procurou em nossa residência. Naquela ocasião afirmava, dentre outras coisas, que gostaria de ter um relacionamento com a filha. Ele admitiu que foram anos de abandono, mas que agora, ele tinha condições de assumir a responsabilidade financeira que nunca teve anteriormente. Ele queria ter um relacionamento com a filha. Nada mais justo. Marcos e eu, ouvimos tudo que ele tinha a dizer e pedimos que ele regularizasse essa questão na Justiça. Tudo que eu exigisse, ou que ele determinasse poderia ser mal interpretado, como sempre foi. Ele saiu de nossa casa, depois de entregar uma mala de presentes para Ana Luiza e de tirar várias fotos com ela. Todos nós sabemos que a Justiça da Família anda rápido, ainda mais quando um pai decide, por conta própria, começar a pagar pensão e regularizar visitas. Entretanto, 2 longos anos se passarem sem sequer um telefonema de feliz aniversário, feliz natal, feliz dia das crianças, ou pelo menos um “oi”. Tentamos, em junho de 2010, que ele desse a guarda por livre e espontânea vontade. Mas foi uma tentativa frustrada.

Enfim, adivinhem qual foi o exato momento em que recebemos um oficial de justiça em nossa casa, dando conhecimento da audiência para tratar deste assunto?

Voltemos ao dia 22 de Setembro de 2010.

Eu acabava de explicar ao avô biológico de Ana Luiza, sobre nossa imensa vontade de ir morar no Canadá, do desejo de levar Ana Luiza até a Disney, de viajar com ela por todo o mundo, mas que naquele momento o que mais nos preocupava era a saúde dela. Enquanto explicava tudo isso, tentando não ficar chateada, eu olho em direção a minha casa e vejo uma pessoa na porta, conversando com Marcos e com Dona Francisca. Ele acena e pede que eu venha ao encontro deles.

Me despeço e desligo o telefone rapidamente, pedindo que ele entrasse em contato com meus pais, ou que me telefonasse a qualquer momento para esclarecer dúvidas ou até mesmo para saber notícias de Ana Luiza.

Quando me aproximo deles, noto que tratava-se de um Oficial de Justiça, entregando um documento que informava sobre uma audiência no dia 15 de Outubro de 2010, para tratar sobre a regularização de visitas e alimentos em favor de Ana Luiza.

O pai biológico resolveu fazer o que há 2 anos disse que faria: Regularizar a situação judicialmente, tal qual nós havíamos acertado. O que me deixou boquiaberta foram os termos e argumentos utilizados na petição. Mas isso não é assunto para este blog. Marcos e eu nos manifestaremos sobre isso na justiça e a verdade prevalecerá. Não tenho medo de encarar a verdade, mas conheço pessoas que não a toleram.

Parei e comentei com Marcos: “Tanta coisa para eu me preocupar agora, coisas infinitamente mais importantes e me aparece mais isso para resolver. Foram necessários 7 anos, 2 meses e 3 dias, para que o “básico” fosse providenciado e justamente no momento mais difícil da minha vida, ainda tinha que perder tempo com um assunto tão banal, diante do problema de saúde de Ana Luiza”.

Liguei para a advogada imediatamente, ela pediu que entregássemos os documentos e disse para eu ocupar minha cabeça com o que realmente importava: Ana Luiza. E foi exatamente isso que fiz. Quando nos preparávamos para ir novamente até o escritório da advogada, Ana Luiza acordou.

Vi que ela acordou sonolenta. Pedi que Tia Frida e Dona Francisca ficassem exatamente ao lado dela por alguns minutos enquanto eu e Marcos deixávamos os documentos com a advogada. Quando retornamos notei que ela estava totalmente diferente da criança que havia dormido no dia anterior: Estava totalmente indisposta e sonolenta.

Assim que fui dar os remédios receitados, ela começou a vomitar e não parou mais. Desesperada, liguei para o anjo da guarda, Tia Josely. Ela entrou em contato com o Neurologista que pediu para nos dirigirmos até o Pronto-socorro, pois ele precisaria avaliá-la. Ali começou uma correria que só teve fim às 18h do dia seguinte. Foram momentos de verdadeiro pânico.

Colocamos Ana Luiza no carro e do jeito que estávamos fomos para o Hospital. Chegando lá, enfatizei que estávamos aguardando o neurologista. Ficamos, Ana Luiza e eu, aguardando na enfermaria. Marcos ficou do lado de fora, pois somente um acompanhante estava autorizado a permanecer com o paciente.

Enquanto aguardávamos o médico, nossa advogada ligou e informou que já tinha conseguido a guarda provisória de Ana Luiza, mas que precisávamos comparecer ao Fórum, para assinar os termos de guarda e compromisso. Como fazer? Quem ficaria com Ana Luiza no hospital? Não temos família em Manaus. Mas quem tem amigos verdadeiros nunca está só.

Nesse momento, contamos com tio Felipe e tia Frida. Mas obviamente, o anjo da guarda de Ana Luiza também se prontificou a ficar com ela no Hospital e aguardar a avaliação do médico, enquanto iríamos até o Fórum.

Mas ainda havia um problema: Tínhamos pouco tempo para chegar até o Fórum e Marcos estava de roupa de dormir. Não teríamos tempo de voltar em casa, colocar uma calça (obrigatória) e ir até o gabinete do Juiz. Eis que tio Felipe surge com uma excelente ideia: Marcos vestiu uma calça do hospital e saímos em disparada até o Fórum.

Aguardamos por alguns minutos na sala do Juiz, e quando começamos a assinar os documentos, meu celular tocou. Era a Josely. Ela informava que Ana Luiza já havia sido avaliada pelo neurologista e infelizmente não poderia mais embarcar em avião comum. Ela apresentava sinais e sintomas de que a pressão intracraniana estava elevada e o risco dela sofrer uma parada cardiorrespiratória durante a viagem, em virtude do aumento de pressão, era muito grande. O médico foi taxativo: “Ela só sai de Manaus em UTI aérea”.

Eu tive uma crise de choro ali mesmo. Me deu um desespero absurdo. Desabei na mesa da assistente do Juiz. Marcos tentava me acalmar. Até a assistente do Juiz se comoveu... Eu não conseguia me controlar. Marcos, que também estava emocionado disse: “Calma, Carol. Tudo vai dar certo.” Enxuguei as lágrimas, respirei fundo e saímos correndo até o carro. Chegamos ao hospital e não existe adjetivo para o sentimento que tive na hora. Na verdade eu não consigo lembrar direito o que fiz ou pensei. Minha filha estava com a pressão intracraniana elevada (e aumentando) e nosso plano de saúde não cobria UTI aérea.

Enquanto aguardávamos os trâmites dentro do Hospital (ela ficaria na UTI sendo monitorada enquanto providenciávamos o avião), eu oscilava entre o desespero e a necessidade de me manter forte para resolver as coisas. Éramos somente Marcos e eu, os dois responsáveis por Ana Luiza. Precisávamos nos manter firmes e resolver a situação urgentemente.

Na verdade não resolvemos absolutamente nada sozinhos. Josely, Felipe, Frida, Ricardo, Rodrigo, Milena, Fabíola, Emerson, Leide, Mariza, Nelson, Amazônia, os familiares do Marcos em BH e uma dezena de pessoas, muitas delas desconhecidas, foram os que nos deram o primeiro auxílio, ligando para diversos locais, para diversas pessoas, tentando conseguir um avião. E o pior: Um avião que fizesse o trajeto sem escalas. Ela não poderia ser exposta a diferentes níveis de pressão, como aqueles que ocorrem nos pousos e decolagens.

Como dizer isso aos nossos pais? Como dizer para eles que Ana Luiza tinha ido dormir bem e que agora estava na UTI? Como dizer que inicialmente iríamos de TAM e que agora estávamos desesperados atrás de uma UTI aérea?

Era nossa obrigação falar a verdade. Toda ajuda agora, era importante. Ligamos para diversas empresas. Os preços variavam entre 140 mil e 94 mil reais. Em minha cabeça eu só pensava: “Por que isso está acontecendo com a gente , meu Deus? Me dá forças! Não me deixa desabar aqui! Ela precisa de mim!”

Eis que eu lembro de uma amiga, a Noemy. Na noite anterior, quando rapidamente ela apareceu no Empório Roma para me dar um abraço de despedida, ela colocou-se a disposição para nos ajudar no que fosse possível, pois o marido tinha alguns contatos no governo do Amazonas. Eu não poderia imaginar que nossas vidas se ligariam tão fortemente, como se ligaram nesse dia.

Liguei e pedi ajuda. Ela ficou de me ligar se conseguisse alguma coisa. Marcos, eu, nossas famílias, amigos, colegas e vários desconhecidos, tentavam nos ajudar. Quando ligávamos para alguma empresa que fazia transporte em UTI aérea, muitas vezes eles diziam: “É para uma criança chamada Ana Luiza, de Manaus? Já fizemos a cotação e passamos os valores para 'fulano'”.

Marcos já tinha a guarda provisória de Ana Luiza e poderia incluí-la no Plano de Saúde dele. Tínhamos esperanças de que o Plano dele cobrisse a UTI aérea. Chefes, gerentes, supervisores e diretores da empresa onde ele trabalha tentaram ajudar de todas as formas, mas infelizmente o Plano de Saúde também não cobria este custo. Mas em último caso, deixaram o valor da UTI disponível para empréstimo imediato, caso não conseguíssemos pagar o avião.

Mais tarde ficamos sabendo que alguém estava tentando (e conseguindo) um Jato UTI da Força Aérea Brasileira para fazer o transporte da Ana Luiza. Apesar de não ter sido o caso, ficamos extremamente emocionados com esse gesto de solidariedade, afinal não somos pessoas de muitos contatos em Manaus e, mesmo assim, várias pessoas desconhecidas tentaram de todas as formas nos ajudar.

Ana Luiza estava sendo remanejada do ambulatório do pronto socorro para a UTI. A equipe médica estava me explicando os procedimentos e apareceu um senhor, que identificou-se como sendo médico. Até hoje não consigo lembrar o nome dele. Ele nos cumprimentou, perguntou se eu era mãe de Ana Luiza. Aguardou a médica intensivista finalizar as explicações e pediu que ela o acompanhasse até o corredor.

Da leito da Ana Luiza, fiquei observando a conversa. Só consegui ouvir as duas primeiras perguntas dele: “Como está a criança? O que exatamente ela está apresentando no momento?” A porta se fechou e eu não consegui ouvir mais nada. Semanas depois, aqui em SP, eu descobri que tratava-se de um médico do governo do Amazonas, encarregado de avaliar a condição de Ana Luiza, para posterior aprovação do remanejamento via UTI aérea.

Durante todo o período da tarde, ficamos tentando, de alguma forma, conseguir este avião. Eu estava pronta para tirar todo o dinheiro das minhas aplicações e pagar o tal avião, mas Josely e Ricardo, médicos e amigos, conversaram com Marcos e foram enfáticos: “Não paguem o avião. Vocês precisarão de dinheiro para o tratamento, que é longo. Além disso ela precisará de assistência médica por toda a vida. Calma, que as coisas vão se resolver.”

Já caía a tarde quando recebi a ligação do marido da Noemy, dizendo: “Carol, sou eu, marido da Noemy. Ela me falou o que está acontecendo e gostaria de saber se você poderia ir comigo, conversar e explicar para algumas pessoas do governo o que está acontecendo. Talvez possamos conseguir o avião”.

Do jeito que eu estava (desarrumada, descabelada e sem tomar banho) saí da UTI, deixando Ana Luiza com a dinda Milena. Ao sair do hospital, conversei rapidamente com Ruy e Karina, grandes amigos que estava ali dando força e apoio. Ainda na porta de saída do hospital, vejo minha amiga Amazônia se aproximando com um sorriso no rosto: Ela havia conseguido as imagens da Tomografia feita há um ano atrás!! Que felicidade! Isso seria muito importante quando estivéssemos em São Paulo!

Entrei no carro do marido da Noemy. Nem lembro ao certo onde fomos, mas eu sei que já eram quase 18h e o trânsito estava terrível. Chegamos, ele me apresentou e, em 5 minutos de conversa, tudo foi resolvido. Comecei a chorar. Era o primeiro choro de alegria que eu teria desde o início desse pesadelo. Estava aliviada, porque conseguiríamos levar Ana Luiza até São Paulo. Liguei para todos que tentavam resolver a questão do avião, dando as boas notícias: Ela deveria embarcar no dia seguinte, no período da tarde.

Voltei para o hospital e a professora de Ana Luiza, a tia Amélia, estava lá, junto da tia Luciana. Com elas, uma caixa de cartinhas dos amigos de sala de Ana Luiza. Choramos juntas. Elas estava muito abaladas, sempre dizendo que Ana Luiza nunca havia reclamado de absolutamente nada dentro de sala de aula.

Também estavam lá alguns colegas de trabalho e superiores do Marcos: José Roberto, Keila (esposa do Flávio), Aldérica. Eles enfatizavam que Marcos fosse despreocupado para São Paulo e só retornasse quando as coisas estivessem resolvidas; que não se preocupasse com o emprego.

Enquanto conversávamos, Marcos me obrigou a comer alguma coisa antes de subir para a UTI. Eu já estava há quase 24h sem comer. Eu não tinha roupa para trocar após o banho (e me recusava em ir pra casa) mas a dinda Milena já tinha comprado escova de dentes, sabonete e xampu, para uma higiene básica. Foi a salvação. Ninguém estava suportando o meu fedor. Tomei banho no hospital mesmo. Coloquei a mesma roupa, mas pelo menos estava menos fedorenta.

Recebi a ligação de um casal de amigos: Simão e Rita. Eles estavam aflitos, mas precisavam saber se tudo estava bem. Me deram palavras de conforto e a todo momento repetiam: “Sua filha vai ser curada. Não duvide nunca.”

Fiquei na UTI com Ana Luiza durante toda a noite. A médica e a enfermeira que estavam cuidando de Ana Luiza conversaram muito comigo. Recebi abraços e orações destas duas pessoas, que me fizeram muito bem. Elas insistiram para que eu dormisse, afinal Ana Luiza precisaria de mim em pé e saudável. Era difícil, mais deitei ao lado dela, em uma poltrona.

Quando Ana Luiza caiu no sono, eu me ajoelhei aos pés do leito dela e implorei a Deus, como nunca havia implorado em minha vida. Chorando muito eu agradeci pelo avião, pela solidariedade das pessoas e principalmente pela vida da minha filha. Pedi forças. Pedi fé. Por fim, pedi a cura de Ana Luiza. Soluçando, implorei para que Ele tivesse misericórdia dos nossos pais e desse força para nossos irmãos, todos eles muito ligados a Ana Luiza.

Passei a noite em uma poltrona ao lado de Ana Luiza e a cada apito dos aparelhos de monitorização eu acordava sobressaltada. A noite foi longa e cansativa. Mas eu tinha mais a agradecer do que a pedir.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Olhando para trás: 21 de Setembro de 2010

É lógico que Ana Luiza acordou lembrando da promessa: O pernalonga de pelúcia, se ela se comportasse bem durante as consultas e exames.

Ela estava ótima. Bem humorada, carinhosa e, obviamente, ansiosa pra ganhar o amigo Pernalonga. O olho esquerdo estava cada vez pior. Mas eu estava muito otimista para ficar pensando nisso. Passei a noite entre cochilos sobressaltados e orações. Acordava no meio da madrugada, olhava pra ela e colocava minha mão sobre sua cabecinha. Algumas vezes beijava de mansinho, como quem beija um dodói, para passar a dor. Quem é pai/mãe sabe do que estou falando. Quem é filho, também sabe.

Saímos de casa por volta das 9h30min, passamos no posto de gasolina para abastecer e calibrar os pneus e fomos para o Studio 5, comprar o tal Pernalonga.

Ele era um dos brinquedos em promoção dentro de uma caixa de bichinhos de pelúcia. Eu estava torcendo pro tal Pernalonga ainda estar por lá. Deus me livre ficar devendo Ana Luiza... Chegando a loja, a atendente lembrou dela na hora: “Você voltou!!! Vai levar o Pernalonga?!”

No dia anterior, a Ana Luiza estava dentro da loja e enquanto eu atendia o celular, ela conversava com a atendente. Do lado de fora da loja, eu via a conversa e pensava: “Ê menina, que fala! Tem um papo de derrubar avião!” Eu não sabia, mas ela tinha pedido para a moça esconder o Pernalonga no fundo da caixa, “pra nenhuma criança querer ficar com ele, né tia?”

Paguei o Pernalonga e ela, feliz da vida, saiu com ele nos braços. Estava realizada.

Ficamos passeando com ela no Shopping, fazendo hora. A consulta com o neurocirurgião era às 13h, então ainda tinha muito tempo. Era um teste de paciência. Eu estava me corroendo de tanta ansiedade. Mas não tinha nada que eu pudesse fazer, só nos restava esperar.

Quem observasse Ana Luiza, não imaginaria que ela estava com uma doença tão grave. Estava rindo, feliz, cantando... Do jeitinho de sempre. Aquilo me dava certeza de que as imagens trariam notícias mais amenas.

Decidimos almoçar picanha, um dos pratos preferidos de Ana Carnívora Luiza. Durante o almoço, Marcos pegou o celular e filmou o olho esquerdo de Ana Luiza. Era desesperador constatar que o olho só piorava.

Chegamos ao consultório do neurologista exatamente às 12h. Já tinha um paciente esperando. Seríamos os segundos do dia. Perguntei para secretária do médico, se os exames de ressonância já haviam chegado. Ela disse que não.

Liguei pro anjo da guarda de Ana Luiza, que na Terra se chama Josely. Ela disse que ia verificar na Magscan e que eu não me preocupasse, que antes da consulta, os exames estariam conosco. Ela estava no Posto de Saúde e atravessaria a cidade para ir buscar os exames. Eu disse que não precisava, mas ela insistiu. Eu sabia que ela tinha compromissos. Ela sempre teve a agenda superlotada de compromissos. Aquilo gelou minha barriga: “Como assim, ela vem aqui? Vai atravessar a cidade, em horário de trânsito, para trazer um exame. Será que ela já sabe alguma coisa? Ô meu Deus, que não seja nada grave...”

Ana Luiza estava com fome novamente. Parecia uma frieira, como dizia minha sogra. Estava comendo tudo. Fomos até a lanchonete e ela escolheu um toddynho com biscoito de castanha. Enquanto comia, ficamos aguardando. O consultório já estava lotado.

O médico chegou, pontualmente, às 13h (coisa rara, diga-se de passagem). Entretanto, Ana Luiza seria a segunda a ser atendida.

Liguei novamente para a Josely e ela disse que já estava chegando no Hospital. Em poucos minutos ela apareceu. E claro, o rosto da Ana Luiza se iluminou ainda mais. Era impressionante o carinho gratuito que as duas tinham uma pela outra. Coisas inexplicáveis. A vida é cheia disso, a gente que não nota.

Enquanto aguardávamos, Ana Luiza vomitou, simplesmente TUDO que havia comido. Corremos para o banheiro feminino. Josely me ajudou, conseguimos limpá-la com lencinhos umedecidos emprestados pela tia Jo. Quando terminamos de limpá-la, Ana Luiza pediu mais um lencinho emprestado, para limpar a orelha do Pernalonga. Essa era a preocupação dela... o brinquedo novinho não podia “ficar fedido de vômito”, né?

Chegou a vez da Ana Luiza. Respirei fundo e entramos na sala do médico. A sala era ampla, bem decorada. Josely tinha sido amiga de faculdade do neurologista. Conversaram algumas amenidades enquanto entrávamos na sala. Eu acho que fiquei sem respirar durante todo o tempo em que estávamos dentro da sala dele. Ana Luiza e eu sentamos nas poltronas em frente ao médico. Josely sentou em uma cadeira logo atrás da gente. Marcos ficou de pé, próximo a porta.

Meu coração disparou quando ele abriu o envelope dos exames. Sentia o coração batendo na garganta. Olhei para trás e vi a cara dos dois: Marcos e Josely super apreensivos. Acho que conseguia ouvir o coração dos dois. Estava todo mundo muito apreensivo, com exceção de Ana Luiza, que estava preocupada com o Pernalonga sujo de vômito... só queria saber de limpar a orelha do bicho.

Ele abriu os exames e pegou somente as imagens. O Laudo ficou fechado em cima da mesa. Ele olhou, calado e concentrado. Pediu pra Ana Luiza subir na maca e começou a avaliá-la. Testou reflexos, audição, visão...

A pequena dava risadas. Simpática e educada, ajudou na avaliação perfeitamente. Eu já segurava as lágrimas no cantos dos olhos. Eu sabia que ouviria algo extremamente desagradável, meu coração de mãe tinha certeza.

Ele voltou para a mesa e abriu o Laudo: “Vamos ver se a Conceição deu alguma hipótese diagnóstica...” Ele colocou o Laudo em cima da mesa e, de cabeça para baixo, consegui ler apenas as quatro primeiras palavras da descrição: EXTENSA LESÃO EXPANSIVA INFILTRATIVA... Fechei os olhos, segurei o choro e comecei a ouvir ele sentenciar: “Ela tem uma lesão na base do crânio e para qualquer intervenção cirúrgica, ela precisa de uma assistência multidisciplinar: neurocirurgião, cirurgião de cabeça e pescoço e um bom otorrinolaringologista. Em Manaus temos excelentes médicos, entretanto não temos infra-estrutura hospitalar. Vocês tem como ir para São Paulo hoje?”

O médico não olhava pra mim. Ele falava olhando pra Josely. Olhei pra trás e vi a Josely chorando. As minhas lágrimas já estavam caindo também. Receber uma notícia dessas não é fácil, mas dar uma notícia dessas também deve ser desesperador, imagino eu.

Ana Luiza notou que eu estava chorando e disse: “Ah mãe, já está chorando? Credo, como você é chorona!!” A Josely enxuga as lágrimas dela e diz: “Pois é Ana, gente grande tem dessas coisas, chora à toa”. Limpando as lágrimas continuei ouvindo o que ele dizia.

Ele disse que somente com uma biópsia poderíamos ter um diagnóstico definitivo, mas pelas características da lesão (localização, idade de Ana Luiza, sintomas iniciais) duas hipóteses deveriam ser levadas em consideração: Um linfoma (câncer maligno MENOS agressivo) ou um rabdomiossarcoma (câncer maligno MUITO agressivo). Como Ana Luiza estava bem, ele recomendou que fôssemos para São Paulo o quanto antes, para consulta com um neurocirurgião da USP, que havia sido seu professor.

Aquilo foi um soco no estômago. Não conseguia falar. Pra ser sincera eu não lembro se falei alguma coisa, não consigo sequer lembrar direito como eu desci as escadas até o estacionamento. Mas uma coisa eu lembro: o desespero.

Entramos no carro e eu precisava pensar no que fazer primeiro. A vontade era simplesmente, sentar e chorar. Na verdade a vontade que eu tinha era de gritar. Mas gritar não ia adiantar nada e eu não podia me dar esse luxo, afinal minha filha estava no carro comigo.

Minhas mãos tremiam. Eu não consegui enxergar nada no celular. Me acalmei e peguei o encaminhamento, com o telefone do médico. Respirei fundo e liguei para agendar a consulta: seria às 12h do dia 23/09/2010, quinta-feira.

Não sabia para quem eu ligava primeiro. Eu queria ligar para nossos pais, mas eu não podia fazer isso nervosa do jeito que eu estava. Eu PRECISAVA me acalmar. Resolvi ligar para o padrinho da Ana Luiza, que estava fazendo ponte aérea Manaus/São Paulo, pra pedir ajuda. Precisava que alguém nos buscasse no aeroporto, precisava de um lugar pra ficar. Na verdade eu precisava mesmo era chorar. O Rodrigo atendeu o celular e imediatamente desabei. Chorei, tentei explicar o que estava acontecendo e ele tentou me acalmar. Nem lembro direito o que conversávamos, mas lembro que na hora em que eu desliguei o telefone, ainda dentro do carro, Ana Luiza perguntou, sentadinha na sua cadeirinha: “Mãe, eu tenho câncer?”

Olhei para o Marcos, que apenas devolveu o olhar que dizia nitidamente: não minta, mas seja objetiva. Imediatamente perguntei de volta: “Você sabe o que é câncer, meu amor?” Ela disse que não sabia e eu respondi dizendo que era um dodói perigoso e muito chato, que precisava de um remédio que não tinha em Manaus, mas que a gente ia viajar para fazer o tratamento e ela ia ficar bem.

Aquilo bastou para ela. Marcos dirigiu até em casa. Eu não conseguia falar nada. Mas não parava de pensar e minha maior preocupação naquele momento, além do problema da Ana Luiza, eram os nossos pais. Como dar uma notícia dessas pra eles?

Chegamos em casa e imediatamente fui para a casa de Felipe e Frida. Desabei na frente deles. Chorei copiosamente. Eles eram meus únicos parentes, ou pelo menos aqueles que cumpriam esse papel em Manaus. Fui confortada e em alguns minutos, enxuguei as lágrimas e entrei em casa.

Pedi que eles ficassem com Ana Luiza enquanto Marcos e eu resolvíamos as coisas: comprar as passagens, ligar para nossos pais, reservar hotel, arrumar as malas, ligar para as empresas, etc... E ela ficou na casa dos tios numa boa. Sempre gostou de ficar por lá. E jogou dominó, comeu bolo com refrigerante, jogou conversa fora com Lucas e Frederico, irmãos do tio torto preferido.

Eu não sabia como comunicar meus pais. Respirei fundo e resolvi ligar para meu irmão, o Tio Alex, e falar primeiramente com ele. Comecei a explicar o que estava acontecendo e não conseguia ouvir a voz dele do outro lado. Ele estava monossilábico. Aquilo me desesperou. Mas infelizmente eu não tinha o que fazer. Ele precisava me ajudar.

Enquanto eu falava com meu irmão, Marcos falava com o pai dele, o vovô Cálmon, que estava na padaria e atendeu o celular. Ao dar a notícia e pedir ajuda em relação a reserva do hotel em São Paulo, o Marcos parecia aqueles pais que vão retirar esparadrapo do braço de criança. Seguram a pontinha e puxam de uma vez. Foi assim que ele deu a notícia: De uma vez.

Eu não sei exatamente o que passou na cabeça do vovô Calmon, não sei nem se ele assimilou o que foi dito, mas ao chegar em casa, ligou para o Marcos pelo MSN com câmera e conversou novamente. Imediatamente ele entrou em contato com o Tio Cláudio, seu irmão, que possui um apartamento de temporada em São Paulo, para tentar viabilizar nossa estada. Missão dada ao Vovô Calmon, é missão cumprida. Já tínhamos onde ficar, pelo menos em princípio.

Meus pais me ligaram, respirei fundo. Eu já estava mais calma, já tinha parado de chorar e estava me concentrando em agilizar tudo e arrumar as coisas. Ao ouvir meu pai, o famoso vovô JC, com a voz angustiada ao telefone, tive que me conter e explicar a situação horrível de forma que parecesse uma bobagem. Isso sim era uma missão impossível. Mentir para um policial de carreira, com anos de experiência em pegar mentirosos no flagra, era realmente impossível. No telefone, eu tentava minimizar omitindo a palavra “câncer” e ele tentava se fazer de forte.

Pedi que ele tranquilizasse a vovó Aldenora e tentava convencê-lo a não vir para Manaus. A vontade dele era pegar o primeiro avião ou vir de carro mesmo. Eu disse que não valeria a pena, pois viajaríamos no dia seguinte. Que o ideal seria ele ir direto para SP. Ele resistia. Mas cedeu quando demos algumas missões para ele também, como aumentar o limite dos meus cartões de crédito com o banco (minha conta é de Boa Vista-RR) pois poderíamos precisar deles. Ele iria direto para SP na sexta ou sábado, caso conseguisse comprar as passagens de última hora.

Marcos verificou que teríamos passagens para aquela noite mesmo para SP, mas como a consulta era somente na quinta-feira pela manhã, decidimos ir no voo da quarta a noite. Assim, poderíamos usar a quarta-feira para resolvermos nossas licenças nas empresas, arrumar malas, dar férias para a Dona Francisca, ou seja, colocar nossa vida em manaus em “pause” por pelo menos 20 dias.

Ainda na terça-feira a tarde, recebemos as visitas de alguns amigos. O Emerson, a Melissa, a Denise, a Tia Lu, o Erick e a melhor amiga de Ana Luiza, a Darah. Todos se colocaram a disposição para ajudar no que fosse preciso. Mal sabiam que no dia seguinte TUDO mudaria e que eu realmente precisaria da ajuda de cada um deles.

Ana Luiza estava animada e resolvemos sair com ela para nos despedirmos dos amigos de Manaus. Fomos até o Empório Roma e vários amigos apareceram por lá, amigos da época da faculdade, vizinhos, amigos do trabalho. Todos desejando muito sucesso no tratamento, dando energias positivas e principalmente pedindo que fôssemos forte e colocássemos Ana Luiza nas mãos de Deus.

Uma pessoa apareceu por lá bem rapidinho. Deu um abraço forte e se colocou a disposição, como todos os outros. Não éramos amigas de infância, nem de faculdade, tampouco trabalhávamos diretamente juntas.

Tínhamos uma boa afinidade, uma amizade muito bacana e uma empatia gratuita desde o dia em que nos conhecemos. Todavia, nós duas não fazíamos ideia que no dia seguinte, sua ajuda seria essencial para Ana Luiza. Ela ainda não sabia, mas no dia seguinte ela entraria para nossa vida de forma definitiva e durante toda a minha existência, seria grata a ela e sua família.

Ana Luiza comeu seu misto quente com guaraná baré, brincou bastante na área de crianças e fomos para casa.

Ela dormiu entre nós dois. E nessa dia foi impossível dormir. Nossas cabeças estavam a mil. Ficamos deitados com ela por muito tempo. Orei, implorei a Deus que nos desse forças para suportar aquela situação surreal. Marcos conseguiu dormir e eu continuava acordada.

Peguei os exames novamente, reli cuidadosamente. O exame havia sido muito bem feito, bem detalhado. Há anos não estudava neuroanatomia. Peguei os atlas de anatomia e procurei identificar EXATAMENTE onde aquela doença maligna estava localizada. Era desesperador:

“Extensa lesão expansiva infiltrativa, com intensa impregnação após contraste venoso, comprometendo a ponta do rochedo esquerdo com envolvimento do seio carvenoso, cavum de Meckel, foramens oval, espinhoso e lácero, canal carotídeo, forame jugular, encarcerando a carótida interna, com crescimento para o espaço parafaríngeo, obliterando os planos adiposos e rechaçando os músculos pterigoideos medial e lateral, abaulando a parede póstero-lateral do nasofaringe, com obliteração da fosseta de Rosemuller. Comprometimento de parte do esfenóide e clivus a esquerda, com pequeno componente insinua-se também superolateralmente para a cavidade epitimpânica, com envolvimento do conduto auditivo externo correspondente. Não há sinais de fluxo na veia jugular interna no segmento visualizado. Alteração da densidade do trabeculado ósseo na porção anterior da mastóide esquerda, com área focal de rotura cortical lateral, por provável envolvimento tumoral. Acúmulo de secreção nas células da mastóide esquerda. Dentre as possibilidades diagnósticas considerar doença linfoproliferativa e rabdomiossarcoma.”

Fechei os livros, desliguei o computador e fui implorar a Deus, por misericórdia. Eu poderia fazer outra coisa?

A noite foi longa, as lágrimas foram muitas. Muito mais ainda estava por vir. Isso era apenas o começo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Olhando para trás: 20 de Setembro de 2010

Acordei cedo na segunda-feira. Se é que posso dizer que dormi alguma coisa. Eu nem imaginaria que esta segunda-feira seria uma das mais longas da minha vida.

Precisava conseguir uma consulta com algum oftalmologista. O “médico do shopping” seria descartado se conseguisse consulta com um bom médico. Não que o coitado não fosse bom, mas queria alguém com menos conhecimentos em lentes de contato coloridas e em forma de olho de vampiro, se é que vocês me entendem.

Ana Luiza acordou bem, mas o olho esquerdo continuava ruim. Achei que tinha piorado, mas fora isso ela parecia estar bem. Nada de vômitos, nada de dor. Na noite anterior pedi que Dona Francisca chegasse cedo, pois ela precisaria ficar com Ana Luiza enquanto eu tentava agendar consultas. Além disso eu tinha que ir até uma das empresas definir, rapidamente, os últimos detalhes do treinamento que eu ministraria na quarta-feira.

Saímos de casa cedo. Deixei Marcos no trabalho e disse que ligaria pra ir dando notícias. Ele, ansioso que é, não parava de me ligar. Perdi as contas de quantas vezes ele me ligava pra saber se estava conseguindo resolver as coisas. Angustiado, define.

Ao chegar no trabalho, minha cabeça não estava funcionando direito. Tentava me concentrar, mas minha mente estava longe. Agora eu estava experimentando a sensação de ter um filho doente em casa e mesmo assim, ter que ir trabalhar.

Eu tinha um atestado médico de 3 dias de acompanhamento, concedidos pela médica que atendeu Ana Luiza no dia anterior, mas eu tinha um compromisso com a empresa. Não poderia deixá-los na mão, principalmente no momento do lançamento de um Programa de Saúde Ocupacional, tão aguardado. Eu precisava resolver coisas importantes na empresa e elas poderiam ser feitas rapidamente. Em duas horas, no máximo, conseguiria fazer o necessário e sairia mais cedo, para ficar com Ana Luiza e levá-la ao médico.

O fato é que eu nem desconfiava que a definição de prioridade que eu conhecia, seria totalmente reconfigurada e mudaria minha perspectiva de vida para sempre.

Fazer mais de duas tarefas ao mesmo tempo é um atributo das mulheres. Neste aspecto sou praticamente um homem. A mulher da relação é meu marido: multitarefa nato. Mas nesse dia, divida entre a preocupação com minha filha única e a responsabilidade profissional, tive que aprender a fazer três coisas ao mesmo tempo: Revisar slides do treinamento e enviar e-mails, enquanto ligava para diversos consultórios médicos.

A saga em busca de um médico estava apenas começando. O pior eu ainda não sabia: a especialidade que Ana Luiza precisava nem era essa.

Liguei para diversos oftalmologistas, o tal médico membro do Centro Brasileiro de Estrabismo só poderia atender Ana Luiza no dia 07/10. Deixei agendando mesmo assim. Alguns dias depois, já em São Paulo, a recepcionista do médico me ligaria para confirmar a consulta.

Liguei para uma grande amiga de trabalho, a Arleide, que conseguiu agendar uma consulta às 13h. “Um pouco depois do horário da consulta agendada com o 'médico do shopping'”, pensei. Nestas horas de desespero, vale mais ter amigos que dinheiro, foi o que imediatamente constatei. Isso seria comprovado diversas vezes ao longo dos dias posteriores. Se não fossem os amigos que fizemos em Manaus ao longo do anos, ainda estaríamos aguardando consulta com o neurologista.

Saí da empresa por volta das 9h30min e enquanto dirigia, não tirava o telefone da orelha, na tentativa de conseguir uma consulta com algum oftalmologista ainda pela parte da manhã. Se Ana Luiza estivesse no carro, imediatamente já teria me repreendido. Podia visualizar perfeitamente a carinha dela me dando bronca: “Mamãe, você é difícil mesmo, hein? A senhora sabe que não é permitido falar no celular e dirigir ao mesmo tempo... Que coisa mais feia!! Credo!”

Ana Luiza estava aprendendo a ser “caxias” com Marcos, o chato de galochas. Cumprir as regras, respeitar as leis, ser educada. Isso é mérito do Marcos, tenho que admitir. Ele dizia que era infinitamente menos rigoroso que o Vovô Calmon, mas que ela tinha que aprender a cumprir as regras e obedecer. Eu concordava plenamente, e sempre agi como a mãe chata e disciplinadora, mas aquela carinha quase sempre conseguia me dobrar e eu acabava cedendo a alguns caprichos. Ela merecia, era muito boazinha e sempre me ajudava muito.

Bom, consegui agendar outras consultas, mas todas para 2 ou 3 dias. Eu não poderia esperar tanto. O que eu queria era alguém que a atendesse o mais rápido possível. Lembrei de uma amiga, a Alessandra, a tia Alê, que trabalhava em um consultório de oftalmologia. Mas o médico não poderia atendê-la de manhã.

Liguei para outra grande amiga, a Josely, avisando que não iria trabalhar a tarde em virtude do quadro apresentado pela Ana Luiza e que levaria Ana Luiza no oftalmologista. Ela, que é médica, de cara me disse: “Carol, isso não parece ser oftalmológico. Mas vá lá e qualquer coisa me telefone”.

A Josely, de amiga, foi promovida a anjo da guarda de Ana Luiza. Ela também não sabia, mas nesse mesmo dia, ainda ia ajudar muito. Ajudar é pouco, ela seria fundamental, essencial.

Engraçado como certas pessoas surgem em nossas vidas ”do nada” e se tornam tão amadas e queridas. A tia Josely, é uma delas. E não estou falando da MINHA amizade com a Josely. Eu a conheci em virtude de trabalho e nos demos bem logo de cara. Mas Ana Luiza, desde o dia em que viu a Josely pela primeira vez, parecia ter reconhecido uma amiga de longa data. Se existe amor à primeira vista, deve existir amizade a primeira vista. É o caso das duas.

Estávamos, Josely e eu, em um curso e, pelo fato de não ter com quem deixar Ana Luiza, levei-a a tira colo. Foi bater o olho na Tia Josely e a amizade aconteceu. E sempre que as duas se encontravam, ela ia correndo dar um abraço forte na tia Jô.

Bem, cheguei em casa e Ana Luiza estava no sofá assistindo Cartoon. Lógico que já tinha esquecido a prova de matemática e estava achando ótimo ficar em casa. Estava super bem. Só o olho esquerdo que continuava ruim. Arrumei a pequena e fomos para o Studio 5. A consulta estava agendada para as 11h30min. Cheguei meia hora antes e fiquei aguardando. Fui dar um voltinha com Ana Luiza pelo Shopping, e a danada, usando todo o seu charme e sedução, queria me convencer a comprar um pernalonga de pelúcia.

Disse que a gente não estava ali pra comprar nada, que o objetivo era a consulta e que mamãe precisava descobrir o que ela tinha. Mas prometi que compraria a pelúcia, se ela se comportasse direitinho no consultório do médico.

Pouco antes das 11h30min a recepcionista do consultório me liga e diz que a médica havia ligado, informando que não poderia comparecer ao consultório. Ou seja: a consulta de Ana Luiza seria remarcada para o dia posterior.

Fiquei chateada, claro. Mas pelo menos ainda me restava o médico que a Arleide tinha conseguido. Fomos para o hospital e chegando lá aguardamos MUITO até a chegada do médico. Ficamos conversando, rindo da propaganda eleitoral, tirei algumas fotos dela. O olho estava visivelmente pior. Mas quem olhava, custava a acreditar que ela tivesse algum problema de saúde. Estava sem dor alguma, correndo e pulando ao meu redor, pedindo a todo instante, para irmos embora. Ela estava achando um verdadeiro saco, ficar ali esperando.


Após quase 3h de espera, Ana Luiza foi atendida. O médico olhou, examinou e por fim sentenciou: “Ela não tem absolutamente nada nos olhos. O problema é de caráter neurológico”. Enquanto ele sentava para redigir um laudo médico de duas páginas, solicitando a avaliação urgente de um neurologista, eu tentava juntar meus cacos. Estava tão nervosa, que não conseguia pensar direito. Meu coração disparou. Não sabia o que fazer, ou pelo menos o que fazer primeiro.

Neste instante, lembrei da conversa que Marcos e eu tivemos, algumas semanas antes. Comentávamos sobre a boa saúde de nossa pequena. Enquanto alguns amigos, que sofriam com os filhos que facilmente adoeciam, gripavam ou se resfriavam, nós tínhamos uma pequena fortaleza, que nem nariz escorrendo tinha há bons 2 anos.

Liguei para diversos consultórios de neurologistas e a vaga mais próxima que consegui foi no mês de novembro. Desesperei. Enquanto ia buscar Marcos no trabalho para me ajudar e dirigir (eu estava totalmente sem condições para isso), segurando o choro, liguei para a Josely, que imediatamente conseguiu falar com um neurologista. Ele não poderia atender Ana Luiza naquele mesmo dia, mas pediu que ela se submetesse a um exame complementar (ressonância magnética de crânio) e que de posse do resultado eu fosse para a consulta no dia seguinte.

Alguns amigos ligavam tentando ajudar. Denise, Frida, Alessandra... todos muito preocupados e apreensivos. Fomos até o consultório do médico, buscar o encaminhamento para que ela pudesse fazer o exame de imagem. Quando bati o olho na requisição da ressonância, no local onde deveria ser preenchida a hipótese diagnóstica, o médico escreveu com letra bem legível: Neoplasia Cerebral, que sem eufemismos quer dizer: Câncer no Cérebro.

Controlando o desespero, mas sem controlar as lágrimas que caíam e as mãos que tremiam, me dirigi até o setor de diagnóstico por imagem do Hospital. Começou outro problema: A atendente do setor de imagem, informou que o exame deveria ser agendado com antecedência e só ficaria pronto no prazo de 2 a 3 dias. Respirei fundo, engoli o choro e mais uma vez implorei a ajuda de amigos.

Liguei para Josely, Emerson, Ricardo... todos me ajudaram a conseguir uma vaga na Magscan localizada no Millenium. Mas não foi apenas isso. A própria Dra. Conceição iria acompanhar a realização do exame.

Enquanto aguardávamos chamarem o nome de Ana Luiza para a preparação do exame, falei com uma das professoras dela, a Tia Lu, que preocupada, ligou pra saber como ela estava, afinal durante os 2 últimos anos, a pequena nunca tinha faltado a escola.

A Luciana, não é apenas a “Tia Lu”. É uma grande amiga e quase uma mãe postiça da Ana Luiza. Ela ficava com a pequena todas as tardes, ajudava nas tarefas da escola, reforçava os estudos na época das provas e tinha um verdadeiro carinho e cuidado de filha com nossa pequena. Estava tão aflita quanto eu.

Conversei também com a Jaqueline, até então, apenas minha chefe numa das empresas, mas que naquela ligação demonstrou um amor fraterno que pensei que não existia mais entre seres humanos. Ela ligou pra dizer que o treinamento havia sido cancelado e para saber sobre Ana Luiza. Eu disse o que eu sabia: Que ela estava com uma parestesia no músculo responsável pelo movimento do olho esquerdo e que estávamos aguardando para fazer a ressonância solicitada pelo Neurologista. Ela apenas falou: “Vá cuidar da sua filha. Vá embora de Manaus. Fique com ela. Esqueça todo o resto”.

Chamaram Ana Luiza para vestir a roupa especial e preparar para a realização do exame. Meu coração disparou. Ao mesmo tempo em que eu implorava para que estivesse tudo bem, algo me dizia para me preparar para ouvir notícias não tão boas. Era o tal debate mental: Meu lado neurótico e pessimista, contra meu lado tranquilo e otimista.

Entramos na sala. Olhei bem nos olhinhos dela e prometi que se ela se comportasse direito no exame, a gente iria comprar aquele pernalonga de pelúcia que ela tinha pedido de manhã. Chantagem básica. Ridícula, mas necessária. Ela olha pra mim com aquela cara esperta de sempre e diz: “Olha lá, hein, mãe!?!? Se prometeu, tem que cumprir!” Quem conhece a figurinha, consegue imaginar ela falando isso. É esperta demais.

Entramos na sala, Ana Luiza deitou na maca. Eu não sei dizer quem estava mais nervosa. Mas sei que ela cumpriu a parte dela: ficou quietinha o tempo todo. Eu, obviamente, estava me tremendo dos pés a cabeça. Era a mistura do nervosismo com o frio medonho que estava fazendo na sala.

O exame demorou uns 40 minutos ou mais. Eu, em pé ao lado da maca e morrendo de frio e Ana Luiza dentro do tubo, um cobertor pesado a cobrindo, um abafador nos ouvidos e um troço estranho mantendo a cabeça dela firme na mesma posição. De onde eu estava, conseguia ver nitidamente a janela de vidro da sala de comando, onde o técnico de radiologia e os médicos observavam as imagens feitas da cabeça.

E era um entra e sai de médicos; e era médico atendendo telefone, atendendo celular. E entra mais médico na sala... e aquele entra e sai já estava me enlouquecendo. Só conseguia pensar no pior. Entra a enfermeira para administrar o contraste intravenoso. Ana Luiza chora, mas rapidamente cede e deixa a enfermeira fazer o trabalho dela.

Saímos da sala de Ressonância Magnética e vi a Dra. Conceição conversando com Marcos. Vejo mais um médico, vejo outro médico... Engoli seco o desespero e já fui fuzilando a médica: “Pode me falar, dra. O que ela tem?!? Apareceu alguma coisa?” Ela tinha acabado de informar o Marcos: “Apareceu uma coisinha perto do ouvido esquerdo sim...”

Ela me pergunta algumas coisas, como “ela tem tido sangramento pelo ouvido?” e diz que as imagens ainda precisam ser bem avaliadas, mas que os resultados ficariam prontos pela manhã. Ela pediu que a gente aproveitasse e fizesse a tomografia computadorizada, mesmo sem requisição, pois ajudaria na avaliação.

Daí chega o Ricardo, amigo médico, chefe em uma das empresas onde trabalho. Nessa hora tive a certeza de que algo realmente ruim tinha aparecido. Pelo menos 3 médicos estavam acompanhando a realização do exame e eles tinham achado “uma coisinha perto do ouvido”?

Estávamos saindo do Millenium e ao chegar no caixa para pagar o estacionamento, chorando eu imploro que o Ricardo me fale o que ela tem: “Pode falar Ricardo! O que minha filha tem!?!? Me fala! Por favor, me fala!”. Com aquela cara de enterro ele apenas me abraça e diz: “Eu não posso dizer nada, o Laudo ainda está sendo feito, não tem nada conclusivo, minha amiga. Vamos esperar o Neurocirurgião avaliar as imagens”.

Limpei as lágrimas, levantei a cabeça e fomos para casa. Era difícil acreditar e aceitar que estávamos falando de um problema de saúde na nossa pequena fortaleza. Esse tema não era comum pra mim. Mas eu ainda nutria esperanças de que fosse “uma coisinha” mesmo.

Nesse dia ela dormiu na nossa cama, entre nós dois. Dormiu rápido. Nós dois, pelo contrário, ficamos olhando um pra cara do outro. Incrédulos, mas esperançosos. Eu ficava imaginando como conseguiríamos contar tudo isso aos nossos pais. O desespero dos avós, dos tios...

Enquanto eu tentava (e não conseguia) dormir ficava torcendo muito para que no dia seguinte, ao avaliar as imagens, o neurocirurgião nos desse notícias que amenizasse nosso desespero.

E eu pedi, como há anos eu não pedia. Pedi FORÇA. Na verdade eu não pedi, eu implorei a Deus.

E Ele me atendeu, que dizer, já estava me atendendo, sem eu pedir, pois Ele sabe do que realmente somos capazes de suportar.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Olhando para trás: 19 de Setembro de 2010

No domingo, Ana Luiza acordou tarde, mas novamente vomitando. Teve mais dois episódios de vômito. Nada de febre, nada de dor.

Os olhos continuavam “estranhos”. E ela continuava afirmando que estava enxergando “de dois”. Fiquei preocupada demais. Não sei explicar, mas meu coração gelou naquele momento.

Fomos para o Pronto-socorro mais uma vez. A médica do plantão examinou novamente. Pediu exames de sangue e exatamente como o médico anterior, disse que ela não tinha nada. Enquanto esperávamos os resultados do hemograma, Ana Luiza adormeceu na maca do hospital, pelo efeito do remédio para vômito e náusea.

Fiquei olhando pra ela o tempo todo. Tentando imaginar o que poderia ser o problema. Toda mãe se acha super-heroína, acha que sabe mais que todo mundo. Eu não era diferente. Eu PRECISAVA descobrir o que ela tinha...

Assim que Ana Luiza abriu os olhos, acordando do cochilo, notei que seu olho esquerdo não estava se mexendo de forma normal. Tomei um susto e coloquei ela sentada na maca. “Olha pra mamãe, filha. Fica com a cabeça reta e olha pra frente. Tá vendo o meu dedo?” Perguntei. Movimentei o dedo lateralmente, percebi que o olho esquerdo não acompanhava normalmente.

Saí correndo pra chamar a médica. E ela pediu que levasse Ana Luiza até o consultório. Chegando lá, reforcei a questão da visão dupla e disse que percebi uma movimentação diferente. Aquilo não poderia ser normal. Insisti.

A médica disse que poderia ser o início de um estrabismo (doce ilusão!) e me concedeu atestado de 3 dias, dizendo que eu deveria levá-la ao oftalmologista. E que em 3 dias conseguiria alguma vaga para consulta. Meu coração estava apertado. Não sei explicar, mas era uma sensação de medo, de impotência.

Ana Luiza não queria faltar a escola. Disse que não poderia perder a prova de matemática “de jeito nenhum”. Expliquei, argumentei e ela entendeu. A médica me deu alguns dias para conseguir uma consulta. O problema era eu conseguir me acalmar até a segunda-feira, para agendar consulta com um oftalmologista.

Voltamos para casa, Ana Luiza estava sonolenta. Deitou no sofá com Marcos e lá ficou. Acordei a pequenina, almoçamos comida chinesa e ela voltou pro sofá. Dormiu a tarde inteira. Aquela sonolência estava me deixando ainda mais nervosa.

Enquanto ela dormia, fui “googlar”. Procurei algo sobre estrabismo, já que a médica tinha falado sobre isso. No fundo eu sabia que não tinha nada a ver com estrabismo. Não sou médica, mas meu coração neurótico e desesperado me dizia: “Que estrabismo que nada!! Isso é alguma coisa neurológica. Isso é algo mais sério”. Aí meu lado otimista e medroso, na mesma hora rebatia: “Não se apavore. A médica estudou muito. Ela viu que não tinha nada para se preocupar.”

Esse debate mental durou a tarde toda. Minha cabeça estava doendo e o coração apertado o tempo todo. Mas a “pesquisa” me serviu para descobrir que existe um Centro Brasileiro de Estrabismo e que existe somente um oftalmologista credenciado em Manaus. Anotei o telefone do consultório para (tentar) agendar uma consulta no dia seguinte.

Não havia nada que eu pudesse fazer no momento. Em pleno domingo a tarde, tudo que poderia ter sido feito, foi feito. Só nos restava esperar até a segunda-feira. Os debates mentais não saíam da minha cabeça e nessas horas a gente só consegue pensar absurdos.

Enquanto Ana Luiza assistia televisão, fui lá fora conversar com os pais do Bernardo. Eles perguntaram se Ana Luiza havia melhorado, eu disse que ela estava bem, mas que a médica tinha suspeitado de um início de estrabismo. Comentei que estava preocupada, pois tinha quase certeza que não conseguiria agendar consulta com oftalmologista na segunda-feira. Eles falaram que tinham acabado de voltar do Studio 5 e que viram um consultório oftalmológico lá. E em último caso, talvez eu conseguisse levá-la para consulta por lá mesmo.

O que eu fiz? Coloquei Ana Luiza no carro, em pleno domingo a noite e fui pro Studio 5. Realmente tinha um consultório de oftalmologia lá. A atendente disse que eles só tinham médicos de segunda a sábado. E agendou uma consulta pra Ana Luiza na segunda-feira.

Fiquei com vergonha por sair de casa igual uma louca e agendar consulta com médico de Shopping. Mas se na segunda-feira eu não conseguisse nada, pelo menos já teria uma “consulta”, agendada.

Saí tão desorientada do tal consultório que esqueci o celular em cima do balcão. Ao chegar em casa, noto que tinha esquecido o celular e volto ao shopping, obviamente me xingando pela burrice e falta de concentração.

A recepcionista havia guardado o celular. Menos mal. Já estava pensando nos gastos que teria para comprar outro celular... e no pior: ter que aguentar a chatice do Marcos e tendo que concordar com ele quanto a minha falta de atenção.

Voltei pra casa e algum tempo depois já estávamos indo pra cama. E demorei a dormir. Sono frágil, leve. Estava meio sobressaltada. Preocupada. Sentimento que há muito tempo não sentia.
Eu nem imaginava que a sensação só pioraria...

Olhando para trás: 18 de Setembro de 2010

Em pleno sábado, tínhamos muito compromissos. Na verdade EU tinha alguns compromissos: Exames de sangue, fezes e urina pra fazer; visitar tia Janaína na Maternidade, pois o João Guilherme nasceria de manhã cedo e, finalmente, voltar para casa, para a festa-almoço do Tio Felipe, que estava fazendo 30 anos naquele dia.

Lógico que Marcos deu risada na hora que o despertador tocou. Ele pode perder a mulher, mas a piada ele não perde jamais. Ele sempre ri, quando tenho que sair cedo e eles podem dormir a vontade. Enfim, acordei, deixei Marcos e Ana Luiza dormindo e saí de casa bem cedo rumo ao laboratório CPDE, no Millenium.

Antes de sair de casa, escuto uma “vozinha” de criança, vinda lá de fora. Era o Bernardo, nosso pequeno vizinho que tinha acabado de completar 1 ano de idade. Estava brincando de bola e fazendo aquela festa de sempre. Ele sempre foi apaixonado pela Ana Luiza. Ela aparecia e ele se jogava pro colo dela. O problema é que Ana Luiza não é muito fã de bebês. Gostava do Bernardo, mas não segurava ele no colo, de jeito nenhum. Se ele aparecia no condomínio, Ana Luiza saía gritando: “Corre, mãe!! Vem ver o Bernardo! Ele tá aqui!!”

Fiquei alguns minutos brincando com ele, e lá pelas 7h30min da manhã peguei o carro e saí. Quando estava prestes a chegar no laboratório, lembrei que havia esquecido as requisições do plano de Saúde. Voltei para casa. "Pelo menos o trânsito não está ruim", penso eu.

Poucos minutos antes de chegar pra casa, Marcos me liga e diz que Ana Luiza acordou vomitando. Meu coração disparou.

Ana Luiza estava bem a semana inteira. Só tinha reclamado de uma dorzinha no ouvido esquerdo e a tal da vista embaçada ontem a noite. A dor no ouvido, relacionamos com o dentinho de trás que estava nascendo. Demos dipirona e passou. Inclusive, o remédio foi emprestado pela tia Frida. Nem dipirona gotas tínhamos em casa. Ana Luiza não adoecia há anos. Era algo realmente desnecessário, até então.

Há anos nossa pequena não tinha nem dor de cabeça, nem febre, nem tosse, nem nariz escorrendo, nem nada. Eu já tinha ido parar em Hospital, Marcos idem. Mas Ana Luiza continuava firme.

Cheguei em casa e fui correndo checar Ana Luiza. Ela estava bem, apenas com sono e chateada por ter vomitado. Nada de febre, nada de dor. Fomos para o Pronto-socorro. No meio do caminho, ela teve vontade de vomitar de novo. Parei o carro no acostamento e ela não tinha o que vomitar, mas a ânsia de vômito persistia. O desespero só aumentava.

Entrei no carro e, tentando manter a calma, continuei dirigindo rumo ao hospital. Paramos em um semáforo e enquanto eu conversava com Ana Luiza pelo retrovisor, ouvimos um barulho, seguido de um baque forte. Acabávamos de tomar uma batida na traseira do carro. “Que legal”, penso eu. “Agora o Marcos, obsessivo-compulsivo do jeito que é, vai devorar minha alma, mesmo eu não tendo culpa”.

Desci do carro e o rapaz que estava dirigindo (ou pelo menos tentando), também desceu, já pedindo desculpas e admitindo o erro. Eu apenas me limitei a dizer: “Se você fosse uma mulher, te chamariam de barbeira. Mas como é um homem, foi apenas um erro. Tá certo”. Pedi pra ele encostar o carro no posto de gasolina próximo, para conversarmos. Ele também estava desesperado. A filha dentro do carro, também estava passando mal. Pedi o número do telefone dele e fiquei de ligar para passar o orçamento do conserto.

Mal sabíamos que aquilo representava um grão de areia, na imensidão de problemas que descobriríamos mais tarde. O que é um carro batido diante da saúde de um filho? Tanto que o carro está lá até hoje e só lembrei dele, porque estou escrevendo esse texto...

Chegando ao hospital, rápida e milagrosamente, fomos atendidos em poucos minutos. O médico avaliou, olhou os ouvidos, a garganta, a barriga. Disse que ela estava bem. Receitou sintomáticos e disse que se ela apresentasse febre, para retornar ao Pronto-socorro.

A preocupação ficou martelando na minha cabeça, mas de fato ela estava bem, e eu não tinha, a princípio, motivos para ficar preocupada. A preocupação de Ana Luiza, era a bronca que eu ia levar do papai, por ter deixado alguém bater o carro. Pode?

Em virtude do ocorrido e do enorme tempo gasto no Pronto-Socorro, deixamos de ir a Maternidade, para visitar tia Jana e João Guilherme. Nós teríamos muito tempo pra visitá-la e para brincar com o novo bebê do condomínio.

Chegamos em casa, Ana Luiza estava doida pra brincar com Lucas. Passou a tarde brincando, jogou dominó com Tio Fernando, pai do tio Felipe, jogou videogame, correu e pulou. Tudo normal, tudo rotina. Ficamos até tarde comemorando o aniversário de tio Felipe. Não era apenas um aniversário. Era uma despedida. Ele e tia Frida, dois grandes amigos, que durante os últimos 3 anos tornaram-se nossa família em Manaus, estavam indo embora do Brasil. Custava a acreditar que ficaríamos sem nossos vizinhos prediletos. Mais que isso: amigos verdadeiros. Mas já estávamos agendando o próximo encontro: Julho de 2011 estaríamos todos juntos, lotando o apartamento deles em Madri.

A tia Denise, uma das tantas amigas adultas de Ana Luiza, veio ao aniversário do Tio Felipe. Ela já tinha ido visitar a tia Jana e trouxe fotos do pequeno João Guilherme. Criança linda e saudável.

Neste dia conhecemos a família da tia Denise (mãe, irmã e cunhado) e todos, obviamente, se encantaram com Ana Luiza. Demos muitas risadas, relembrando os “causos” dela e de outras crianças. Foi muito animado.

Já era tarde e na hora de desligar o videogame e mandar as crianças para cama, Lucas e Ana Luiza se despediram com cara de enterro. Estavam doidos pra jogar mais. Nessa hora, notei que Ana Luiza estava esfregando muito o olho esquerdo, além de rodar a cabeça para enxergar a televisão.

Ela disse que estava vendo “de dois”. Meu coração gelou. Subimos para o quarto, examinei novamente os olhos, já com o desespero tomando conta de mim. Não conseguia ver nada de anormal. Achei o olho esquerdo um pouco diferente, como se estivesse estrábico. Mas pensei que fosse exagero meu. Fiquei com ela na cama e rapidamente adormeceu.

Eu, obviamente, fui pro Doctor Google, me acabar no cybercondrismo. Mas não consegui nenhum “pseudo diagnóstico”. Menos mal. Teria infartado, se tivesse aberto as páginas que o google me mostraria alguns dias depois!

sábado, 16 de outubro de 2010

Olhando para trás: 17 de Setembro de 2010

Acordei no dia 17 de setembro de 2010, como se fosse um dia normal. E era um dia normal. O celular do Marcos indicava que já era hora de levantar. Ele me acorda, eu me espreguiço e levanto da cama. Ele, como sempre, se esparrama sobre o meu lado da cama e dá uma risadinha da qual já me acostumei e que com o tempo passei a gostar. Ele ainda vai cochilar por mais 15 minutos enquanto eu vou fazer minhas obrigações maternas. Ao abrir a porta do quarto, já sinto aquele bafo. O típico calor de setembro: “Ê, calorão de Manaus...” penso eu.

Com o céu ainda escuro, chamo minha pequena e como sempre ela me ajuda: Vai pro banheiro e se arruma sozinha, enquanto eu desço para cozinha e preparo o café da manhã. Eu não tenho uma filha. Eu tenho uma amiga. Ela me ajuda, mesmo tão novinha, mesmo com tanto sono, mesmo acordando tão cedo.

Ela desce as escadas rindo, feliz e vestida com seu uniforme de educação física. Pede que eu a ajude com o cadarço do tênis. Já está com 7 anos, mas ainda não aprendeu a dar o laço no cadarço. E também ainda não aprendeu a nadar, penso eu. “Mas até o final do ano ela aprende. Questão de honra”. Finalizo o pensamento.

Às 06h20min da manhã saímos de casa, Marcos, Ana Luiza e eu. O trajeto era o de sempre: Deixar papai no trabalho, ouvindo músicas do celular. A gente já estava começando a enjoar do CD novo do Pato Fu, com instrumentos de brinquedo e vozes de crianças, mas sem dúvida era uma excelente escolha. Dica do tio João Pedro. O segundo destino era deixar Ana Luiza no colégio e a partir dali, ir para o trabalho. Quer dizer, a primeira das duas empresas onde trabalho.

Deixei Marcos no seu destino, a música agradável ia embora com ele. O jeito era sintonizar na rádio e dar boas risadas. Ana Luiza teve mais uma crise de riso ouvindo a propaganda eleitoral de 2010. Especialmente o jingle da candidata Marilene Corrêa. Ela adorou, principalmente porque naquela semana tinha visto, pela primeira vez, a propaganda na TV da candidata e rolando de rir na nossa cama, implorava pra terminar de ver a Propaganda Eleitoral inteira antes de dormir. Deu risada do jingle do Arthur e o pior, da cara da Vanessa. Eu filmei. Escondida, pois ela detesta ser filmada. Mas filmei a risada toda. É gostoso de ver. Quem sabe um dia eu publico o vídeo.

Chegamos ao colégio. Estacionei o carro e fui até a sala de aula com a pequena. A rotina era a mesma: Estaciono o carro, pego a mochila e a lancheira no porta-malas do carro, entramos de mãos dadas na escola. Ela cumprimentando todos. Ao chegar perto da sala de aula corre pra dar um abraço na tia Sol e leva a mochila para o lado da porta da sala. Todos os dias são assim. Todos os dias.

E como todos os dias, me despedi dizendo que se ela sentisse qualquer coisa, falasse pra tia Amélia. Lembrei da dor no ouvido esquerdo que ela sentiu no início da semana e perguntei se ela ainda sentia. Ela disse que “de vez em quando dói um pouquinho... mas passa”. Reforcei que se ela sentisse algo, que pedisse para a tia Amélia me telefonar. Dei beijos, me despedi e disse que a amava. Ela completou dizendo: “Mais que tudo nessa vida?” Eu disse: “Claro”. Outra rotina. Ela olhou pra mim e disse: “Vou ficar com saudade mamãe, mas a gente se vê na saída”.

Segui para o trabalho. Muita coisa pra fazer. Treinamentos e documentos para serem preparados. A sexta-feira é um dia cheio. Sempre foi. E trabalhando em duas empresas, a dor de cabeça duplicava.

Na verdade eu estava um tanto ansiosa pois tinha exames para fazer no dia seguinte. A forte cólica abdominal que tive na semana anterior realmente tinha me assustado e depois de ter ido à consulta com a médica, tinha uma bateria de exames para realizar. Faria tudo no sábado, com tranquilidade e sem precisar me ausentar durante a semana.

Fui buscá-la no colégio ao meio dia, almoçamos em casa e a orientei quanto as tarefas: “Faça sozinha o que você sabe, o que tiver dúvida, quando mamãe voltar do trabalho, ela te ajuda”. De segunda a quinta, ela faz as tarefas da escola, com a ajuda da tia Luciana, ex-professora, que a lecionou na 1ª série. É quase uma filha postiça da tia Lu. E a dor que a tia Lu sentiria alguns dias depois não seria de mãe postiça. Seria de mãe de verdade.

A pequena ficou com dona Francisca durante a tarde e eu voltei ao trabalho. As 17h estaria de volta. Toda sexta-feira ela ficava com Dona Francisca, que aproveitava pra matar a saudade da pequena. Apesar de incansavelmente eu pedir que ela não a “mimasse” demais, era inevitável: “Ô, Dona Carol, só fico um dia com ela. Deixa eu caducar um pouco!!” Dizia a velha Fran, carinhosamente apelidada pela Ana Luiza. As duas sempre se deram muito bem. E Ana Luiza sempre teve muito carinho pela “Frântches”.

Ao invés de fazer as tarefas da escola, estranhamente Ana Luiza dormiu a tarde toda. Quando cheguei em casa, Marcos já estava terminando de ajudar nas tarefas de matemática, principalmente porque ela teria prova na segunda-feira. Terminada as tarefas e revisões, ela foi brincar com o Lucas, irmão do querido tio Felipe, que não é apenas o vizinho mais chato do mundo. Ele é o tio torto mais querido da Ana Luiza.

Jogou videogame, correu, brincou, pulou. Tudo normal. Rotina de sempre. Na hora de ir pra cama, já era tarde e ela disse que estava vendo “embaçado”. Olhei com os “olhos de mãe”. Mas não a mãe hipocondríaca, estressada e neurótica. Nunca fui assim... quer dizer, talvez um pouco, de vez em quando, quando ela era um bebê, mas passou, pronto, passou, psiiii, calma...

Continuando: Olhei com os olhos tranquilos de uma mãe que há mais de 2 anos, não precisava se preocupar com a saúde da filha. Nem gripe, nem tosse, nem espirro. A pequena era fera. Marcos e eu comentamos exatamente isso duas semanas antes. Nossa pequena tinha uma saúde de ferro. Aos 7 anos, nunca havia tomado antibiótico na vida, para vocês terem ideia. Enfim, “examinei” os olhinhos, estavam normais. Fiquei com ela na cama e em poucos minutos adormeceu.

Eu não tinha ideia, mas aquele era o começo da nossa nova vida.

O Começo

Resolvi iniciar esse blog para escrever sobre um momento delicado de nossas vidas: O dia em que ela sofreu uma mudança drástica, de forma horrivelmente inesperada.

Após uma semana do primeiro sintoma, nossa filha de 7 anos, que há pelo menos 2 anos não tinha sequer um resfriado, foi diagnostica com um grave tipo de câncer infantil, em uma péssima localização (base do crânio) e com metástases espalhadas por todo o corpo (pulmões, vertébras, medula óssea e fíbula).

A notícia foi um bomba. E mudou nossas vidas em questão de horas.

Escrever sobre isso talvez nos ajude a extravasar medos, inseguranças e fraquezas. Ou talvez esse blog ajude amigos, que gostariam de esclarecimentos mais detalhados. Ou ainda, poderá auxiliar, de alguma forma, pessoas desconhecidas dando conforto, esperança, fé, solidariedade ou qualquer tipo de sentimento bom, mesmo que através de uma história tão dolorida.

Tentarei manter atualizações constantes, tanto com narrações sobre o início do problema, quanto sobre o momento atual em que nos encontramos.

Abraços.