sábado, 29 de janeiro de 2011

01 a 14 de Janeiro de 2011 - O Milagre

Marcos arrumou todas as bagagens no porta-malas. Na volta é sempre mais difícil fechar as malas. Eram vários presentes e já não tinha lugar para mais nada.

Ana Luiza acordou e estava visivelmente contrariada. Tomou café com o bico batendo na janela. Disse que não queria voltar pra São Paulo “de jeito nenhum”. Depois de algumas conversas, ela entendeu perfeitamente a importância de voltar e continuar o tratamento.

A estrada estava muito tranquila, como esperado. Saímos de Lagoa Santa por volta das 9h30min da manhã e neste horário a grande maioria das pessoas ainda estava dormindo e muitas delas ainda aproveitariam o primeiro final de semana do ano.

Chegamos em SP e ao entrar no condomínio, o porteiro já nos entregou as encomendas. Ana Luiza havia ganho diversos presentes e mimos de alguns de seus amigos “virtuais” que fazem parte da torcida por sua saúde. Adorou os chapéus coloridos e principalmente o DVD do Luan Santana, de quem virou grande fã. Inicialmente, Marcos e eu torcemos o nariz. Mas gosto é gosto. E ela tem o direito de gostar de quem quiser. E ai de quem falar mal dele, viu? Fui falar que as calças dele eram muito justas e tomei uma bronca!

Após as “férias” em BH, recomeçaria a rotina de exames e consultas. E logo no dia 03/01/2011 fomos a consulta com a médica anestesista, que nos entregou os encaminhamentos para os exames pré cirúrgicos. A médica, muito simpática e atenciosa, conquistou a pequena. Na verdade, ainda estou na dúvida quem conquistou quem, mas o fato é que elas se deram muito bem.

No dia seguinte, teve a consulta de retorno com o cirurgião, onde deveríamos entregar a avaliação da anestesista e o resultado da arteriografia. Os resultados estavam ótimos e ele autorizou a cirurgia, pois a carótida poderia ser removida caso fosse necessário, sem comprometimento para o fluxo sanguíneo da cabeça. Respiramos aliviados.

Ele comentou novamente sobre as sequelas da cirurgia, sobre a retirada da carótida e sobre a perda dos movimentos do olho esquerdo. As chances de haver sequelas eram grandes, ele fez questão de enfatizar isso. Além disso, ele falou do pós-cirúrgico e que não seria nada fácil.

Em minha cabeça eu aceitava as sequelas “numa boa”. Estávamos falando da vida de minha filha. Já tinha visto vários pacientes mutilados em cirurgias oncológicas, mas que viviam normalmente. Muitas crianças sem olho, sem perna, com o rosto deformado pelas cirurgias e que viviam suas vidas, tendo alcançado a cura. Minha filha seria uma dessas crianças. Ela sairia de um prognóstico terrível de apenas 20% de chance de cura, para uma vida normal, apenas com um olho paralisado. Se essa era a vontade de Deus, só me restava pedir sabedoria para compreender o significado disso tudo e seguir firme.

O rabdomiossarcoma é um câncer agressivo e perigoso, que volta a nascer com força total e muito rapidamente segundo as estatísticas médicas nacionais e internacionais. Eu entendia a importância da cirurgia, aceitava racionalmente as sequelas e o pós-cirúrgico difícil, mas em meu coração ainda nutria a esperança de que o tumor desaparecesse completamente e que a cirurgia não fosse mais necessária. Que mãe aceita assim, tão facilmente, uma sequela num filho? Ainda mais eu, que sempre tive dificuldades até pra aceitar um corte de cabelo mal feito em Ana Luiza... que vergonha!

Minha cabeça parecia girar. Ao mesmo tempo confiante e agradecida, porque finalmente o tumor era operável deixando poucas sequelas, eu ainda queria acreditar que Deus daria um sumiço naquele tumor, que ainda era grande e perfeitamente visualizável nos exames de imagem. Era a luta da razão contra o coração. Se por um lado eu tinha certeza que a cirurgia era necessária, por outro não deixava de acreditar que não existe nada impossível para Deus.

Mas será que eu não eu estava “querendo demais”? Deus já tinha me concedido várias bençãos até aquele momento. A UTI aérea, um excelente apartamento pra ficar, o desaparecimento das metástases e o tumor ter se tornado operável... Deus não precisa provar Sua existência através de um milagre tão grandioso. A gente já vinha recebendo bençãos, milagres e providências de Deus.

Lembro de diversas conversas de corredor, com inúmeras mães e desconhecidos, que falavam da dificuldade de vencer um rabdomiossarcoma. O próprio site do hospital assegurava que rabdomiossarcomas com metástases, não respondiam adequadamente ao tratamento quimioterápico. Lembrei dos diversos artigos que li, dos estudos e de várias histórias terríveis de crianças que não tinham condições de submeter-se a cirurgia, o que determinava a recidiva precoce do maldito câncer, fragilizando-as até o óbito. A cirurgia era importante, sem dúvidas. Mas acreditar, crer e ter a convicção de que Deus poderia fazer o que bem entendesse, ainda permanecia no meu coração.

E enquanto eu nutria a esperança no desaparecimento do tumor, no mesmo instante eu me perguntava: ”Quem sou eu para receber um milagre desses?” E minha cabeça ficava rodopiando... indo e vindo em pensamentos que não me levariam a lugar algum. Cansada, concluí que só me cabia confiar. Pois se o plano dEle para a nossas vidas, fosse permitir que enfrentássemos esta cirurgia, com ou sem sequelas, a gente teria que ter forças para passar por isso. E fim de papo.

O médico agendou a cirurgia para o dia 18 de janeiro de 2011. Vários especialistas participariam do procedimento. Com a data definida, fomos para a consulta com o oncologista, onde informamos sobre os preparativos da cirurgia, tiramos dúvidas sobre os exames pré-operatórios e questionamos os próximos passos do tratamento. Perguntamos se ainda existiam chances de o tumor ter diminuído um pouco mais com os dois ciclos de quimioterapia que ela tinha feito. O médico foi enfático: “Ele pode até diminuir, mas muito pouco. O que interessa é que a redução significativa que ocorreu, já foi o suficiente para ele ser removido e é o que vai acontecer”.

O oncologista nos encaminhou para o setor de Radioterapia, pois conforme o protocolo de tratamento que ela estava sendo submetida, imediatamente após a cirurgia, ela faria aplicações diárias de radioterapia, durante um mês, com intervalos somente nos finais de semana. Paralelo ao tratamento com radiação, ela continuaria os ciclos de quimioterapia.

Enquanto eu fazia cara de quem estava pronta pra seguir em frente, meu coração apertava de novo. Tudo que passamos até este momento era apenas o começo de um longo e desgastante tratamento. Minha filha, meu bebê, minha linda princesa, ainda teria um longo e terrível caminho pela frente.

Sem dar espaço para as minhas lamentações, fui ao setor de Radioterapia agendar a consulta com os médicos. A semana estava acabando e logo começaria a maratona de exames pré-cirúrgicos.

Os primeiros exames, eram as imagens de tomografia e ressonância com neuronavegação. Chegamos a Beneficência Portuguesa (que é bem próxima de onde estamos hospedadas) e a tomografia propriamente dita, foi rápida. Mas controlar a crise de choro da pequena levou uma eternidade. Após 3 tentativas, finalmente conseguiram puncionar a veia da pequena, para receber o contraste. Mais um capítulo da novela “veias dançantes” tinha terminado. Agora restava acalmá-la para poder ficar bem quietinha no tubo da tomografia. Ela chorou tanto que ao respirar soluçava e aquilo poderia atrapalhar o exame.

Após 1h30min de preparo para o exame, ela deitou na maca e em menos de 5 minutos caiu no sono. Após 20 minutos o exame estava pronto. Ao sair do hospital, disse que preferia “mil vezes o A.C.Camargo”. Expliquei que teríamos que voltar no dia seguinte para a Ressonância, pois não havíamos conseguido agendar os dois na mesma data. Ela resmungou, mas àquela altura já sabia que reclamar não adiantava muita coisa.

Fomos pra casa, almoçamos e no fim da tarde o pai biológico de Ana Luiza veio visitá-la. Me ligou comunicando que estava em São Paulo e que gostaria de vê-la. Ana Luiza o recebeu com muita alegria e simpatia, como fazia com todas as pessoas que vinham visitá-la.

No dia seguinte, mais um exame. Desta vez a ressonância magnética. Mas diferente do dia anterior, tudo ocorreu com tranquilidade. Nada de veias dançantes e choros soluçados. A enfermeira acertou em cheio logo na primeira tentativa.

A médica que faria o exame em Ana Luiza, muito simpática, teve toda a paciência do mundo com a pequena. Disse que já tinha ido a Manaus e que tinha adorado. Enquanto a enfermeira posicionava a pequena no tubo, a médica me perguntou a data do diagnóstico e pegou os dois últimos exames de imagem que Ana Luiza havia se submetido. Mencionei a redução do tumor de um exame para o outro, mas ela pareceu estar mais interessada no posicionamento adequado de Ana Luiza dentro do tubo. Reforçou o pedido pra que ela ficasse bem parada e assim o exame terminaria mais rápido.

O exame começou e após alguns minutos foi injetado o contraste. Na sala de exame, tinha um grande papel de parede com a imagem de um resort paradisíaco, numa praia linda. A foto era muito bonita e realmente ajudava a relaxar. Tentei respirar fundo e notei que eu estava forçando o maxilar de tanto nervoso. Esses exames sempre me deixavam tensa. Lembrei do último que ela tinha feito e dos resultados surpreendentes.

Mas eu já tinha prometido pra mim mesma que não tentaria adivinhar a cara dos médicos pelo vidro da sala de comando, então fiquei olhando aquela paisagem, passando a mão nos pezinhos de Ana Luiza e pedindo a Deus que tudo desse certo. Respirei fundo, fechei os olhos e apenas desejei, do fundo do meu coração, que o tumor estivesse menor.

Poucos minutos antes de terminar o exame, a médica veio na porta e me perguntou: “Mãe, quando foi mesmo a cirurgia dela?” Eu, que estava de olhos fechados, nem entendi a pergunta direito. Disse apenas: “Vai ser dia 18/01”. A médica perguntou com um tom de surpresa: “Então ela ainda não fez nenhuma cirurgia? Ela fez que tratamento?” Ainda sem raciocinar, respondi: “Ela está fazendo quimio desde outubro”. A médica retrucou: “O tumor realmente diminuiu bastante, né?” Achando que ela falava dos exames anteriores, eu apenas concordei e disse: “É verdade, Graças a Deus que diminuiu. A quimioterapia funcionou bem!”

A médica fechou a porta e somente então me veio o raciocínio: “Será que ela estava falando dos exames anteriores, ou será que esta porcaria de tumor diminuiu ainda mais? Será que ela perguntou sobre a cirurgia porque achou que o tumor parecia ter desaparecido?” Me deu taquicardia e não tinha foto de resort paradisíaco que desse jeito.

A enfermeira voltou e disse que o exame já havia terminado. Me entregou o protocolo de retirada do exame e disse que ficaria pronto no dia seguinte, no fim da tarde. Eu imaginava que a médica voltaria, mas ela não voltou. O jeito era esperar o resultado e tentar não criar expectativas.

Saí da sala de exame rindo e foi difícil disfarçar para minha mãe. Não queria criar uma expectativa desnecessária. Mas eu precisava dividir aquele misto de agonia e euforia com alguém e instintivamente peguei o celular para ligar para o Marcos, mas não havia sinal. O setor de imagens da Beneficência Portuguesa fica no 2º subsolo e lá o sinal some completamente.

Ao chegar no térreo, assim que redisquei o telefone do Marcos, Ana Luiza me chamou para ver as lindas orquídeas penduradas numa enorme árvore, em frente ao hospital. Distraída com as orquídeas, consegui me conter e deixei pra ligar pra ele quando chegasse em casa.

Foi colocar os pés em casa e liguei para o Marcos, contando o papo maluco da médica. Quando contei a pergunta que ela fez, sobre quando havia sido a cirurgia, Marcos deu uma risada nervosa no telefone. Desliguei o telefone e obviamente não consegui me conter: falei pra minha mãe. Tentei contar, como quem está conversando trivialidades, para não gerar expectativas nela, mas não deu muito certo.

Passamos a tarde numa ansiedade absurda. Nos restava ter calma e esperar até o dia seguinte, para buscar os resultados dos exames.

Os exames só ficariam prontos às 17h. Haja criatividade para dispersar pensamentos extremamente ansiosos. Fiquei no computador, tentei escrever mais um texto para o blog, assisti TV com Ana Luiza e nada conseguia me distrair dos resultados dos exames.

Quando ainda faltavam 2h para o exame ficar pronto eu comecei a me arrumar. O hospital é bem próximo do lugar onde estamos hospedadas, pouco mais de 10 minutos de carro. Mas quando estava quase dando 16h, dei um beijo nas mulheres da minha vida e fui para o hospital.

Chegando lá, fui até o 2º subsolo, e exatamente às 16h05 estava no setor de imagens. Entreguei o protocolo para retirada dos resultados de exames e a atendente disse que ia checar se já estava pronto. Enquanto eu aguardava no balcão, fiquei olhando ao meu redor e pensando: “Quantas pessoas também não esperavam um milagre nos seus resultados de exames? Quantas delas também estariam ansiosas e sem dormir direito? Quantas estariam descobrindo uma doença, ou quantas estariam fazendo exames de rotina?” O fato é que todos nós estamos no mesmo barco e somos extremamente limitados e frágeis.

A atendente volta com 2 grandes envelopes, me pede para assinar um documento e me diz para aguardar a gravação do CD das imagens, pois não duraria mais que 5 minutos.

Caí pesadamente numa poltrona. Respirei fundo e diferente da última vez, consegui abrir calmamente os envelopes. Pequei o primeiro e era a tomografia. Nem olhei as imagens, tratei de pegar o laudo e simplesmente li que estava tudo absolutamente normal. Minhas mãos começaram a tremer. Reli o documento de novo e estava lá, bem claro: “Não há evidências de líquidos, hemorragias, desvio das estruturas ou apagamento das cisternas. O sistema ventricular é de topografia, morfologia e dimensões normais. As substâncias branca e cinzenta apresentam coeficiente de atenuação aos raios X normais. Porções visibilizadas das cavidades aéreas paranasais com transparência habitual. Não houve impregnação anômala pela substância de contraste

Peguei o envelope da Ressonância, o exame mais detalhado, e só tinha um laudo descrevendo a técnica do exame. Nada mais. A atendente volta e me entrega o CD. Perguntei se não estaria faltando o laudo da ressonância e ela confirmou que no exame com protocolo de neuronavegação era entregue apenas o CD. Achei estranho, mas não tinha a menor condição de questionar.

Saí correndo do setor de imagens, louca para ligar para o Marcos. O celular sem sinal e o elevador demorando. Fui pelas escadas. Cheguei ofegante no térreo e já fui ligando pra ele. Sentei num banco do lado de fora do hospital e li o laudo. Ainda não tínhamos o direito de comemorar. A tomografia não era tão detalhada quanto a ressonância, mas aquilo com certeza nos indicava que, pelo menos, o tumor havia diminuído de tamanho.

Ainda era 16h30min. Talvez eu ainda conseguisse encontrar um dos oncologistas no A.C.Camargo e eles pudessem olhar os resultados da Ressonância. Peguei um táxi e lá fui eu. Dentro do carro, liguei para o anjo da guarda de Ana Luiza, tia Josely. Sendo médica e principalmente tendo visto os exames anteriores da Ana Luiza, talvez ela tivesse alguma opinião a respeito do resultado da tomografia. Li o resultado do exame e ela também ficou surpresa. Acho que naquele momento, a reação dela foi muito mais de mãe, do que de médica. Era complicado afirmar alguma coisa, mas fiquei de, assim que chegasse em casa, enviar por e-mail o laudo da tomografia e as imagens.

Chegando no hospital, saí correndo pelos corredores e cheguei na pediatria. Estava tudo vazio e tive quase certeza que não encontraria nenhum dos médicos que a acompanhavam. Perguntei da secretária e ela disse que estavam todos lá, livres, pois o dia estava bastante tranquilo, com poucas consultas.

Entrei na sala e avistei um dos oncologistas. Ofegante e com a voz tremendo, disse a ele que eu tinha ido buscar os resultados dos exames de imagem na Beneficência Portuguesa e o resultado da tomografia parecia normal. A ressonância não tinha laudo, nem imagens, só o CD e por isso, queria que ele olhasse e me desse alguma luz.

Ele riu e, pegando os envelopes da minha mão, disse: “Eu adoro essas mães...” Após ler o laudo da tomografia ele confirmou que o exame mostrava que tudo estava normal.

Tentando não criar nenhum tipo de euforia, calmamente ele disse que esse exame não era tão detalhado quanto a ressonância. E que o cirurgião teria que abrir o CD para avaliar melhor. Ele não era o profissional adequado para avaliar as imagens, e para abrir o CD era necessário um software específico que ele não tinha. Ele fez uma cara de que aquilo era absolutamente normal. Nem curioso ele parecia estar.

Não foi exatamente a “ajuda” que eu queria. Mas tudo indicava que eu tinha que ter calma. Paciência é uma virtude, que eu definitivamente ainda tinha que aprender.

Liguei para o Marcos, que a essa altura roía os cotovelos de tanta ansiedade. “Vai pra casa e tenta abrir o CD! Me envia a imagem da tomografia e o laudo! Será que sumiu tudo mesmo? Caramba, Carol!! Já pensou? Será que amanhã vai ter algum cirurgião no hospital? Você já tirou foto do Laudo? Tenta fazer uma cópia do CD e me manda por e-mail! Blá, blá, blá...” Vi que calma, paciência e serenidade não era um forte de nenhum dos dois.

Cheguei em casa, enviei os e-mails, tentei abrir as imagens e nada! Era preciso um software específico. Os arquivos do CD eram enormes e mesmo que eu compactasse o arquivo, não conseguiria enviá-lo por e-mail. Fiz 2 cópias do CD, a pedido do Marcos e decidi largar aquilo tudo pra lá.

Parei tudo e sentada de frente para o computador, decidi que esperaria com calma, para falar com o cirurgião. Ainda faltavam 2 dias, para a consulta com o médico e eu teria que ter calma.

Perguntei de Ana Luiza se ela queria comer alguma coisa especial e ela pediu esfirra de carne do Habibs. Peguei um guarda-chuva, uma mochila e fui andando até a lanchonete que ficava a duas quadras do apartamento.

Eu precisava pensar, meditar e me acalmar. Mas era quase impossível com um marido alucinado e sozinho em Manaus. Me ligou dizendo que tinha enviado as imagens e o laudo para um neurologista de BH, amigo da família. Ele já tinha visto os exames anteriores e falou que realmente na imagem não aparecia nada anormal e, provavelmente, se ainda aparecesse algo na ressonância, sem dúvidas seria algo muito menor.

Fiquei feliz e tentei acalmar o Marcos, pedindo que ele tentasse deixar aquilo para amanhã. Já era noite em SP e a gente ainda estava rodando em círculos sem a menor necessidade. O resultado estava lá e na hora certa, os médicos nos dariam as informações.

No dia seguinte teria a consulta com os médicos do setor de radioterapia. E eu deveria deixar o CD com o cirurgião, que iria avaliar a qualidade do CD e providenciar o navegador para a cirurgia.

Eu tinha a esperança que o radioterapeuta abrisse o CD e me informasse o bendito resultado. Chegando lá, Ana Luiza tratou de fazer amizade com o médico. Sempre muito simpática, ficou fazendo gracinhas e rapidamente conquistou mais um amigo. Ele pediu todos os exames de imagem de Ana Luiza. Entreguei os dois antigos e os atuais, explicando que a ressonância tinha vindo somente em CD. Eu não tinha nem o Laudo, nem as imagens. Ele pediu que aguardássemos no consultório enquanto ele mostrava as imagens ao chefe da Radioterapia e definia o tipo de tratamento adequado para Ana Luiza.

Depois de aproximadamente uns 15 minutos, ele voltou com outro médico, me devolveu todas as imagens e começou a nos explicar o tipo de radioterapia que ela seria submetida e sobre o planejamento que seria feito. Falou sobre os efeitos colaterais agudos e tardios. Médicos atenciosos e muito competentes.

Já no final da consulta, como quem não quer nada, perguntei sobre as imagens do CD, se eles tinham visto alguma coisa. Eles disseram que nem o abriram, pois o que importava para eles naquele momento era a primeira imagem, do diagnóstico feito em Manaus, afinal a radioterapia seria calculada para a região anteriormente afetada.

Bom, o jeito era aprender, definitivamente, a ter paciência. Voltamos pra casa e a tarde, eu iria deixar o CD com o cirurgião e tentar conversar com ele sobre as imagens.

Depois de uma longa espera, o médico nos chamou na sua sala. Minha mãe tinha ido tomar um café e estávamos sozinhas quando o médico chamou.

Eu estava paralisada. Ana Luiza falando pelos cotovelos. E eu torcendo que minha mãe voltasse, pra ficar com ela, pois eu precisava ouvir atentamente o médico.

Depois de cumprimentar a pequena e responder suas perguntas sempre sinceras e constrangedoras (“Por que você demorou tanto para nos chamar?!”), entreguei-lhe o CD e as imagens da tomografia. Enquanto o médico, que sempre foi muito reservado e sério, abria o CD para avaliar a qualidade do mesmo, eu ficava olhando pra cara dele, como se pudesse decifrar alguma reação. Nada.

Finalmente minha mãe voltou e pedi que ela ficasse com Ana Luiza no corredor, tentando distraí-la. O médico então, depois de alguns minutos olhando para a tela do computador, perguntou se eu tinha trazido as imagens antigas. Entreguei-as. Ele as colocou no negatoscópio, virou o computador para a minha direção e, dando uma risada meio sem graça, disse: “Não estou mais visualizando a lesão”.

Pra quem esperava ouvir que a lesão tivesse diminuído ainda mais, ouvir aquilo foi quase uma insanidade. Ele continuou dando sua risada incrédula e apontou o dedo na tela: “Veja aqui. A lesão estava nessa região, por isso o acesso pelo nariz seria o mais adequado, mas agora não faz o menor sentido entrar por aqui, pois a lesão desapareceu. Se ainda existe alguma coisa, acho que pode ser isso bem aqui, tá vendo? Mas não tenho certeza.”

Ainda meio abobalhada, sem saber se ria ou se chorava, perguntei o que seria feito. Ele apenas disse: “Bom, confesso que agora não sei mais. Vou reunir a equipe, mostrar as imagens para o neurocirurgião, pois o que eu vejo aqui ainda é o tumor, é na área dele e não na minha. Precisamos ainda conversar com os oncologistas e avaliar se vale a pena fazer alguma cirurgia. Se esse câncer praticamente desapareceu com a quimioterapia, talvez os oncologistas optem por cancelar a cirurgia. Mas a realidade é que agora eu não sei”.

Eu comecei a dar uma risada nervosa. O médico também. Aquela cena eu jamais esqueceria. Um dos melhores cirurgiões otorrinolaringologistas de São Paulo, do melhor hospital de tratamento de câncer da América Latina, me confessou que não sabia o que fazer. Isso a gente não vê todo dia, não é mesmo?

Perguntei sobre o plano de saúde, sobre como ficaria a cirurgia, uma vez que já estava autorizada. Ele, enfático, apenas disse: “Esquece o plano de saúde, mãe!!! O mais importante é a Ana Luiza!! Bom, hoje é quinta-feira. A cirurgia seria na terça-feira. Então vamos fazer o seguinte: Vou reunir a equipe amanhã, e na segunda-feira pela parte da manhã, nós ligaremos pra você e definiremos se haverá ou não a cirurgia”.

Levantei da cadeira e pela primeira vez ganhei um abraço do médico. Ele estava feliz. Mas eu estava MUITO MAIS feliz. Encontrei com as duas no corredor e minha mãe, com toda sua serenidade, apenas me perguntou: “E aí, minha filha? O que o médico disse?” Abracei minha mãe, me ajoelhei de frente para Ana Luiza, olhei nos olhos da pequena e disse: “Papai do céu te ama muito, pequenina! Os médicos acham que não tem mais nada na sua cabeça, acredita?” Ana Luiza, com o mesmo jeito de sempre, deu de ombros e apenas disse: “Mas eu já sabia disso, mãe!”

Minha mãe me abraçou e começou a chorar. Eu estava tomada por um sentimento tão maluco que não chorei. Diferente da primeira vez, quando soube do desaparecimento das metástases e chorei compulsivamente, eu fiquei dando risadas incontroláveis. Fui tomada por uma sensação tão louca. Nem sei descrever.

Ana Luiza realmente parecia não achar nada demais. Correndo de um lado para o outro, inventando brincadeiras no hall do hospital e cumprimentando as recepcionistas e o guardas do hospital, nem parecia que tinha acabado de receber uma notícia tão maravilhosa! Mas ela já sabia. Por que comemoraria uma notícia velha, certo? Confiança é isso aí.

Chegamos no condomínio e ainda muito eufórica, contei as boas novas para o porteiro, que a essa altura já era um grande amigo de Ana Luiza. Emocionado, ele começou a chorar. Deu um abraço forte na pequena e disse: “Deus seja louvado! Parabéns pelo milagre que você recebeu, Aninha”.

Subimos para o apartamento e era o momento de espalhar as notícias: ligações para os familiares, atualizações no twitter e no facebook. Uma enxurrada de pessoas, comemorando e, principalmente, agradecendo a Deus. O telefone não parava de tocar. Marcos estava eufórico. Acho que nós dois estávamos experimentando a mesma sensação. Um misto de felicidade e gratidão. Uma sensação indescritível.

O pai biológico de Ana Luiza veio visitá-la novamente. Assim que ele tocou a campainha, abri a porta lhe contando as boas novas. Era uma momento de celebração. Estávamos todos muito felizes e isso deveria ser compartilhado. Ele entrou no apartamento, deu um abraço em Ana Luiza e eu pedi licença, pois precisava atender as ligações.

Após alguns minutos, vou até a sala e não vejo o pai biológico dela. Perguntei a Ana Luiza onde ele estava e ela apenas disse: “Ah! Ele não parava de chorar, então pedi pra ele ficar chorando lá embaixo. Não tem motivo nenhum pra ele ficar chorando aqui, credo!”

Eu ri da pequena e o próprio pai biológico também deu risada. Mas ela tinha razão. Agora era agradecer e se alegrar. Chega de choro. Alguns minutos depois ele retornou, ficou um pouco mais com ela e foi embora.

Apesar de feliz, ainda teríamos que aguardar a ligação dos médicos. Mas esperar até segunda-feira era demais. E caso ela não fosse fazer a cirurgia, teria que fazer mais um ciclo de quimioterapia, pois já estava há exatos 22 dias sem qualquer medicamento. Caso ela fosse fazer a cirurgia, ainda tinham 2 exames pré-operatórios que ela precisaria se submeter naquela tarde.
A noite, não se contendo, Marcos ligou para o neurocirurgião, perguntando se ele já tinha visto as imagens de Ana Luiza. Ele disse que não, mas que o outro médico já tinha lhe comunicado e que pela avaliação dele, provavelmente a cirurgia não ocorreria. Marcos e eu ficamos eufóricos com aquela notícia. Que coisa maluca!!

Resolvi ir ao hospital no dia seguinte, para conversar com os oncologistas e perguntar o que eu deveria fazer. Minha preocupação era a liberação da possível quimioterapia pelo Plano de Saúde, que estava totalmente fora do prazo.

Entrei num táxi de manhã e o trânsito estava ruim. Quando ele estava chegando perto do hospital, olhei a carteira e vi que tinha esquecido de sacar dinheiro. Só tinha exatos R$12,00 na carteira. Olhei o taxímetro e quando estava em R$11,50 pedi pra ele parar, que eu iria andando. Ele encostou o em frente ao batalhão da polícia militar, paguei, agradeci a corrida e na hora que abri a porta da direita, escuto uma freada brusca e um motociclista quase passa por cima das minhas pernas! Nossa, tomei um susto absurdo!! E o cara da moto me xingava muito, me culpando, dizendo que eu deveria ter olhado antes de abrir a porta, blá, blá, blá...

A sorte é que estávamos em frente a meia dúzia de policiais, que viram que o motociclista estava tentando ultrapassar pela direita, no acostamento, quando naquela avenida tinha uma pista exclusiva para motos. O taxista me acalmou e disse que eu podia ir em paz, pois não havia acontecido nada demais e que a culpa não era minha. Cruzes! Que susto!

Cheguei gelada no hospital e fui direto para o setor de pediatria. Aguardei alguns minutos e falei com o oncologista. Perguntei se ele já tinha conversado com os cirurgiões e ele disse que não. Contei o que havia acontecido no dia anterior e falei das minhas preocupações com relação ao longo período sem quimioterapia, caso ela não fizesse a cirurgia.

Ele disse que a cirurgia só seria cancelada, se os cirurgiões garantissem que não havia realmente mais nada MESMO. Pois o rabdomiossarcoma é um câncer muito perigoso e de recidiva precoce. Não retirar, por menor que fosse a imagem, aquilo poderia representar um risco muito alto de recidiva. Ele pediu que eu aguardasse alguns minutos, pois entraria em contato imediatamente com os médicos e com a chefe da oncologia pediátrica.

Fiquei sentada na sala de espera. Pensei, pensei, pensei. Estava angustiada com aquilo. Marcos e eu tínhamos feito um compromisso de lutar pelo melhor tratamento para Ana Luiza. De fazer nossa parte. Os médicos eram pessoas sérias e respeitadas. Já havia pedido, em oração, que Deus iluminasse suas mentes e mãos, para cuidar da nossa filha única. Liguei para o Marcos, falei das impressões do oncologista. Ele tinha a mesma opinião que eu.

Meu celular tocou. Era o setor de autorizações. A radioterapia solicitada no dia anterior já havia sido negada. A radioterapia por IMRT era um procedimento que ainda não estava na lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde. Apesar de ser uma técnica utilizada no Brasil desde 2000, pouquíssimos hospitais dispõem deste tipo de tratamento, o que há de melhor do mundo atualmente. Os brasileiro, em tratamento de câncer que se tratavam através de plano de saúde, tinham que ir para a justiça para fazer valer seus direitos de tratamento. Um absurdo, já avisado pelo setor de autorizações.

Avisei ao Marcos e ele, imediatamente, tentou falar com algumas pessoas que sempre estavam disponíveis para nos ajudar de todas as formas possíveis. Ele pediu que eu fosse até o setor de autorizações e pegasse um documento provando a negativa do Plano de Saúde. Ele também entrou em contato com uma das nossas advogadas e para solicitar uma possível liminar, caso fosse necessário. Ele ainda entrou em contato com o plano, via Twitter pedindo revisão da negativa do procedimento.

Deixei a sala de espera da pediatria e corri até o setor de autorizações. Consegui pegar o documento que ele precisava. Nesta hora minha mãe me liga, perguntando se deveria trazer Ana Luiza para fazer os exames que estava agendados. Pedi pra ela esperar alguns minutos que brevemente teria uma resposta. Tudo ainda estava muito confuso e indefinido.

Voltei para a sala da pediatria e o oncologista disse que já tinha conversado com a chefe da oncologia. Eles decidiram que, caso os médicos fossem enfáticos em suas decisões de não operar, aquilo não significaria, necessariamente, uma alta probabilidade de recidiva. Que se algo, supostamente aparecesse nas imagens, poderia ser liquidado com uma dose alta de radioterapia. Ele me entregou os papéis para solicitar a autorização da quimioterapia que deveria ser feita na segunda-feira e disse que provavelmente Ana Luiza não faria a cirurgia. Perguntei se ela ainda precisaria fazer os 2 exames pré-operatórios agendados para aquela data e ele pediu que ela fizesse, pois era importante saber como estava indo o coração.

Saí da sala em direção ao setor de autorizações, liguei para o Marcos falando que a cirurgia parecia ter sido cancelada. Liguei pra minha mãe e pedi que ela trouxesse Ana Luiza para fazer os exames e fosse direto para o setor de imagens.

Peguei uma senha, sentei na poltrona e aguardei ser chamada para dar entrada no pedido de autorização da quimioterapia. Eu estava cansada. Estava correndo de um lado para o outro desde cedo. Não tinha dormido bem a semana inteira. Preocupada com a cirurgia, com os exames... era muita coisa pra uma pessoa só, pensei eu.

A atendente me chama, explico a situação e ela diz, lamentando muito, que seria praticamente impossível autorizar a quimioterapia. Era sexta-feira, 13h da tarde e o pedido era para segunda-feira, pela parte da manhã. E disse que só poderia pedir autorização do plano de saúde, depois que cancelasse a cirurgia, coisa que ela só poderia fazer, com um Laudo Médico, informando o motivo do cancelamento e a mudança de estratégia de tratamento.

Respirei fundo e voltei para o setor de pediatria. Chegando lá, dei de cara com 6 médicos no final do corredor, todos me aguardando. A chefe da oncologia pediátrica, três oncologistas que acompanhavam o caso da Ana Luiza, o neurocirurgião e o cirurgião otorrino, que iria fazer o acesso pelo nariz.

Estávamos tentando falar com você!” Falou um dos oncologistas. “Carol, o caso da Ana Luiza está muito além do esperado e em virtude do que as imagens mostram, decidimos mudar a estratégia novamente. Mesmo sendo uma mancha muito pequena e indefinida, o mais seguro para Ana Luiza é retirarmos esse resíduo cirurgicamente.”

Respirei fundo. Olhei nos olhos de cada um deles e apenas perguntei: “Isso é o melhor pra ela? Vocês estão decidindo pelo melhor?” E todos foram unânimes. Explicaram que fazendo a cirurgia, aumentariam muito as chances de cura, pois poderiam utilizar doses menores de radioterapia e caso houvesse uma recidiva, ainda teria armas que poderiam ser utilizadas.

A radioterapia, mesmo a IMRT, tem um limite máximo de radiação a ser aplicada. Se os médicos optassem por não operar, a dose para destruir o resíduo macroscópico do suposto tumor seria bem maior do que a dose para matar células microscópicas, no local onde o tumor já havia encostado. Então, caso houvesse a temida recidiva, a quantidade de radiação que poderia ser utilizada seria menor, eliminando uma forma de tratamento.

Bom, eu não queria estar aqui sozinha com tantos médicos, mas confio em vocês. Por favor, cuidem dela!” Falei, respirando fundo.

Nessa exato momento, Ana Luiza aparece no corredor. Minha mãe tinha trazido-a para pesá-la na balança da pediatria e quase caiu quando viu aquele monte de médicos conversando comigo. Ana Luiza já foi logo falando: “Ahhhh!! Vocês estão aí escondidos falando de mim, né? Pode me contar o que é!” Os médicos deram risadas, abraçaram e cumprimentaram a pequena e eu apenas disse: “Bom, agora vocês vão ter que encarar a fera. Filha, os médicos decidiram que é mais seguro operar e que vai dar tudo certo

Ela, de cima da balança, apenas diz: “Tá bom! Sem problemas! E o que tem nessa caixa aí, Sérgio?” Perguntando para o neurocirurgião. Ele diz: “Adivinha? É cupuaçu. Você deve conhecer, né?” Ana Luiza concorda e eu apenas digo: “Ela tomava na mamadeira! Por isso é forte e corajosa assim. É uma amazonense guerreira!!”

Antes do cirurgiões irem embora, perguntei sobre as sequelas. Eles disseram que a carótida seria preservada, mas que provavelmente ela perderia os movimentos do olho esquerdo. Mas que em virtude da grande diminuição do tumor, eles tentariam ao máximo, preservar as funções e que já haviam solicitado a presença de um médico apenas para monitorar os nervos cranianos.

Os cirurgiões e os outros médicos foram embora e eu fiquei mais uns minutos conversando com o oncologista. Ele parecia querer se justificar a todo tempo, mas só transparecia que todos eles ainda estavam muito abismados com tudo aquilo. Ele conversou com Marcos pelo telefone e explicou tudo de novo; eu entreguei de volta a papelada da quimioterapia e me despedi.

Ana Luiza ainda fez os exames que faltavam e logo em seguida fomos para casa. Comunicamos a todos os familiares, todos os amigos e os amigos virtuais sempre presentes, que a cirurgia realmente aconteceria no dia 18/01.

Todos, que desde o início tinham torcido, sofrido e se alegrado conosco, se juntavam e se programavam para, no dia e horário da cirurgia, estarem com os pensamentos na pequena.

A noite, deitada na cama e ao lado de Ana Luiza, orei agradecendo por tudo. Por mais um dia ao lado da minha filha, pelo milagre concedido, pela saúde de todos e pedindo que Deus a protegesse durante a cirurgia e que desse coragem e força para que ela se recuperasse logo. No meio da oração, ela me cutuca e fala baixinho: “Mãe, não esquece de pedir pro papai do céu também cuidar e proteger meus amigos, tá bom?”

Pode deixar! Não vou esquecer”, respondi, com um sorriso no rosto. Terminei a oração pedindo pela vida de todos os amigos que ela já tinha feito no hospital e que também estavam em tratamento. E pedi também, que Deus protegesse todas os amigos que tem orado por ela em Manaus, que eram muitos!

domingo, 23 de janeiro de 2011

21 a 31 de Dezembro de 2010 – Quimioterapia, agendamento de exames e ida a Belo Horizonte

Chegamos ao hospital para mais um ciclo de quimioterapia e minha cabeça estava a mil por hora. Não conseguia me concentrar em um único problema. Havia a quimioterapia, que por si só, já era um momento muito delicado em que Ana Luiza sempre nauseava, vomitava bastante e ficava muito fragilizada. Havia os três exames solicitados pelo médico, que precisavam ser agendados com urgência. Ainda tinha o cateter que já havia dado problema anteriormente e poderia atrasar a quimioterapia. E tinha ainda provável viagem para BH e as malas que eu não tinha terminado de arrumar, pois tudo havia permanecido muito indefinido até aquele momento. Era tanta coisa que eu precisava me acalmar e fazer uma lista de prioridades.

A colocação da agulha do cateter foi um sucesso. Nada de choro, soro fluindo adequadamente. Pelo menos um problema parecia ter sido cortado da lista.

Precisávamos marcar os exames. No dia seguinte a internação, Marcos ficou com Ana Luiza no hospital e minha mãe e eu, fomos até o Hospital recomendado pelo médico, a Beneficência Portuguesa de São Paulo.

O exame não era uma simples ressonância e tomografia. Tinha um detalhe que até mesmo as atendentes do setor não estavam tão familiarizadas: Protocolo de neuronavegação. Foi uma confusão total. E conseguir fazer com que as atendentes me dessem uma informação correta, foi um teste a minha paciência. Mas respirei fundo várias vezes enquanto era mandada de um lado para o outro. Conversei calmamente com as atendentes. Finalmente conseguimos nos entender e após quase 2h no hospital, conseguimos agendar os exames, para as datas solicitadas pelo médico, nos dias 10 e 11 de janeiro de 2011.

Ser mandada de um lado para o outro, ter informações desencontradas e perder quase 2h para agendar um exame, seria algo que me deixaria extremamente chateada há alguns meses atrás. Mas naquele momento, ao sair da Beneficência Portuguesa, não deixei de imaginar as dificuldades que outras mães, muitas vezes sozinhas, passavam com seus filhos. Eu estava com minha mãe, meu marido cuidando da pequena no hospital e o único problema que eu estava tendo era a dificuldade para agendar os exames. Esse era meu problema.

E quantas mães, naquele momento, não tinham alguém que pudesse ajudá-las nos cuidados com seus filhos doentes? Quantas famílias, viam seus filhos enjoando os alimentos do dia a dia em virtude da quimioterapia e não tinham condições de comprar uma comida diferente, que apetecesse o paladar dos pequenos? Quantas mães, tendo que abandonar seus empregos, tentavam sobreviver através de doações ou ajuda de instituições?

Na verdade eu me envergonhei por ter ficado chateada. Não que eu não possa demonstrar insatisfação ou apontar defeitos que precisam ser melhorados, mas não tenho o direito de achar que aquilo é o suficiente para me deixar de mau humor ou simplesmente acabar com o meu dia. E meditei também sobre o tipo de tratamento que damos as pessoas. Aquelas atendentes, não faziam ideia do que estávamos passando e o desinteresse em resolver as coisas, para elas não significava nada. Poderia ser diferente? Poderíamos nos importar verdadeiramente com as pessoas, mesmo ela sendo desconhecidas? Por que temos tanta dificuldade para se colocar no lugar dos outros? Uma ida ao hospital e tive diversas lições pra minha própria vida. Tudo é, definitivamente, uma questão de perspectiva.

Enfim, faltava o exame mais importante: A arteriografia com oclusão da carótida. O resultado deste exame definiria se a cirurgia ocorreria ou não. Minha mãe e eu fomos até o setor de hemodinâmica da Beneficência Portuguesa. Chegando lá, fui informada de que os exames só poderiam ser agendados a partir do dia 06/01/2011 e que tal exame somente poderia ser realizado com o paciente internado no hospital. Para tanto o plano exigia 12 dias úteis para autorizar o procedimento.

Respirei fundo, contei os dias, excluí os feriados/festas de fim de ano e vi que estávamos com um grande problema nas mãos.

Precisávamos do resultado deste exame na data da consulta de retorno com o cirurgião, no dia 04/01/2011. Portanto tínhamos exatos 14 dias corridos para conseguir agendar o exame e conseguir a autorização do plano de saúde. Somente através do resultado deste exame teríamos uma definição sobre a realização da cirurgia.

Liguei para o Marcos e disse que não tinha conseguido marcar justamente o exame mais importante. Como iríamos para Belo Horizonte no dia 24/12/2010, perguntei a ele sobre a possibilidade de agendar o exame lá. Ele achou a ideia perfeitamente possível. Ligou para vovó Eliane e pediu que ela tentasse agendar a arteriografia em um bom hospital. Ela ligou para a Fernanda, prima do Marcos que é médica, para pedir que ela indicasse um hospital e ajudasse a marcar o exame com certa urgência.

Algumas coisas nunca vamos compreender completamente, mas sem dúvidas, tudo nesta vida tem um objetivo, um propósito. Exatamente naquele dia, a Fernanda havia passado mal e estava internada no hospital Biocor, para tentar descobrir a causa de uma inexplicável dor abdominal.

O Biocor é dos melhores hospitais de Belo Horizonte e referência para procedimentos cardíacos e vasculares no Brasil. Como ela estava lá exatamente no momento da ligação, entrou em contato com um amigo médico cardiologista (Dr. Raul) que trabalhava no setor onde são realizados estes exames. Fernanda ligou para o Marcos, anotou o nome completo de Ana Luiza, o número da carteirinha do plano de saúde e passou as informações para o Dr. Raul. Tudo parecia estar sendo providenciado e o exame ficou agendado para o dia 29/12/2010.

A dor abdominal da Fernanda foi embora naquele mesmo dia e a causa continua misteriosa até hoje. Mas todos reconhecemos que foi uma dor de barriga providencial.

A quimioterapia continuava tranquila. O primeiro dia ocorreu dentro do esperado: muitas náuseas e as energias de Ana Luiza sendo consumidas a medida que os medicamentos eram aplicados. É de partir o coração, você não poder fazer nada enquanto seu filho vomita, sem ter exatamente o que vomitar. Tomar água era o suficiente para que ela vomitasse. Apesar dela já ter feito alguns ciclos de quimioterapia, aquilo ainda me assustava muito.

No segundo dia, notamos que o hospital já estava ficando vazio... somente as crianças em estado muito grave estavam sendo mantidas internadas, afinal o natal estava chegando e os médicos pareciam fazer questão de que cada uma delas passasse as festas de fim de ano ao lado da família. Um dos oncologistas, parecia empenhado em nos convencer a ir para BH. Disse que seria importante pra ela e enfatizou que em Belo Horizonte, existiam excelentes hospitais que poderiam recebê-la, caso ela apresentasse alguma intercorrência. Além disso, seria muito bom para Ana Luiza ter momentos agradáveis depois de um período tão longo fazendo um tratamento tão agressivo.

Pelo fato da quimioterapia ter sido mais curta, Ana Luiza recebeu alta no dia 23/12 e fomos pro apartamento terminar de arrumar as malas para no dia seguinte, irmos de carro até Belo Horizonte. A ansiedade da pequena era muito grande. Demorou a pegar no sono e acordou as 3h30min da manhã perguntando se já estava na hora da viagem. Mas eu a compreendia perfeitamente. Há exatos 3 meses Ana Luiza estava vindo de Manaus para São Paulo em uma UTI aérea. Durante todo esse tempo, entrou numa rotina totalmente desgastante. Nas poucas ocasiões em que podia sair de casa, não podia brincar com crianças, muito mesmo chegar perto de brinquedos públicos.

A ida para BH seria uma espécie de indulto de fim de ano. Durante todo esse longo período em SP, pouquíssimas vezes Ana Luiza brincou com alguma criança e ela estava sentindo muita falta disso. Ao chegar em BH, ficaria rodeada de tios e tias. E por ser a única criança da família Varella, seria altamente paparicada, como sempre era quando viajava de férias. Um dia em BH, nos custaria três dias tentando reeducá-la. Além disso, ela poderia brincar bastante com a pequena Mariana, filha de um casal de amigos da família.

Foram momentos muito agradáveis, que há muito tempo não vivenciávamos. Nada demais, afinal a maioria das pessoas, na época das festas de fim de ano, estão em família, compartilhando momentos agradáveis, presenteando e sendo presenteados. Mas para cada um de nós, Marcos eu e Ana Luiza, esse natal foi muito especial. Além de estarmos na companhia de nossos pais e de pessoas maravilhosas, a pequena estava radiante e sem sentir qualquer efeito da quimioterapia. Nada de náuseas, mucosas sensíveis e dificuldade para ir ao banheiro. Ao contrário. Ela estava se alimentando super bem, se divertindo muito com as visitas e principalmente com os presentes de natal. A viagem realmente foi terapêutico. O oncologista tinha razão.

Após o final de semana e as comemorações de natal, Marcos e eu fomos até o Hospital Biocor para verificarmos o agendamento da arteriografia. Infelizmente fomos informados que o procedimento ainda não havia sido autorizado, pois tínhamos agendado o exame fora do prazo de 12 dias úteis exigidos pelo plano de saúde e que, por este motivo, provavelmente teríamos o pedido do exame negado.

Perguntei ao atendente, o valor médio do exame, pois em último caso pagaríamos particular, mas somente os materiais utilizados no procedimento custavam aproximadamente 13 mil reais, excluindo internação, médico e o exame propriamente dito. Respiramos fundo e começamos as ligações, e-mails e mensagens na internet.

Teve início uma batalha para tentar conseguir aprovar o procedimento. E para piorar, nós havíamos informado o número da carteirinha de Ana Luiza, errado. No meio do tumulto do agendamento dos exames, informamos o número da minha carteirinha, ao invés do dela. Mas após a intervenção do RH da empresa onde eu trabalho e após o Marcos tem mencionado o caso no twitter do Bradesco Saúde, rapidamente tudo foi autorizado.

Na data e horário agendados internamos para fazer o exame. Ela estava apreensiva, chorou um pouco na hora que a deixamos na sala de exame. Mas se saiu muito bem. O enfermeiro que acompanhava o exame ficou impressionado com a pequena e veio nos cumprimentar, dizendo que ela era muito inteligente, educada e que ajudou muito durante o procedimento.

Sempre fui muito orgulhosa pela filha perfeita que Deus me deu. Acho que todo mãe, tem um verdadeiro orgulho natural de seus filhos e sempre os acha perfeitos. E minha Ana Luiza não seria diferente pra mim.

Desde muito pequenininha, tinha um jeito diferente. Sempre foi muito sorridente e engraçada, fazia mil caretas e imitações. Aos 4 meses de idade, já tentava se manter sentada sem apoio e batia palminhas. Uma amiga, na época, perguntou se eu deixaria Ana Luiza estrelar a propaganda de uma loja de bebê. Após alguma insistência, lá fui eu levar a pequena para ser filmada.

Vesti Ana Luiza com as roupas da loja, mas ela não queria saber de rir, nem de fazer gracinhas. Só ficava olhando os desenhos colorido no teto da loja, com um ar apreensivo. Assim que puseram ela no berço e ligaram aquelas luzes fortes pra começar a filmar, eu tive certeza que ela cairia em prantos. Que nada! Ana Luiza começou o espetáculo. Radiante, deu vários sorrisos banguelas, dava gargalhadas e batia palmas. Surpreender sempre foi o forte da pequena. Diversas vezes ela contrariou minhas expectativas e dentro de mim, eu tinha muita convicção de que, com relação a esta doença terrível, ela não seria diferente. Com certeza ela nos surpreenderia diversas vezes, principalmente aos médicos. Os mesmos médicos que nos transmitiram a notícia mais devastadora de nossas vidas, ao afirmarem, sem conseguir nos olhar no olhos, que nossa filha tinha 80% de chances de falecer durante o tratamento, ainda teriam que reconhecer o quão surpreendente ela era.

Quando ainda tinha pouco mais de 2 anos completos, Ana Luiza começou a frequentar a escola, a turminha era unânime: todos a adoravam e a professoras tinham um carinho muito especial por ela. Com muita facilidade para escrever e ler, aos 4 anos ela foi alfabetizada. No dia da “formatura” ela não foi a oradora. Ela fez o trabalho do mestre de cerimônias. Nós nos divertimos muito com a pequena apresentando os colegas, lendo perfeitamente e com intonação, cada fala, a maioria já decorada. Ela sabia a fala dela e dos colegas. Assistimos o vídeo da formatura e demos muitas risadas. Ela rebatia: “Por acaso sou palhaço de circo, pra vocês rirem tanto?”

Foi na escola também, que algumas mães de coleguinhas da Ana Luiza, vieram me confidenciar que seus filhos estavam “apaixonados”. Ríamos juntas. Ela tinha muitos “pretendentes”, que sempre a presenteavam com lembrancinhas carinhosas. Ela já tinha ganhado pulseiras, chocolates, balas, figurinhas e até carrinhos... Mas detestava que falássemos sobre o assunto. Até hoje, tem verdadeiro asco a palavra namoro e disse que nunca vai namorar. Marcos agradece, dizendo que vai filmar e usar as afirmações contra ela no futuro. Os dois dão risadas juntos, claro.

Deus me deu uma filha perfeita e dizer que ela é a melhor filha do mundo, não seria um exagero. Vários amigos nos perguntavam o segredo da criação de Ana Luiza. Eu dava risadas e me limitava a dizer que o mérito era dela, com uma boa ajuda do Marcos, que sempre foi mais disciplinador e que me ajudou muito na educação da pequena.

Se dependesse somente de mim, teria transformado-a numa pequena tirana aos 2 anos de idade. Pois na tentativa de preencher qualquer lacuna, pois a criava sozinha e trabalhava o dia inteiro, eu a mimava e fazia todos os gostos. Ledo engano. As crianças querem muito mais da vida e não somente mimos.

Ana Luiza sempre foi muito divertida e carinhosa. Sempre demonstrou maturidade, criatividade, inteligência e principalmente bom humor. E creio que todos esses atributos vem sendo muito importantes para vencer essa guerra desigual, contra um câncer extremamente agressivo.

A pequena saiu do exame muito chateada. Ficou com as pernas imobilizadas, pois o acesso foi através da artéria femoral e portanto, precisava utilizar um curativo compressivo que a incomodava bastante. Ela chorou muito, dormiu mal e disse que nunca mais ia voltar naquele “hospital horrível” pra fazer o “pior exame do mundo”. Disse que ia ter uma “conversa séria” com o cirurgião. Foi inevitável rir do vocabulário dela, mas ela tinha razão: O exame realmente foi muito desconfortável pra ela.

No dia seguinte, Ana Luiza recebeu alta do hospital e fomos para Lagoa Santa, casa de campo dos pais do Marcos, onde passamos o Réveillon. Apesar de ainda sentir dor e ter hematomas nas virilhas, ela já conseguia andar quase normalmente e estava muito animada, pois adorava a casa, o jardim, a piscina e principalmente os presentes que ainda iria ganhar dos amigos que nos visitaram.

Foram dias maravilhosos. Passamos momentos muito agradáveis com nossa filha. Ana Luiza estava ótima, sentindo-se super bem, alimentando-se adequadamente, não precisou tomar nenhum remédio, não teve qualquer complicação nas mucosas, brincou com crianças da idade dela, ganhou muitos presentes e, quando falávamos no momento de voltar para São Paulo, ela imediatamente dizia que não queria voltar. Decidimos programar a volta para o dia 1º de Janeiro de manhã, pois as estradas ainda estariam relativamente vazias.

Quando faltavam 10 minutos para a virada do ano, eu e Ana Luiza nos deitamos em uma das redes da varanda em frente a piscina. O céu não estava tão estrelado, mas aguardávamos as queimas de fogos que os vizinhos fariam e de onde estávamos ela teria uma boa visualização.

Ana Luiza estava no meu colo, abraçada e embrulhada em um cobertor fininho. Ela estava agitada e ansiosa para ver os fogos, mas por um momento, sem que eu pedisse, ela ficou quietinha. Apenas me abraçava. E naquele momento agradeci a Deus pela vida dela. Pela chance de passar mais um ano ao seu lado. Pelas vitórias até aquele momento. E não deixei de fazer o único pedido que apertava meu peito: “Cura minha filha, meu Deus!”

Os fogos começaram antes da hora. Ansiosa, Ana Luiza levantou da rede e todos foram até a borda da piscina para visualizarem melhor as luzes que iluminavam o céu ainda nublado. Ela gritava de felicidade a cada cor e explosão diferente e, todos nós, pais, avós e um casal de amigos, nos abraçando e nos cumprimentando, recebíamos o novo ano. No coração de cada um deles, eu tinha certeza sobre quais eram seus desejos: Vê-la saudável novamente, pois feliz, ela definitivamente, sempre foi.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

01 a 21 de Dezembro de 2010

Embora o passeio para a praia tivesse sido muito bom para Ana Luiza, ainda era muito doloroso pra mim, ver que minha filha não tinha mais uma vida completamente normal e que o tratamento estava apenas começando.

Há pouco mais de 2 meses, Ana Luiza curtia sua vida normalmente: Balé, capoeira, escola, festinhas, passeios, guerra de balão d'água, caça ao tesouro, esconde-esconde.... E hoje, sua rotina tinha se transformado em agulhadas semanais, remédios, náuseas, queda de cabelo, fraqueza, falta de apetite, gengivas e outras mucosas afetadas, quimioterapia, exames...

Apesar de saber que ainda estávamos apenas no começo de uma grande luta (não havíamos completado sequer 3 meses de tratamento), meu coração se sentia exausto. Em alguns momentos eu parava pra pensar e ainda tinha muita dificuldade em acreditar que nossa vida tinha se transformado tanto. Eu não podia me dar o privilégio de ficar triste e deprimida, ao ver que minha filha, enfrentando as dores físicas de um tratamento tão agressivo, esbanjava felicidade.

Enquanto eu pensava bobagem e ficava me lamentando, Ana Luiza corria na praia. Estavam todos jogando bola, tentando alegrar a pequena, quando me veio na cabeça, aquela frase super batida: “tudo na vida é passageiro”.

Mas o que a gente sempre pensa é que só o sofrimento é passageiro. Nunca pensamos que momentos felizes e agradáveis, também são passageiros. E que a gente deve curtir cada um deles com toda a intensidade possível e aprender tudo o que pudermos. Jogar bola com o filho é uma coisa tão trivial, mas quando a gente é sacudido bem forte, algumas coisas se tornam muito claras e tudo, absolutamente TUDO, passa a ter um significado diferente.

Um simples passeio a praia, sem direito a entrar no mar, sem fazer castelo de areia e sem catar conchinhas, se transforma em um momento muito divertido, e todos os passeios feitos antes da doença parecem ter sido pouco aproveitados.

Mais um ciclo de quimioterapia

Bom, chegou mais um dia de internação programada. Mal saímos de uma internação por causa dos efeitos da quimioterapia e já voltamos para o hospital. Ainda não consigo compreender, como minha pequena processa todos esse sofrimento. Acho que as crianças possuem um mecanismo de defesa totalmente misterioso, pois apesar de todo o sofrimento que a figura do hospital trazia, Ana Luiza nunca deixou de compreender a importância de continuar firme no tratamento. Ela chorava e reclamava por alguns minutos e rapidamente parecia entender que sua vida dependia do tratamento. Por mais terrível que ele fosse, viver era mais importante.

Ao entrar no hospital, todas as vezes, ela cumprimenta a todos. Exatamente como fazia quando entrava no Adalberto Valle de manhã. Fala com os seguranças, as recepcionistas, as ascensoristas, os funcionários, as enfermeiras... E abraça todos eles. Já decorou o nome de muitos, mas quando esquece, dá aquela olhadinha discreta no crachá e chama cada pessoa pelo nome. Uma lição de vida, aos 7 anos. E sinto um orgulho enorme da minha princesa. Para Deus cada pessoa é importante individualmente, mas porque temos tanta dificuldade para dar importância para todas as pessoas individualmente? Mal conseguimos decorar o nome do porteiro do prédio...

Esperamos muito até subirmos para o quarto. Marcos e eu estávamos cansados de esperar, mas a pequena ligou o videogame portátil e parecia tranquila. O presente do tio Kon e da tia Thamysa realmente foi providencial e um passatempo maravilhoso para a pequena nesses momentos.

Subimos para o apartamento e Ana Luiza foi recebida pela tia Yelma, uma das enfermeiras que tem cuidado da Ana Luiza até hoje. Assim como todas as enfermeiras, ela tem sido maravilhosa, carinhosa e muito simpática com a pequena. Ana Luiza iniciou a hidratação e os medicamentos pré-quimioterapia.

Assim que subimos, recebi a visita da esposa de um grande amigo dos tempos de infância. Ela não veio apenas conhecer Ana Luiza e trazer forças espirituais pra gente. Raphaelly teve a chance de conversar com a pequena e mostrar a cicatriz em sua cabeça, de uma cirurgia para a retirada de um tumor benigno.

Enquanto ela procurava a cicatriz no meio da linda cabeleira, notei no rosto de Ana Luiza, um interesse muito grande em ver a cicatriz. Constatei, como havia notado anteriormente, que Ana Luiza ainda estava muito preocupada com a cabeça careca e uma cicatriz após a possível cirurgia. Naquele instante, notei que a pequena vislumbrou que sua vida poderia voltar ao normal. Vi no rosto dela, a alegria ao notar que a cicatriz ficava escondida e que o cabelo nasceria de novo. A visita da Raphaelly foi muito importante neste sentido e talvez ela nem saiba disso. Mas Ana Luiza começou a encarar melhor a possível cirurgia depois daquela visita.

A quimioterapia foi tranquila. Ana Luiza ficou nauseada e vomitou bastante como de costume, mas seria a última vez que ela receberia uma das drogas (doxorrubicina, administrada durante 6h em Ana Luiza). Ela detestava quando as enfermeiras entravam no quarto trazendo esta droga. Por ser fotossensível, ela vem numa capa especial. Além disso, como precisava ser aplicada em exatas 6 horas, ela era aplicada através de uma bomba de infusão. Só de olhar o aparato, Ana Luiza começava a chorar. Ela parecia saber que aquele medicamento a deixava tão devastada e abatida.

A cada 21 dias, minha princesa internava no hospital, fazia 2 dias de quimioterapia, utilizando 4 drogas. Ela continuaria no mesmo esquema, mas a tal Doxorrubicina, não seria mais aplicada. Ana Luiza não parecia feliz com a notícia. Ela queria mesmo era acabar com aquilo, pois como ela mesmo dizia: “É essa quimioterapia burra que me deixa doente!”

O sorriso, a alegria e o otimismo da pequena, pareciam ir embora no exato momento que a quimioterapia começava. Aquilo parece tirar todo o entusiasmo do ser humano. Ver minha filha chorar de tanta ânsia de vômito e mal estar é muito difícil. Acho que nunca conseguirei me fazer compreender. Somente pais e mães que vivenciam isso com seus filhos, podem dimensionar minha dor.

Terminado mais um ciclo de quimioterapia, fomos pra casa. Agradecendo muito por tudo ter dado tão certo e torcendo para que ela não tivesse tantas reações ou febres que nos obrigassem a voltar para o hospital.

Fomos a consulta pós-quimioterapia e os exames de sangue estavam adequados, mas com a imunidade já decaindo. Totalmente esperado. Durante a consulta o médico disse que possivelmente Ana Luiza seria submetida a mais uma aplicação de quimioterapia no dia 22 e 23 de dezembro, antes de fazer a cirurgia.

Os resultados dos exames de imagem mostravam que aquele era o momento da cirurgia, mas estávamos na véspera das festas de fim de ano e reunir uma equipe tão grande, poderia ser muito difícil. O médico oncologista, esclareceu que o protocolo de tratamento de Ana Luiza, dizia que ela deveria fazer a cirurgia para a retirada do tumor imediatamente após os resultados dos exames de imagem, mas em virtude da situação, ela faria mais um ciclo de quimioterapia e posteriormente, operaria.

Perguntamos sobre a possibilidade de passar o Natal e o Ano Novo com nossos familiares em Belo Horizonte e ele disse que não teria nenhum problema e caso ela tivesse alguma intercorrência, teríamos diversos bons hospitais para levá-la.

Conforme as orientações dos médicos, providenciamos as autorizações junto ao plano de saúde e no dia 21/12/2010 Ana Luiza internaria para mais um ciclo de quimioterapia. A princípio, passaríamos as festas de fim de ano com parte dos nossos familiares e a cirurgia com certeza seria somente em meados de janeiro.

Ficamos em casa mais alguns dias. Ana Luiza se mantinha entretida com as dezenas de brinquedos que ganhou ao longo dos meses e também com os DVDs que alugávamos da locadora próxima de casa. Toda vez que eu ia até a locadora, o dono, que já nos conhecia, perguntava por ela. A preocupação genuína dos desconhecidos (ou menos íntimos, vamos dizer assim), era algo que me impressionava. A história de Ana Luiza realmente comovia, mas as pessoas retribuíam com muita esperança e força, ao invés de pessimismo e pena.

Internação em Virtude de Efeitos da Quimioterapia
Bom, por maior que fosse o cuidado, não tinha jeito. Exatamente no 12º dia após a aplicação da quimioterapia, a imunidade despencava e Ana Luiza precisava voltar ao hospital por causada febre.

Fomos para o hospital e a rotina recomeçou. Ana Luiza não queria ir para o hospital. Chorou muito e insistia para que eu conferisse a temperatura de novo: “Mãe, foi a blusa... ficou 38ºC por causa da blusa. Eu tirei. Vê de novo, por favor!!” Meu coração ficava arrebentado, mas não teve jeito. Tivemos que ir. Marcos conversou com ela e explicou, com todas as letras: “Filha, se a sua febre for por causa de alguma bactéria, você pode morrer muito rápido, pois no seu corpinho não tem nenhum soldado para combater a bactéria, entendeu?”

Ela entendeu. Perfeitamente. Simplesmente parou de choramingar, pegou sua mochila, sua boneca preferida (a Branquinha) e correu para a porta. “Vamos logo, vovó!!” Gritava ela.

Chegamos ao hospital e aguardamos alguns minutos na recepção. Na mesma sala em que estávamos, tinha uma senhora, de seus 70 anos, acompanhando uma pessoa que estava em tratamento. Ela ficou encantada com Ana Luiza, que estava super falante (e quando está nervosa, fala mais ainda!), lendo os cartazes, fazendo gracinhas e piadas. A pobre vovó dava gargalhada e ficou muito maravilhada com o espírito da pequena.

A recepção foi enchendo de gente e um homem chamado Rogério, acompanhando seu pai que estava em tratamento, também ficou maravilhado com Ana Luiza. Ele conversou com minha mãe, pegou nosso contato telefônico e disse que ligaria para ter notícias dela.

Eu não sei explicar. Apesar de Ana Luiza ser uma menina absolutamente normal e igual as outras meninas de sua idade, ela tem um carisma engraçado, diferente... Ela chama atenção, mas não gosta de ser o centro das atenções. Adora conversar, contar piadas e brincar, mas fica constrangida quando percebe que tem muita gente olhando. Eu falo que ela está famosa na internet e ela “DETESTA esse papinho de famosa”. Eu tenho vergonha de admitir, mas não consigo entender minha filha completamente. Só sei de uma coisa: ela sempre foi especial e agora está se tornando ainda mais especial.

Ela entrou na emergência, o médico solicitou os exames de rotina e constatou que, além da imunidade estar MUITO baixa, ela precisaria receber mais uma transfusão sanguínea. Estava anêmica e com as plaquetas muito baixas. O desespero recomeçou: “As veias dançantes”, pensei eu.

Foi desesperador conseguir um acesso periférico no braço para que ela recebesse o sangue. Pela primeira vez na vida, tive vontade de voar no pescoço da técnica de enfermagem que tentava pegar uma veia e não conseguia. Não que ela tivesse culpa, mas meu limite tinha chegado. Não aguentava mais ver a mulher enfiar uma agulha no braço da minha filha e ficar “procurando” uma veia, mexendo de um lado pro outro, sem nenhum sinal de sangue. Não estava mais suportando ver Ana Luiza gritando de dor. Depois da terceira furada, do choro desesperador de Ana Luiza, pedi pra enfermeira parar e chamar outra pessoa.

Veio uma outra enfermeira. Examinou os braços de Ana Luiza, que já estava com os olhos deformados de tão inchados, devido ao choro. Ela olhou, olhou, olhou... depois de uns 10 minutos examinando, ela pegou uma agulha. Eu respirei fundo e Ana Luiza, chorando, contou até 3 (como sempre fazia). Eu fechei os olhos e imediatamente implorei que Deus ajudasse a enfermeira a conseguir uma boa veia.

Bingo. Uma veia excelente. Em segundos o tormento acabou. A própria enfermeira ficou surpresa e respirou aliviada: “Graças a Deus”, nós duas falamos juntas. A cara da enfermeira e o que ela disse depois, me deu um frio na barriga. Ela achava que não ia conseguir, pois a veia era muito fininha e parecia estar bem fraca. Mas eu tive certeza que aquilo foi mais uma benção de Deus. Ele age misteriosamente e eu preciso me acostumar com isso.

Ana Luiza dormiu. Os olhos super inchados e o rostinho deformado pelo choro. Era a primeira vez que via minha filha chorar daquele jeito.

Eu me lembro de já ter chorado assim. Eu era uma adolescente e chorei daquele jeito que você dorme chorando e acorda com as pálpebras duras, de tanto choro. Mas o motivo do meu desespero era tão idiota na época, que era difícil acreditar que eu já tinha chorado desesperadamente por por tão pouco, enquanto minha filha tinha verdadeiro motivos para isso.

Depois de uma demora inacreditável na Emergência, finalmente subimos para o 5º andar. Passei a noite em uma cadeira ao lado da maca de Ana Luiza. Desconfortável era eufemismo. Reclamei muitos com as enfermeiras, mas somente no dia seguinte, após 10h de espera, fomos para o quarto.

Ela estava bem. A internação foi tranquila. As mucosas também estavam razoáveis e ela conseguia se alimentar e fazer cocô normalmente. O médico informou que não foi encontrado nenhum foco de infecção e a febre era apenas em virtude da queda brusca da imunidade. Ela continuaria recebendo os antibióticos e receberia alta quando o hemograma estivesse aceitável.

Um dia antes da alta de Ana Luiza, uma das médicas oncologistas que acompanhavam ela, esteve no quarto e informou que havia ocorrido uma reunião entre a equipe de cirurgiões e oncologistas e que nós deveríamos comparecer para consulta com os cirurgiões, pois talvez Ana Luiza não fizesse a quimioterapia programada para o dia 21/12 e sim, iniciasse os preparativos para a cirurgia. Ficamos meio confusos, pois já tínhamos acostumados com a ideia de ir para BH, mas naquele momento o que mais importava era o tratamento dela. E perder um natal e ano novo com a família era algo tão minúsculo, que não fazia a menor diferença.

Conforme as orientações da médica, fomos até o consultório do cirurgião e conseguimos agendar uma consulta somente para o dia 21/12. Ou seja, conforme a decisão do médico, internaríamos ou não neste mesmo dia para a quimioterapia.
Definição do rumo do tratamento
Chegado o dia, nem havia arrumado as malas para a internação da quimioterapia que estava agendada, pois realmente pensava que o cirurgião nos daria as orientações sobre a cirurgia e que com toda certeza, começaríamos a correr atrás das autorizações e liberações do plano de saúde.

Mas contrariando minhas expectativas, o médico nos atendeu e muito apressadamente disse que a cirurgia, com toda certeza, não ocorreria antes do dia 10/01/2011. Olhou rapidamente os exames de imagem, disse que eles já estavam muito antigos e esclareceu as possíveis sequelas (dentre elas a perda dos movimentos do olho esquerdo e a retirada de uma artéria que irriga o cérebro). Falou que ainda precisaria discutir com os outros médicos, sobre o acesso ao tumor: se seria pelo nariz ou pela cabeça.

Ele nos informou que estava saindo de férias no dia seguinte e só retornaria no dia 04/01/2011. Pediu que agendássemos uma consulta nesta data e que trouxéssemos o resultados de um exame fundamental para a realização ou não da cirurgia, a arteriografia de carótida. Somente após o resultado deste exame, Ana Luiza deveria fazer os exames de imagem com neuronavegação, que mostrariam o tamanho exato do tumor e orientariam os cirurgiões através de algo similar a um GPS, com as coordenadas exatas para acessar a lesão.

Respirei fundo enquanto ele falava e apesar de ter achado o médico um tanto ríspido, o compreendi perfeitamente: Véspera de férias (com certeza merecidas), um caso complicado envolvendo muitos médicos, vários exames para serem solicitados... eu compreendi a situação do médico, mas não consegui deixar de me chatear. Ele estava falando da vida da minha filha e eu precisava ter certeza de que o tratamento dela estava sendo o melhor possível.

Saímos da sala do cirurgião com os pedidos médicos para a arteriografia e para os exames de imagem e fomos correndo até o consultório dos oncologistas. Nenhum deles estava lá. Precisávamos saber se Ana Luiza internaria ou não, para mais um ciclo de quimioterapia. Eu precisava saber, se fazer esse ciclo poderia atrapalhar a realização de algum desses exames, se o fato de adiar ainda mais a cirurgia, não seria um problema, pois estaria “quebrando o protocolo”... Marcos e eu estávamos angustiados e ansiosos por respostas da equipe de oncologistas.

Já estávamos de saída do ambulatório de pediatria, quando apareceu uma das médicas. Bombardeamos ela de perguntas. E após várias explicações, finalmente Ana Luiza internaria para mais um ciclo de quimioterapia. Desta vez, sem uma das drogas mais agressivas, o que talvez não fizesse sua imunidade cair drasticamente como das vezes anteriores.

Fomos buscar (e fazer) as malas para voltarmos ao hospital. Mas em minha cabeça ficava a preocupação: Os prazos exigidos pelo plano de saúde. Ficava, a todo tempo, pensando se teríamos problemas e principalmente, se conseguiríamos agendar os exames dentro das datas exigidas pelo cirurgião.

Evitava pensar na cirurgia em si. Afinal ainda tínhamos um longo caminho com as autorizações, agendamentos e liberações do plano. Mas saber que minha filha teria sequelas e que o pós-cirúrgico seria bastante difícil me dava falta de ar. Eu precisava entender que a cirurgia era importante e que fazia parte da cura de minha filha. A vida dela era mais importante que qualquer sequela e juntos, superaríamos qualquer desafio. Marcos e eu nos concentramos nos agendamentos e deixamos para pensar na cirurgia em si, somente 2011, que sem dúvidas seria um ano especial pra todos nós.