sábado, 23 de julho de 2011

De 26 de Abril a 31 de Maio de 2011

Depois de arrumar todos os cacarecos de volta nos armários do apartamento do tio Cláudio, finalmente poderíamos fazer uma refeição bem ao gosto de Ana Luiza: comida feita no fogão, como ela dizia.

Mas apesar de todos os esforços, Ana Luiza não conseguia recuperar os quilos perdidos. Ela ainda comia muito pouco e submetendo-se a radioterapia ainda tinha náuseas e uma certa falta de apetite, ambas causadas pelos efeitos do tratamento. Mesmo com toda a criatividade da vovó, ela ainda se alimentava muito pouco.

A radioterapia do crânio seguia bem. Ana Luiza fez amizade com todos os pacientes que também faziam tratamento no mesmo horário. Diariamente, ela conversava, abraçava e cumprimentava os novos amigos. Todos, muito mais velhos que ela. Era muito engraçado ver como ela se relacionava bem com os amigos, todos acima de 40 anos. Gostava de mostrar os brinquedos, os joguinhos, fazia cartinhas e desenhos. Ana Luiza nutria um carinho todo especial pela Denise e pelo Sr. Humberto, dois seres humanos incríveis que estiveram conosco nessa fase do tratamento, cada um segurando o seu fardo, mas sempre com um baita sorriso no rosto.

Todos os dias a rotina era a mesma. Diariamente, no início da tarde, a gente pegava um táxi (e ela também ficou amiga de todos os motoristas do ponto de táxi próximo ao apartamento, em especial o Sr. Walter, que se tornou um grande amigo da pequena), entrava no hospital, depositava os cupons fiscais na urna localizada na recepção, cumprimentava as recepcionistas e seguranças do bloco B, subia até o 5º andar, fazia suas provas e atividades da escola e, por fim, descia até o 1º subsolo, para aguardar o seu horário de tratamento.

Assim que ela chegava lá e pegava uma senha, o salão se iluminava. Ela arrancava sorrisos de todos, sempre cumprimentando todo mundo, abraçando os amigos e indo direito ao balcão de atendimento, onde ajudava os atendentes, que também já eram seus amigos.

Todos tinham muito carinho por ela. E era recíproco. Ana Luiza adorava conversar com cada um deles. Muitos confessavam que a pequena era a alegria do setor de radioterapia. Que com seu jeito cativante e sereno, tornava tudo muito mais fácil. Vários pacientes que precisavam irradiar a região de cabeça e pescoço e necessitavam utilizar a mesma máscara rígida que Ana Luiza utilizava, não tinham a mesma desenvoltura da pequena.

Ana Luiza nunca precisou de sedação. Mas vários adultos precisavam e quase todas as crianças da idade dela também. E ficar imóvel, usando uma máscara desconfortável, era realmente assustador e em alguns casos, impraticável. Mas Ana Luiza saía do tratamento e ainda tranquilizava os pacientes que estavam iniciando o tratamento: “Pode ficar tranquila, Dona Flor. Não dói nada, só o rosto que fica um pouco amassado.”

Na Escola da Pediatria, onde ela fazia as provas e estudava as disciplinas do 3º ano do ensino fundamental, não dava pra ter certeza de quem se divertia mais, se era Ana Luiza, ou se eram as professoras.

Apesar de ter ficado sem estudar desde setembro de 2010, a pequena não tinha nenhuma dificuldade com os ditongos, hiatos, paroxítonas, que a Prof. Rejane a ajudava a lembrar. As cores primárias e secundárias, graças a Prof. Eliane também foram facilmente estudadas, quer dizer, “brincadas”, afinal tudo com a Prof. Eliane virava brincadeira e ela adorava. A matemática com a tia Iara também era tranquila e ela tirava os números de letra, por assim dizer. As provas de história e geografia com a Prof. Camila também eram fáceis e, eventualmente, ainda sobrava um tempinho pra jogar algum jogo, ou fazer algum desenho. E a Prof. Fabiana sempre presente em todos os momentos, sempre brincando e curtindo a presença da Ana Luiza na escolinha.

Apesar de estar sem estudar há 8 meses, ela não teve dificuldade com absolutamente nada. As professoras arriscavam dizer que ela voltaria pra escola no segundo semestre e ainda seria a primeira da turma. Eu ria. Ana Luiza dava de ombros. Desde muito pequena ela se destacava na sala de aula, mas nem ela, nem eu achávamos que fosse algo extraordinário. Ela continuava sendo a criança linda e meiga de sempre. Ingênua, sincera, comunicativa e carinhosa com os amigos. Aprendeu a ler as primeiras palavras aos 4 anos. Aos 5 já escrevia com letra cursiva e contava até 100. Mas pra ela aquilo era normal. Ela nunca se achou especial e eu, também achava que eu não deveria tratá-la como diferente. Ela sempre me pareceu apenas uma criança inteligente. E me preocupava essa “aceleração” do aprendizado. Mesmo tão capaz intelectualmente, ela ainda era uma criança muito nova e agia exatamente como uma criança de 5 anos. Nunca foi estimulada a ser precoce. As professoras me garantiam que estavam indo na velocidade dela. E eu aceitava assim.

Os dias corriam tranquilos. Ana Luiza sempre muito animada, contagiando todo mundo com sua alegria e simpatia. A cada dia, a cada sessão de radioterapia concluída, nos aproximávamos do momento tão esperado: o fim do tratamento e o retorno para Manaus. Ainda havia uma pequena jornada, pois ainda faltava a radioterapia do tórax e da coluna dorsal, mas já havíamos estado mais longe. Estar próximo do fim, gerava uma ansiedade boa e uma certa insegurança de como seria nossa nova vida. Mas sem dúvidas, o maior sentimento, era a alegria nos corações de todos da família.

Todos os dias, na hora de ir embora do hospital, ela nunca caminhava a meu lado, sempre andava muito a frente, sempre cumprimentando os funcionários do hospital que iam passando. Cumprimentava as zeladoras, os funcionários do Banco de Sangue, as enfermeiras, os médicos e as moças que levavam as refeições nos quartos. Se encontrasse um dos médicos, parava pra conversar. Mas sempre que chegava até o local onde pegávamos o táxi para voltar pra casa, ela sempre se escondia no balcão das recepcionistas. E os seguranças, sempre davam risadas, entrando na brincadeira da pequena.

Ela era muito querida, eu não tinha dúvidas. E isso sempre me emocionava. Uma criaturinha de 7 anos, que era capaz de conquistar e cativar tanta gente grande, era motivo de muito orgulho pra mim. Mesmo enfrentando seus próprios problemas (nem poucos, nem simples), ela não se fechou em seu mundo, como a grande maioria de nós, adultos fazemos.

A realidade é que muitos adultos, ao enfrentarem um problema, seja ele grave ou não, já tem motivos e desculpas suficientes para simplesmente deixar de dar bom dia. O porteiro fica invisível, seus colegas de trabalho também. Até seus familiares tem que encarar sua auto-piedade. Nada é maior e mais importante do que nossos próprios problemas. Dar um bom dia sincero, quando o nosso próprio dia é um festival de problemas, é para poucos. Fico feliz e muito orgulhosa de saber que minha filha está nesse pequeno e seleto grupo.

Ao final da radioterapia de crânio, faltando uma semana pra o início da radioterapia do tórax e das vértebras e, finalmente o término do tratamento com a remissão completa da doença, tivemos uma consulta de rotina com a médica responsável pelo tratamento de Ana Luiza, que além de ser a chefe do departamento de oncologia pediátrica, havia se tornado uma pessoa muito especial para nossa família, pois mesmo com todo seu pragmatismo, mesmo com uma “casca” mais séria, ela sabia usar as palavras certas e com muita honestidade, nos dava segurança para seguir firme no tratamento.

Os exames de sangue de Ana Luiza não haviam ficado prontos a tempo para a consulta, mas clinicamente ela estava bem e a médica apenas conversou conosco. Uma conversa franca, mas dolorosa. Como eu costumava dizer, essas conversas pareciam aqueles momentos em que você está se deliciando com um bolo de chocolate e vem alguém e joga areia em cima.

Mas a verdade sempre será a verdade e, por mais dolorosa que ela pareça, é importante para nos sustentar. Ninguém sobrevive as custas de uma mentira, por mais que ela seja doce. A honestidade, além de uma virtude, é uma necessidade básica para encararmos esta doença tão nefasta. Na verdade, se a gente parar pra pensar, está máxima serve pra tudo nesta vida.

A médica esclareceu que Ana Luiza estava bem, que ela estava muito satisfeita com a situação clínica dela, mas que uma recidiva do tumor, colocaria tudo a perder, afinal a pequena já tinha utilizado todo o arsenal disponível para combater esta doença, incluindo quimioterapia de altas doses com transplante autólogo de células tronco, modalidade que ainda não havia sido muito bem relata na literatura como sendo eficaz em casos de rabdomiossarcoma metastático. Ela já havia usado diversas drogas e, caso o tumor voltasse a crescer em alguma parte do corpo, Ana Luiza não teria mais chances de cura.

Ouvir esta verdade foi bastante doloroso. Quando falamos de câncer, a palavra cura, é algo ainda muito distante. Mesmo em pessoas que estão livres da doença há anos, o temor a cada exame de rotina, é como um pesadelo que não nos abandona nunca. Usa-se, apropriadamente, o termo “doença sob controle”, como bem esclareceu um dos maravilhosos médicos da Ana Luiza. E apesar de ter a doença sob controle hoje, o amanhã sempre permanecerá desconhecido. Na verdade esse é o mistério da vida. O amanhã sempre será desconhecido, tendo câncer ou não.

Entretanto, estar com a doença sob controle já é algo a ser comemorado. Um tratamento que foi brilhante desde o início, só pode ser comemorado, apesar das verdades incontestes da médica. A série de milagres que vivenciei, me permitem comemorar. O que fica em nossos corações é o desejo de que a doença permaneça sob controle por toda a vida de Ana Luiza. E que este pesadelo, não passe disso: um pesadelo, daqueles que você acorda e respira aliviada tendo a certeza de que tudo continua bem.

Terminada a consulta, fomos almoçar e logo em seguida nos dirigimos para o setor de radioterapia e, quando os exames de sangue de Ana Luiza ficaram prontos, uma das médicas me chamou até o consultório novamente.

O sangue de Ana Luiza estava muito ruim. Aquilo me deu um frio na espinha. Inesperadamente, os leucócitos e neutrófilos estavam muito baixos e, contrariando a minha vontade (e pela expressão da médica, a dela também), aquilo poderia ser uma recidiva do câncer, na medula óssea.

Era sexta-feira. Respirei fundo e, depois de ter ouvido tudo aquilo sobre uma possível recidiva, só me restava ter calma. Chorar ou me desesperar, seria completamente inútil, mas quem disse que a gente controla nosso coração. A sensação que eu tinha, era que ele tinha parado na minha boca. A médica me orientou a repetir o exame na segunda-feira. Caso estivesse do mesmo jeito ou pior, ela seria submetida a uma biópsia de medula óssea.

São nestas horas que a nossa fé é provada. É tolice tentar demonstrar a nossa fé quando tudo está dando certo. Nas dificuldades é que devemos vislumbrar o nosso amor a Deus e o amor dEle conosco.

Comentei com meus familiares, tentando transmitir uma tranquilidade que não existia em meu coração. Mas deu certo. Ninguém estava tão preocupado, nem a própria Ana Luiza, que apenas disse: “Ai, mãe. Isso não é nada demais! Calma, tá?”

Na segunda-feira, acordei do pesadelo. Exames normais. Ufa! Pra ser mãe de Ana Luiza, tem que ter coração forte, pensei eu. Foi apenas um susto, disse a médica com um sorriso aliviado, mas ainda sem compreender o motivo da queda abrupta da imunidade. Talvez jamais saibamos o que causou essa alteração inesperada. A lição que ficou pra mim, é que esta doença tem que ser respeitada. Cura? Só daqui há 5 anos usarei esta palavra. E olhe lá.

Durante este período mais tranquilo (e menos doloroso) do tratamento, afinal Ana Luiza não teve nenhuma intercorrência grave devido a radioterapia, tivemos momentos de muita tranquilidade. Passeamos, nos divertimos em casa e estávamos, literalmente, curtindo o momento. O cabelo, os cílios e sobrancelhas voltando a crescer, traziam de volta o rostinho de criança saudável que ela sempre foi. Um dia, a pequena se olhou no espelho e, modesta, disse: “É... Até que eu estou me achando bonita de novo.” Rimos, as duas, em frente ao espelho do banheiro. Beijei demais aqueles parcos cabelinhos lavados e cheirosos de xampu!

Mas o mundo não para. Hoje estamos encarando o fim do tratamento, enquanto outros estão no meio dos processos dolorosos que invariavelmente levam a cura e, outros tantos, estão apenas iniciando sua entrada neste “mundo paralelo” que é o diagnóstico de câncer. Muitos estão com a doença sob controle há anos, mas continuam tendo seus próprios pesadelos, ao se submeterem a exames de controle, por medo de uma recidiva. Outros choram, pela falta de chances de cura, ao serem incluídos nos Cuidados Paliativos. Outros estão diantes de caixões, perdendo seus entes queridos para esta doença nefasta.

Enquanto a gente curtia momentos de tranquilidade, era impossível não pensar em outras pessoas. E nestes momentos de alegria, qualquer um de nós passa a ter o direito de apenas “curtir nossa felicidade”, não é mesmo? O pensamento da grande maioria das pessoas é: “Eu já sofri bastante. Tenho o direito de aproveitar meu momento. Não quero mais problemas. Vou me envolver com problemas dos outros?!

Mas recebi várias mensagens, vários e-mails, várias ligações e sempre alguém me pedia algum auxílio ou orientação. Pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus. Pessoas desconhecidas. Apenas pediam ajuda. Pra divulgar alguma coisa, pra tentar conseguir uma vaga no hospital, pra agendar uma consulta, pra perguntar o que fazer.

E ao tentar ajudar timidamente, algumas pessoas que me procuravam, passei a presenciar um lado desse "mundo paralelo" que felizmente nunca vivenciei: as dificuldades.

Claro que nós enfrentamos dificuldades. Mas todas as que passamos até aqui, se resumem aos sofrimentos do tratamento em si. Ver minha filha chorar e se angustiar, faz parte do tratamento em busca da cura. É doloroso demais e por vezes parece ser insuportável. Mas esta era a nossa dificuldade.

Os custos nunca foram impossíveis de se pagar. Usamos nossas reservas, inspiradamente guardadas pelo Marcos, desde que nos casamos. Nunca nos faltou também, parentes, familiares e amigos para nos socorrer, nos abraçar e confortar. Até desconhecidos, genuinamente mobilizados, torciam e oravam em favor da pequena. E não eram poucos.

Entretanto, presenciar a negligencia absurda, para com as pessoas mais necessitadas, é MUITO angustiante. Eu não sou Madre Tereza de Calcutá, nem um exemplo de cidadã a ser seguido, mas se você presencia tantas barbaridades e vive sua “vidinha” (e seus próprios problemas) como se as barbaridades não existissem, acredite: Você não é um ser HUMANO. Você é apenas um SER.

Lógico que eu poderia (e estaria no direito) de evitar toda essa carga em cima de mim. Eu já tinha meus problemas e eles eram, de certo modo, muito grandes também. Mas quem é capaz de passar por um câncer infantil e simplesmente voltar a viver a vida como se nada tivesse acontecido? Como não se sensibilizar, quando temos o conhecimento sobre a dor que é encarar um tratamento de câncer, principalmente o infantil?

Me entristecia (além de causar indignação) saber que a grande maioria destas famílias, contava muito mais com a solidariedade dos outros, do que com o governo, propriamente dito. As crianças carentes com câncer não precisam apenas de solidariedade. Elas precisam de dignidade.

Nenhuma família, consegue sobreviver com o dinheiro pago pelo TFD – Tratamento Fora do Domicílio. No máximo, esse valor ajuda com alguma das despesas, mas estar “fora do domicílio”, implica antes de tudo, encontrar um domicílio para ficar. E nisso, as famílias tem que contar com a solidariedade de ONGs e Instituições filantrópicas, que abrigam essas pessoas, depois de critérios (e filas) gigantescas.

E os medicamentos? E o cuidado diário? E a alimentação? E a dignidade?

Sair de sua casa, do conforto do seio da família e dos amigos, para ir em busca de um tratamento, é algo muito triste. Vi muitas mães sozinhas, pais que perderam o emprego, familiares que pularam do barco. Eu vi o que é carência e necessidade, em meio a um problema tão grande.

As coisas, não precisavam ser assim em um país tão rico como o nosso. As crianças acometidas da pior e mais terrível e temida doença, necessitam de mais dignidade e respeito. Num país de dimensões continentais, TODOS os estados da Federação, invariavelmente, buscam o Estado de São Paulo para ter o melhor tratamento e aumentar as chances de cura.

Enquanto eu vejo tantos amazonenses vindo se tratar em SP, é impossível não se indignar com a construção do estádio mais caro da Copa do Mundo de 2014 em Manaus. Vamos tem um estádio moderno (e muito caro), para nossos parcos times se esbaldarem, mas vamos continuar enviando nossas crianças para São Paulo, porque não temos sequer uma UTI pediátrica no único hospital de câncer do Estado.

Temos uma das maiores e mais caras pontes construídas no País (que até hoje ainda não está funcionando), mas continuaremos tendo material hospitalar de péssima qualidade nos hospitais e postos de saúde do Amazonas.

Imaginar que nossa cidade, um dos maiores PIB do País, em pleno 2011, não tem condições de fazer determinados diagnósticos, por falta de estrutura física e capacidade técnica, é simplesmente incompreensível.

Aos dirigentes (e sociedade em geral - sim, também somos responsáveis), cabe apenas dois sentimentos: a indiferença, por acreditarem que tudo está perdido e por isso, dão de ombros à necessidade de tantas famílias e crianças. Ou a tristeza de não conseguirem fazer nada, culpando o “sistema”. Outros continuam e continuarão perpetuando o “lucro” que esta situação lhes proporciona. Outros jogarão a toalha e simplesmente dirão: “Não tem mais jeito”.

Ana Luiza me provou o contrário. Vi milagres. Vi um corpo tomado pelo câncer, voltar a ser um corpo livre de doença, contrariando estatísticas médicas de um dos melhores hospitais de câncer do mundo.

Minha filha me mostrou que é possível, SIM, tornar este tratamento mais humano. Que depende do paciente, mas que depende muito, das pessoas que estão ao nosso redor. O sorriso da recepcionista, o carinho da enfermeira, a atenção do médico. A solidariedade da pessoa desconhecida, a preocupação da mídia, o interesse dos políticos. Tudo isso, é capaz de minimizar a dor, que ela e que nós, familiares, passamos durante os últimos meses.

Mas a verdade inconteste é que a grande maioria dos cidadãos continuará entorpecida pela falta de fé, até um filho/sobrinho/parente/amigo deles adoecer. Essa é a verdade. E a grande maioria dos que são postos à prova ao serem diagnosticados com esta doença desgraçada, se tornam pessoas cansadas. Outras frustradas. E poucas realmente optam por continuar lutando contra o câncer, mesmo quando o seu próprio câncer já foi vencido.

A radioterapia do crânio teve fim. Ana Luiza estava radiante. Nada de máscaras amassando o rosto. Comemoração de todos nós. No dia seguinte iniciou-se a última etapa do tratamento: radioterapia do tórax e das vértebras.

Os médicos estavam felizes, os outros pacientes (tornados amigos), também comemoravam. Sempre que alguém concluía o tratamento e entrava na fase de acompanhamento/controle, era uma grande festa.

A felicidade e a ansiedade estampadas em minha cara, eram incontroláveis. Pouco mais de um mês, era o tempo que nos separava de nossa casa. E durante nosso momento triunfal, onde caminhávamos rumo a vitória, onde tudo era alegria... ao nosso redor, algumas coisas não estava dando muito certo.

A maioria de nós, tomaria a atitude mais comum: “Vou deixar de aproveitar minha felicidade, por causa da infelicidade dos outros?” Quantas vezes deixamos de compartilhar a dor dos outros, simplesmente porque não queremos perder nossos clima de “festa”? Eu estou feliz e lá vem aquele meu amigo triste, com seus problemas...

O que faz a diferença agora, é que sabemos que a tristeza de um amigo hoje, pode ser a minha tristeza amanhã.

Soraya, mãe da linda Giulia, nos avisou sobre uma piora repentina da pequena. Internada na UTI, o câncer de Giulinha parecia ter voltado a crescer. Uma dor sem medida atingiu meu coração. Seus pais, inconsoláveis, seguiam firme ao lado dela, lutando por sua vida. A matéria na revista Veja SP, mostrava uma criança feliz, se tratando de um câncer. Poucas semanas após a entrevista, a doença havia dado uma reviravolta. “Como somos frágeis e limitados”... pensei. E Giulia seguia internada na UTI do GRAAC-SP. E seus familiares apreensivos, seguiam tentando dar forças uns aos outros. A mim, cabia apenas, o papel de um amigo: Estar ao lado deles e me colocar a disposição para o que fosse necessário.

Num destes dias de visita, levei Ana Luiza comigo até o GRAAC-SP e ela, impedida de visitar Giulia na UTI, apenas escreveu um bilhete para Giulia e para seus pais. Paulo, pai da pequena Giulia ficou muito emocionado. A preocupação da minha pequena, não era com Giulia. Era com os pais dela. E ela estava certa. Nestas horas, quem sofre somos nós. Giulia seguia sedada e lutando para viver, tendo os melhores profissionais ao seu dispor. O sofrimento maior residia no coração daqueles pais. E era impossível dimensionar aquele desespero.

Em meio a tudo isso, o Celso, amigo da família, internado a longos dias, faleceu vítima de um câncer no pâncreas. Ana Luiza ia visitá-lo diariamente. Na época da internação de fevereiro/março/abril, quando ela ficou 47 dias internada, o Celso também estava internado. Na ocasião, Ana Luiza tinha feito um “plano de fuga” pra ele. Ele fugiria do quarto do hospital usando um balão de ar quente, enquanto ela fugiria usando balões de gás hélio! Demos muitas risadas, era impossível resistir ao bom humor da Ana Luiza!

Mas toda tarde, ao sair da Radioterapia, nós visitávamos o Celso. Muito fragilizado e já enfrentando seus últimos dias, Ana Luiza entrava no quarto dele dizendo: “Celso, você tá muito magro! Tem que comer mais! As enfermeiras estão fazendo você passar fome, né?”

Era doloroso vê-lo definhar. Mas Ana Luiza não via uma pessoa definhando. Ela via alguém que precisava de forças. E no final das contas, é isso mesmo que temos que fazer. Temos que continuar dando forças e continuar tendo fé, mesmo ao ver um corpo fraco e extremamente debilitado. O espírito precisa se manter forte e temos capacidade de fortalecê-lo com nossa fé.

Ana Luiza via apenas via um corpo que precisava de alimento. Ela não via a morte iminente. Sem querer, ela me dava mais um “tapa na cara”.

Quando dei a notícia de seu falecimento, Ana Luiza pareceu não se importar. Levantando os ombros e virando a cabeça para o lado, como quem diz: “fazer o quê, né?!” ela apenas disse: “Tá bom...” e continuou assistindo TV.

Fiquei um pouco surpresa com a atitude dela. Aos olhos ignorantes de uma mãe em aprendizado, poderia concluir que ela não tinha tanta afinidade com o Celso, ou que era indiferente à sua morte. Na verdade, a atitude dela era de naturalidade. A atitude real de uma pessoa que crê numa vida plena, longe desta Terra deveria ser essa. Morrer é apenas uma etapa da vida. E quando temos a certeza de que existe algo infinitamente melhor nos aguardando, entristecer-se e indignar-se, parece algo paradoxal.

A objetividade das crianças é uma das coisas mais maravilhosas deste mundo. Uma pena que a gente deixa de ser criança tão cedo e, o pior: tem pais que incentivam a maturidade precoce, exigindo de seus filhos atitudes que não lhes pertencem.

Três dias após esta notícia tão triste pra mim e muito dolorosa especialmente para minha mãe, que se colocou a inteira disposição da esposa do Celso, auxiliando-a com os trâmites burocráticos do envio do corpo para Boa Vista-RR, recebo mais uma pancada: Giulinha, com menos de 2 anos de idade, falecia vítima de um neuroblastoma avançado.

Antes de sair de casa para ir até o GRAAC-SP encontrar com os pais de Giulia e prestar minha solidariedade, expliquei para Ana Luiza, que Giulia tinha falecido. E mais uma vez ela apenas disse: “Tudo bem. Vá lá ajudar os pais dela.

Respirei fundo e, tentando ter pelo menos metade da força da minha filha, cheguei no hospital e encontrei com os familiares da pequena Giulia, que chorando me abraçaram. A pequena Giovana, irmã mais velha de Giulinha, de 8 anos, no meio de tudo aquilo, me afligia. Como suportar a dor da perda? Era a pergunta que não saía da minha cabeça. Como eles conseguirão seguir em frente?

Assim que Soraya saiu do elevador, a abracei forte e foi inevitável não derramar lágrimas. Diante de uma mãe que perdeu um filho, nada que você fale, é capaz de diminuir a dor no coração. Sendo mãe, apenas me coloquei em seu lugar e ao imaginar a perda de minha Ana Luiza, conseguia vislumbrar aquele sofrimento absurdo.

Me coloquei a disposição da família. Auxiliei nos trâmites relativos ao embarque do corpo para Manaus, confortei familiares e também fui até o apartamento deles, para ajudar com as malas. Antes de sairmos do hospital rumo ao apartamento, Soraya segurou minhas mãos e disse algo que me desmoronou: “A vitória da Ana Luiza será a vitória que minha filha não teve! Te amo, minha amiga e conte comigo sempre!”

Ouvir aquilo dilacerava meu coração. Que doença terrível, meu Deus! Que dor absurda aqueles pais estavam sentindo. Ao ver o Paulo, pai de Giulia, chorando desesperado, pude visualizar o amor que eles sentiam pela filha. Que sofrimento absurdo! E em pensamento, pedi o consolo aos pais e familiares, mas não deixei de implorar a Deus, que me poupasse dessa dor. Fiquei com eles durante toda a tarde e início da noite. Arrumei a mala da Giulia. Dobrei cada roupinha cuidadosamente e enquanto eu fazia isso, podia ouvir o choro angustiante de Soraya e Giovana. Os auxiliei no que pude e voltei pra casa.

Entrei no apartamento e sem chorar, apenas abracei Ana Luiza. Ela detestava choro e também não era muito fã de abraços longos. Contei o ocorrido a minha mãe, meu braço direito (e esquerdo) aqui em SP e tentei me reequilibrar depois da terrível pancada. Com o coração apertado pela dor daqueles pais e pelo medo de um dia fazer parte deste grupo, me restava apenas buscar consolo em Deus.

E no meio de tudo isso, mais notícias ruins: Fabiana, que já enfrentava uma barra com o câncer no intestino, teve uma piora repentina. Foi internada às pressas e precisou submeter-se a cirurgia, afinal o câncer continuava crescendo. Ela já tinha sido incluída nos cuidados paliativos, pois segundo os médicos, não existia mais chance de cura para a doença. Era possível apenas melhorar/manter a qualidade de vida dela. Aquela piora, deixava todos muito tristes. Ninguém quer entrar numa luta tão árdua pra sair derrotado. E não ter a cura definitiva, para a grande maioria, é sinal de derrota.

Mas será uma derrota mesmo? Pelo que testemunhei, o importante é lutar dignamente. É conseguir aprender em meio ao sofrimento. É a reflexão. E isso jamais poderia ser considerado uma derrota. Derrotado é aquele que viveu e nunca foi capaz de refletir, tendo sofrido de câncer ou não.

Mas apesar de tantas notícias ruins, Ana Luiza seguia firme na radioterapia. Comecei a me preocupar com os enjoos frequentes e a falta de apetite. Eventualmente ela relatava dor de cabeça e aquilo também me deixava preocupada.

Em uma ida ao hospital, conversei com uma das pediatras, que me assegurou que eram efeitos da radioterapia. E conversando com outras mães, tudo indicava que realmente fosse isso. Me tranquilizei, como todas as mães se tranquilizam: com um olho fechado e outro aberto.

Os exames de sangue estavam ótimos, então era momento de aproveitar. Cinema, passeio no sítio, shopping. Minha fiel escudeira, vovó Aldenora, precisou ir até Boa Vista e foi prontamente substituída pela dupla vovó Eliane e vovô Calmon. Marcos também ficou alguns dias conosco, pois na próxima semana teria uma viagem a trabalho, para Argentina, e ficaria alguns dias sem poder nos visitar.

Quando os quatro avós estavam todos em SP, Ana Luiza ficava nas nuvens. Mas quando o “puí” estava conosco, ela não queria saber de mais ninguém. Adorava o “cheirinho do Puí”, adorava tirar sarro de mim, aproveitando as ideias do Marcos. Era bom demais estarmos todos juntos, essa é a grande verdade.

Ana Luiza estava nas nuvens. Super entusiasmada com as visitas, adorando os passeios e muito feliz porque seu cabelo estava crescendo de novo. Eu também estava muito feliz. Me sentia uma verdadeira privilegiada por estar tendo êxito no tratamento. Agradecer diariamente a Deus me parecia completamente insuficiente.

Diante de tantas perdas, meu sentimento ao ver minha filha super bem, era o mesmo de um ganhador da mega sena. Fomos contemplados e nenhuma alegria se comparava a esta sensação. Tudo na vida é uma questão de perspectiva.

Aproveitando a chegada do vovô Calmon, que vinha de carro, de Belo Horizonte para São Paulo, fomos passear num shopping mais distante de casa. Ana Luiza não queria saber de entrar em lojas. Foi direto para a Livraria Saraiva com o vovô, como ela sempre fazia. Eu fiquei com vovó Eliane, entrando de loja em loja a procura de algo que nem lembro o que era.

Na hora de voltar, nos perdemos e pegamos um trânsito terrível. Em meio ao trânsito caótico de São Paulo, Ana Luiza, com sua excelente percepção das coisas, apenas disse: “Ah vovô! Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim. O lado ruim é que estamos no trânsito, mas o lado bom é que estamos todos juntos.” Demos risadas e era impossível não concordar. Realmente, perspectiva é tudo.

Um dia, uma repórter da TV Bandeirantes me telefona e informa que o Departamento de Pediatria do Hospital, tinha lhes dado nosso contato e eles gostariam de fazer uma reportagem sobre a vida de pacientes com câncer. Sobre as vitórias e sobre a retomada da vida, após o diagnóstico.

Fomos ao hospital e filmamos. Foram quase 4 horas de “convencimento”. Ana Luiza detestava câmeras. A repórter, experiente e incrivelmente simpática, levou algumas horas para conseguir arrancar a espontaneidade de Ana Luiza. Conversaram, brincaram e finalmente ela aceitou ser filmada.

Eu estava simplesmente feliz. Faltava menos de 1 mês para o fim do tratamento e Ana Luiza estava linda, alegre e confiante. Tudo aquilo foi evidenciado na reportagem.

Naquele mesmo dia, a médica responsável pelo tratamento, que também foi entrevistada, convidou Ana Luiza para um acampamento bem divertido, organizado e patrocinado pelo hospital. A jornalista queria muito que ela fosse, pois as brincadeiras também seriam filmadas e fariam parte da reportagem.

Ela disse que não iria “de jeito nenhum”. Só iria se eu também fosse. Eu não sei dizer se aquilo me deixava triste ou feliz. Triste por saber que talvez ela tivesse algum tipo de insegurança e necessitasse da minha presença, mas feliz por saber que ela me queria sempre por perto. Mas a incentivei muito, afinal sua médica, enfermeiras e professoras do hospital estariam todas lá. Ela estaria muito mais segura com eles do que comigo.

Mas ela disse que só iria sob uma condição: Se sua amiga Beatriz, amazonense de 16 anos em tratamento de um osteossarcoma condroblástico, também fosse. E mais: dormisse no mesmo dormitório que ela.

Acordo feito, agora era esperar pelo dia 10 de junho, quando Ana Luiza passaria o final de semana inteiro longe da mamãe, pela primeira vez na vida.

Marcos voltou para Manaus, mas deixou um bilhete e uma borrifada de seu perfume no travesseiro de Ana Luiza. Ela adorou. Passou o dia com o travesseiro na mão, cheirando o perfume do papai.

Ela me perguntou porque ele tinha que ir embora e eu expliquei que ele precisava trabalhar, pois tinha que pagar as contas, afinal eram duas casas agora, a de Manaus e a de São Paulo. Além disso, expliquei que eu não estava trabalhando desde setembro e isso diminuía muito o dinheiro. Então Marcos precisava voltar pra trabalhar, enquanto a gente terminava o tratamento.

Usando sua objetividade, Ana Luiza, com cara de atrevimento, apenas disse: “Você é uma folgadinha, hein mãe? Então meu pai tem que voltar, porque você não tá trabalhando, né?!

Eu dei muita risada. A “folgada” aqui, estava cuidando da própria filha e ela ainda me culpava porque o pai precisava voltar pra Manaus. Eu expliquei que estava cuidando dela e, rindo, ela me abraçou e disse: “Eu sei mamãe! Obrigada por cuidar de mim!

terça-feira, 24 de maio de 2011

07 a 25 de Abril de 2011

Como era maravilhoso ver Ana Luiza fora do hospital! Talvez eu nunca encontre as palavras certas pra descrever a sensação de ver minha filha em “casa”, depois de 47 dias de uma internação onde ela encarou a fase mais difícil do tratamento. Debilitada, pesando apenas 20kg, muito pálida, sem cabelos, sobrancelhas e cílios, mas com um sorriso de felicidade no rosto. Era indescritível minha alegria.

Ela entrou no quarto do hotel e achou tudo superdivertido. Eufórica, saiu “vistoriando” tudo. Uma cama enorme, sala, uma (pseudo) cozinha, televisão com seus canais favoritos. Adorou as recepcionistas, as camareiras, tudo. Tudo era motivo de festa.

Após mais de um mês revezando entre um sofá e uma cadeira, finalmente eu dormiria num colchão decente. E neste dia dormimos, eu, Ana Luiza e Marcos, todos juntos na cama do hotel, onde ficamos hospedados temporariamente.

Não vou dizer que foi superconfortável, afinal dormir com duas pessoas espaçosas não é nada fácil, mas a felicidade era tão grande que no dia seguinte acordei renovada!

Durante estes últimos 7 meses, desde nossa vinda para São Paulo, em diversas ocasiões, as pessoas comentavam sobre a nossa “força”, como se ela fosse nossa. Comentavam sobre a nossa coragem, como se esse atributo também nos pertencesse. Acreditem, meus amigos. Ter um filho com câncer desarma qualquer guerreiro. Ante a possibilidade de perder um ser humano que é a razão da sua vida, você enfraquece. O medo paralisa e no mesmo instante, você pensa em entregar seu corpo pra ser sacrificado no lugar do seu filho.

E verdade seja dita: Quando os resultados do tratamento são positivos e você percebe que os esforços e sofrimentos tem valido a pena, a vontade de continuar lutando, a motivação para continuar suportando, vem automaticamente.

E por isso eu sempre afirmo: Forte de verdade é quem consegue continuar lutando, mesmo quando tudo dá errado. Corajosas são as famílias que mesmo com escassos recursos, lutam bravamente. Famílias que ficam longe de casa, morando em pensões ou hotéis de qualidade duvidosa, pois é a única coisa que podem pagar. Outros, que sem condições de pagar pensões, ficam em casas de apoio, muitas vezes em situação precária. Pais e mães desesperados que, mesmo com o filho doente, não podem se dar o luxo de apenas “parar de trabalhar para cuidar do filho”. Mães que recebem, na mesa do médico, a resposta que nenhuma de nós quer ouvir: “Infelizmente o tratamento não está surtindo o efeito que gostaríamos”.

Pais que perdem o filho para o câncer e mesmo assim continuam envolvidos na luta contra esta doença traiçoeira, são pessoas verdadeiramente fortes e corajosos. Estas pessoas são exemplo pra mim. É diante destas pessoas que me sinto uma pessoa qualquer, como a grande maioria dos cidadãos deste mundo, que pouco se envolve com o problema dos outros.

Eu tenho plena convicção que o responsável por esta couraça de coragem e força, é Deus. Pais “de verdade” são medrosos, mas Deus os transforma em super-heróis na hora certa.

Os pais do Arthur Amorim foram uma das inúmeras pessoas que nos visitaram na última internação. Eles nos trouxeram uma linda foto do Arthur, em celebração ao primeiro mês de seu falecimento. Além de nos visitar, eles nos mostraram o projeto da “Fundação Arthur Amorim”, uma entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal, ajudar famílias que vem de outros estados (principalmente do nordeste – região dos pais do Arhur) encarar um tratamento longo em São Paulo. A intenção é que a Fundação funcionasse como o primeiro contato neste “mundo paralelo”, nome que eu passei a utilizar para denominar a vida de quem recebe o diagnóstico e passa a enfrentar esta doença.

Assim que temos o diagnostico confirmado, o buraco que abre em nossos pés, muitas vezes nos impede de caminhar e buscar informações. O medo paralisa a grande maioria das pessoas e ter com quem contar e, principalmente, ter alguém que possa nos ajudar a dar os primeiros passos é fundamental.

Eu ouvi atentamente a ideia dos pais do Arthur, mas o que não me saía da cabeça era o amor que estes pais tinham pelo filho. Mesmo depois de uma batalha de 3 anos, eles perderam. Mas não perderam o amor, principalmente ao próximo. Mesmo tendo perdido um dos filhos eles ainda tinham forças para continuar lutando.

Essas famílias são fortes. Esses pais são corajosos. O que somos Marcos e eu afinal? Nossa responsabilidade aumenta a medida que vou presenciando essas coisas. Se pais que perdem o filho continuam lutando, o que falar de pais que recebem um milagre do tamanho deste que nossa família recebeu?

Realmente havia muita coisa para eu pensar. E todo momento é uma excelente oportunidade para refletir, seja ele bom ou ruim.

Apesar de Ana Luiza estar se sentindo muito bem, ela ainda estava tratando a pneumonia fúngica contraída durante o período de internação. Os médicos autorizaram a alta, mas solicitaram um tratamento em casa (home care), onde uma empresa especializada, administraria o tratamento conforme prescrição médica.

Eu estava satisfeita em poder contar com esse serviço, que foi aprovado pelo plano de saúde sem demora. Além disso, os médicos disseram que Ana Luiza poderia sair de casa, passear em locais abertos ou com pouca aglomeração, pois a imunidade estava boa. Entretanto, todas as manhãs ela tinha que receber a medicação (anfotericina B lipossomal) até a pneumonia ceder, sendo monitorada através da tomografia de tórax, que ela fazia a cada 2 semanas.

O medicamento caro e extremamente forte, deveria ser administrado em 4h, através de bomba de infusão. E aí começou o tormento. Mas para quem estava acostumado a lidar com tempestades, aquilo era apenas uma gota d'água.

Em todas as aplicações, a bomba de infusão apresentava algum problema e não funcionava adequadamente. No primeiro dia, ao invés de infundir em 4h, o remédio foi infundido em menos de 2h. Minha preocupação era que Ana Luiza apresentasse alguma reação, mas felizmente nada aconteceu. O problema persistiu por toda a semana. Mesmo tentando manter a calma, era inevitável que eu não me aborrecesse, afinal minha filha havia enfrentando uma enorme batalha, para no fim das contas, passar mal em casa. Tudo por causa de um medicamento que deveria ser aplicado por uma máquina, manuseada facilmente por um técnico devidamente treinado.

Tentei segurar minha loucura o máximo que pude, mas infelizmente, as coisas só costumam ser solucionadas, quando você resolver se comportar como louco. Só nesse momento você é levado a sério. Exigi, briguei, denunciei. Fiz tudo que podia para que eles dessem o mínimo de segurança no tratamento em casa.

No fim das contas, o que eu mais queria era que o resultado da tomografia que ela faria no fim da primeira semana de tratamento em casa, mostrasse que a pneumonia havia sido controlada e que ela finalmente não precisaria mais utilizar o medicamento e os serviços da tal empresa de home care.

No dia 15 de abril, os resultados da tomografia, mostraram a regressão da pneumonia e finalmente Ana Luiza se livrou das medicações e eu, me livrei do tormento da empresa de Home Care. Enfrentar o desinteresse ou despreparo dos profissionais da empresa, estava sendo algo realmente desnecessário a essa altura do campeonato.

Durante estes 7 primeiros dias do tratamento em casa, Ana Luiza recebeu algumas visitas, brincou bastante pelo hotel, fomos ao cinema e ela também ganhou muitos presentes. O melhor deles chegou no segundo dia em que estávamos fora do hospital: Giulia, a pequenina de 1 ano e meio, que tinha vindo de Manaus enfrentar um neuroblastoma suprarenal estava tendo êxito no tratamento. A Soraya nos explicou que o tumor havia reduzido 30% e que ela continuaria os ciclos de quimioterapia. O telefone estava no viva voz e Ana Luiza conversou com a mamãe da Giulia, marcando encontros e passeios. Ao telefone, ouvíamos a vozinha da Giulia. Foi tão bom saber que ela estava melhorando e que todo os sacrifícios próprios do tratamento, estavam tendo um resultado positivo. Isso fortalecia a todos nós e principalmente aos pais da pequena, que ganhavam uma nova motivação para continuar lutando.

Lembro perfeitamente o dia em que tomamos conhecimento da situação de Giulinha. Era fevereiro e Ana Luiza e eu, estávamos saindo do hospital, após finalizar um dos exames pré transplante autólogo. Marcos me ligou e explicou que tinha tomado conhecimento que a família de Giulia estava pleiteando uma vaga no A C Camargo e pediu que eu tentasse interceder por eles, junto ao Serviço Social do hospital.

Mobilizei algumas mães, a Cynthia e a Gracélia, também amazonenses, que enfrentam esta luta com seus filhos. Elas se envolveram e de todas as formas tentamos viabilizar a ida de Giulia para o A C Camargo, mas a falta de vagas no hospital a impediu de vir.

Depois da imensa batalha dos pais e dos familiares, o tratamento de Giulia estava assegurado no GRAAC, um dos centro de excelência no tratamento de câncer infantil.

Lembro que Ana Luiza passava pelo seu pior momento na UTI do A C Camargo, quando Marcos entrou em contato com os pais de Giulia, Soraya e Paulo, e foi até o GRAAC conhecê-los pessoalmente.

A visita foi breve, ele conheceu o hospital, tirou fotos com a família e se colocou a disposição deles para tudo. Ao sair do GRAAC, Marcos me ligou e pediu que eu o encontrasse em um Shopping próximo. Nitidamente abalado, ele tentava segurar o choro e assim que o encontrei, sentado em uma mesa da praça de alimentação, ele caiu no choro: “Ela é muito pequena, amor. Um bebezinho. E vai passar por esse tratamento terrível. Ela é um bebê ainda...”

Choramos juntos. E neste dia conversamos e refletimos muito sobre tudo isso. Ele me falou sobre a estrutura do GRAAC, onde cada andar havia sido patrocinado por uma empresa, falamos sobre a casa de apoio e das pessoas de desistem do tratamento, pela falta de dinheiro, enfim, falamos sobre o quanto nossas famílias haviam sido abençoadas por ter a chance e o privilégio de poder buscar o tratamento para os filhos.

E neste dia, decidimos que ficar de braços cruzados diante desta doença era uma vergonha. Nós não sabíamos exatamente, como e o quê fazer, mas a certeza de que faríamos algo, entranhou definitivamente em nossos corações naquele dia, quando Marcos conheceu a Giulia.

A primeira vez que falei com Soraya pelo telefone, Ana Luiza estava internada para submeter-se ao transplante autólogo. De alguma forma, tentei confortá-la e me coloquei a disposição para tudo que fosse necessário. Ela me explicou que acompanhava a história de Ana Luiza e que quando soube da doença de Giulia, foi impossível não lembrar dos relatos que faço neste blog. Saber, que de alguma forma, essas palavras que coloco aqui ajudaram e ajudam alguém, sinto que as horas investidas valeram a pena.

Ainda durante a última internação, quando Ana Luiza já havia saído da UTI e estava no quarto 320, Giulia precisou fazer os exames de imagem de acompanhamento da primeira fase de quimioterapia (que mostraram a redução do tumor) e estes exames seriam realizados no A C Camargo. Nesta data, finalmente, pude conhecer a família pessoalmente.

Conversamos, choramos, cantamos, brincamos, sorrimos muito. Foi uma tarde maravilhosa. E a partir daquele momento, Soraya e Paulo entraram para minha família. A que construí desde setembro de 2011, ligados pelo amor e pela dor de ter um filho lutando contra o câncer. Uma dor que nos modifica para sempre.

Com os resultados excelentes da tomografia de tórax, Finalmente Ana Luiza estava livre da pneumonia fúngica e poderia curtir um único final de semana de “folga”. Na segunda-feira, dia 18 de abril, seria dado início a última fase do tratamento: a radioterapia.

Durante o planejamento da radioterapia, os médicos entraram em consenso quanto as regiões a serem irradiadas. Apesar de não existir nenhum tumor sólido e o transplante autólogo ter tido a finalidade de atingir o câncer “microscópico”, a radioterapia seria mais uma arma, para combater a possibilidade de uma recidiva (volta do tumor), risco comprovadamente existente nos casos de rabdomiossarcoma.

A radioterapia seria feita na região do tumor principal (base do crânio), nos pulmões (regiões que eventualmente ocorrem recidivas) e nas vértebras da coluna, também atingidas por metástases. Ainda no período da internação, havia ficado acertado que Ana Luiza iniciaria o tratamento no crânio e quando os pulmões estivessem livres da pneumonia, ela iniciaria as aplicações no tórax.

E assim ficou acertado. Como aquele final de semana seria uma espécie de “liberdade provisória”, antes do início das sessões diárias de radioterapia, aproveitamos muito. Claro que ele não teria sido MARAVILHOSO, se a Simone não estivesse conosco.

A Simone, assim como várias anjos que apareceram em nossa vida desde setembro de 2010, é um ser humano que jamais esquecerei. Uma pessoa fantástica, alto astral, altruísta de uma maneira que nunca vi na vida. Mas mesmo cheia de qualidades aos meus olhos, ela é simplesmente uma pessoa comum, como a maioria de nós. Com suas neuras e problemas. Ela talvez nem imagine, mas suas atitudes me trouxeram inúmeros aprendizados e reflexões.

Aprendi que qualquer hora, é hora de fazer alguém feliz. Mesmo que esse alguém não faça parte da minha história. Que eu posso sim, parar por alguns minutos e ajudar uma pessoa. Que ajudar alguém, não é necessariamente fazer coisas grandiosas, mas que gestos simples são mais que suficientes. Que mesmo levando tapas na cara, é possível passar a mão no rosto e seguir sorrindo da própria tristeza.

Eu poderia dedicar um texto inteiro a Simone, um ser humano que simplesmente fala o que pensa e realiza as ideias mais absurdas pra ver o sorriso escancarado da Ana Luiza, uma dentre centenas de crianças com câncer, cuja história ela conheceu pela internet. Se o mundo tivesse mais “Simones”, a vida neste planeta não seria tão amarga. Disso eu não tenho dúvidas.

Mas como nem tudo é perfeito, Simone é corinthiana e até no jogo do Corínthians nós fomos. Ana Luiza se divertiu muito e por alguns momentos, Marcos e eu ficamos apreensivos, achando que havíamos perdido nossa filha para um “bando de loucos”. Mas o que importa é a felicidade de poder levá-la ao estádio como uma criança normal. De estar ao lado de amigos, sorrindo, se divertindo, olhando impressionada, as bandeiras e coreografias da torcida.

A Anna Gama e seus filhos, Laura, Júlia e Chico, também estiveram conosco nestes dias mais amenos, onde o tratamento nos permitia mais passeios e diversões que toda criança merece.

Poder rever o sorriso de Ana Luiza enquanto ela fazia arvorismo, a felicidade em estar perto de crianças da idade dela, conversar assuntos de crianças, assistir filmes, correr, pular, cantar... Esses momentos me faziam recuperar a sensação de normalidade, de que finalmente as coisas estavam voltando ao que nunca deveriam ter deixado de ser.

Enquanto as crianças brincavam, faziam barracas no meio da sala e tentavam dominar o mundo em frente a TV, tive o prazer de conversar com Anna e seu marido, o Zé. E nessas conversas, fica evidente que as coisas em nossa vida não acontecem por acaso. Se não fosse esta doença terrível, jamais teria conhecido tanta gente especial, como este casal. Jamais teria conhecido outras centenas de pessoas que de alguma forma trouxeram conforto ao meu coração, seja enviando mensagens, ou indo doar sangue, ou enviando presentes pelo correio. O interesse genuíno na recuperação de Ana Luiza é nítido e me emociona demais. Mas também me traz uma sensação de responsabilidade muito grande. Retribuir tanta generosidade será um desafio que levarei por toda vida.

Apenas agradecer não é suficiente. Apenas colocar os joelhos no chão e apenas agradecer a Deus com palavras sinceras, também não é suficiente. É preciso arregaçar bem as mangas e agradecer com atitudes. Talvez esta seja minha missão: Agradecer eternamente, fazendo por outras pessoas, o que recebi em forma de milagre. Ou alguém é capaz de duvidar que recebemos um milagre?

O câncer mata. Os tratamentos disponíveis funcionam para uns, mas não funcionam para outros. É uma doença traiçoeira e misteriosa. Desespera e angustia os familiares e os pacientes, mas também alucina os médicos que, após estudarem anos e anos, não conseguem dizer porque com Ana Luiza funcionou e com Arthur não funcionou, por exemplo.

Depois de receber um milagre desses, será suficiente celebrar uma missa ou culto em agradecimento? Será suficiente agradecer tudo isso e voltar a minha vida como se nada tivesse acontecido? Talvez seja suficiente para várias pessoas e eu as compreendo perfeitamente. Afinal, ao sairmos deste “mundo paralelo”, que é a rotina desgastante do tratamento, tudo que queremos é desfrutar da paz, que é ter a saúde restabelecida.

Famílias voltam a "normalidade", muitas vezes sem um tostão no bolso. Pais e mães, voltam pra casa com seus filhos, sem um emprego ou salário para sustentá-los, pois tiveram que abandonar o trabalho, para poder cuidar do filho doente. Outros até adoecem, depois de tanto estresse e desespero. Reconstruir a vida, não é tão simples e as vezes, por si só, já é um grande desafio para a maioria dos brasileiros.

Mas para mim, apenas voltar à minha vida, não será suficiente. Agradecer em oração, é uma obrigação diária, que faço diversas vezes ao dia, todas as vezes que abraço Ana Luiza, quando a vejo brincar, quando a vejo crescer.

E de coração envergonhado, reconheço que quando minha filha estava saudável e feliz, eu pouco agradecia. Eu, gozando de plena saúde, além de não agradecer, também não ajudava ninguém. Não fazia a menor ideia do que era um câncer e vivia minha vidinha, como se fosse inatingível.

Afinal, comprar um hambúrguer, cujo lucro será destinado a luta contra o câncer, não é arregaçar as mangas. É alimentar sua fome. Comprar uma rifa pra ajudar uma casa de apoio, não é arregaçar as mangas, é esperar a sorte de ganhar alguma coisa em troca.

Fazer, verdadeiramente, algo por alguém, é lutar pela causa de outra pessoa como se fosse a sua. Hoje, depois de enfrentar e conhecer este outro lado da vida, é muito mais fácil pra mim, lutar pelo combate ao câncer. Aqueles que o fazem, sem nunca ter experimentado o desespero de ter um ente querido acometido de câncer, são verdadeiros anjos.

Ninguém está livre desta doença “democrática”, por assim dizer. Ela afeta bebês e idosos, jovens e adultos, homens e mulheres, gordos e magros, fumantes e não fumantes, brancos e negros. Ao colocar sua cabeça no travesseiro, apenas agradeça por sua saúde. E se você puder fazer mais que agradecer, estará numa categoria muito diferente de pessoas, nas quais eu mesma não me incluo.

Os índices de cura aumentaram? Sim. Mas a quantidade de gente diagnosticada também. A medicina evoluiu muito e as pessoas continuam morrendo por causa do câncer. E como saber que você está livre desse mal? Eu vivia minha “vida normal” ao ser pega de surpresa, com um câncer extremamente perigoso e sombrio, em minha filha única. Essa dor levarei por toda vida.

A Páscoa estava chegando e as dezenas de presentes e chocolates que Ana Luiza ganhou também chegavam diariamente. Presentes de todo canto do Brasil e do exterior também. Chegaram lindos presentes de Frankfurt, Londres, Orlando, e também chegavam ovos de páscoa de toda parte do Brasil.

Ana Luiza estava feliz, mas vez ou outra confessava: “Mamãe, eu quero ir pra casa”. Eu a entendia perfeitamente. Mesmo com tantas atenções, tanto carinho ao nosso redor, estar em casa e poder retomar sua vida é algo que fica martelando em nossos corações. A gente só compreende e faz ideia desta sensação, quando fatalmente temos que ficar longe de casa por tanto tempo.

A semana santa foi tranquila. Livre da radioterapia no crânio por 4 dias, Ana Luiza queria mesmo aproveitar. Simone e Anna Gama foram responsáveis por momentos de muita alegria. Ana Luiza estava muito feliz em poder brincar com crianças da idade dela, em fazer passeios diferentes, conhecer novas pessoas.

A visita da Mallyn e da Amanda também foi muito divertida. A cada dia, Ana Luiza se fortalecia mais e aos poucos sua vida de criança ia sendo retomada.

Passamos a manhã de páscoa no hotel. Ana Luiza, minha mãe e eu, apenas agradecemos a Deus pelas vitórias. Saímos para almoçar e depois fomos para a casa da Gracélia, comemorar com nossa nova família, as bençãos de ter a vida de nossos filhos renovada. De fato, esta páscoa foi muito importante para todos nós. Mesmo distantes dos familiares, foi um momento muito agradável ao lado de boas pessoas e que naquele momento, estavam no mesmo espírito de gratidão que nós estávamos.

No dia seguinte, voltaríamos para o apartamento dos tios do Marcos e poder voltar pra lá era um conforto que veio em boa hora. Comer comida de restaurante diariamente era terrível e Ana Luiza não estava conseguindo se alimentar adequadamente, mesmo com toda a criatividade de sua avó. “Eu quero comida de fogão, não essas comidas de restaurante”, dizia Ana Luiza, como se no restaurante usassem outro equipamento para cozinhar... mas eu a compreendia e com certeza vocês também a compreendem.

Mais uma vez a Simone estava conosco. Ela nos auxiliou com a mudança. Na verdade, parecíamos retirantes fugindo da seca. O carro, uma pick up, estava abarrotada de malas, mochilas, caixas e sacolas. Durante a última internação, Ana Luiza ganhou tantos presentes, que foi uma dificuldade terrível trazer tudo de volta ao apartamento.

Feliz da vida, depois de 2 meses longe de “casa”, Ana Luiza enfim comeria uma comidinha da vovó, preparada com muito amor. O que daria a ela, ânimo para continuar a última fase do tratamento: a radioterapia do crânio e do tórax.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

19 de Março a 07 de Abril de 2011

Ana Luiza estava tão feliz por ter saído da UTI, que nem ligou para o fato de não poder sair do quarto sob nenhuma hipótese e da necessidade de continuar com restrição de alguns alimentos.

Ela não pôde voltar para o setor de TMO por falta de vaga e também não pode ficar na ala pediátrica, por causa da necessidade de permanecer em ar filtrado, para evitar outras infecções. Por esses motivos, teve que ficar no 3º andar, ala adulta do hospital, em um quarto que atendia as necessidades dela naquele momento.

Mas o que Ana Luiza queria mesmo era se livrar da “fiarada”, como ela chamava os fios que estavam ligados aos equipamentos da UTI. E finalmente poder usar o banheiro como uma pessoa normal, sem ter que usar fraldas! Aquilo sim, uma grande “vergonha” para uma linda menina de 7 anos.

Ela estava superfeliz e eu idem. Mas as marcas dessa fase do tratamento eram inegáveis: Intensa perda de massa muscular (pernas e braços extremamente magrinhos), pele amarelada, cansaço aos pequenos esforços, fraqueza muscular generalizada, dificuldade para caminhar normalmente, sono intenso e uma careca tão lisa, que foi apelidada de bola de cristal, pelo Marcos.

A preocupação de Ana Luiza com sua aparência, principalmente quando voltasse para a escola, era algo que nos deixava preocupados também. Marcos inventou a “bola de cristal”, na tentativa de criar um clima de brincadeiras e naturalidade com a cabeça lisa. O cabelo não demoraria a crescer, mas sem dúvidas ela voltaria pra casa ainda carequinha e nossa intenção era começar a fortalecê-la para encarar crianças que obviamente vão notar a careca e “fazer aquela cara de não-sei-o-quê” como diz Ana Luiza.

Apesar de tudo, Ana Luiza estava tão feliz, que aquilo tudo não significava absolutamente nada. Realmente ficava fácil entender, de uma vez por todas, que a felicidade não depende de todas as coisas dando certo a todo momento, não é mesmo? Pra ser feliz, basta estar vivo.

Ela, somente Ana Luiza, conseguia me ensinar isso na prática. Todos os dias acordava feliz da vida, pra desenhar e colorir os mesmos coqueiros, casinhas, corações e macieiras. Assistia os mesmos desenhos mais de 20 vezes, com as mesmas gargalhadas, nas mesmas cenas.

E para ela, a comida do hospital nunca tinha sido tão saborosa: Liberaram o sal na dieta e finalmente ela comeu super bem, principalmente as massas ao molho vermelho que as nutricionistas enviavam.

Uma das médicas de Ana Luiza, que como todas as outras sempre trataram Ana Luiza com muito carinho, estava tão feliz por vê-la no quarto, que prometeu um lanche especial e “na surdina” trouxe um McLanche Feliz, para a felicidade geral da pequena, que comeu TUDO. Depois de longos dias sem poder comer alimentos de fora do hospital, comer um hambúrguer com fritas e refrigerante era um manjar dos deuses para qualquer um.

O carinho da equipe de médicos e enfermeiros muitas vezes me deixava desconsertada. São pessoas que estão muito envolvidas com a recuperação dela, que estão tendo um zelo muito grande com minha filha. A sensação que tenho é a melhor do mundo: Estão tratando minha de forma especial. Tem sentimento melhor?

Observando bem, o carinho deles é assim por todas as crianças. São pessoas que fazem aquilo que gostam, estudaram longos anos pra fazer algo que lhes dá prazer. E em meio a tanta tristeza, pais chorando e crianças sofrendo, eles conseguem manter a confiança e nos passar tranquilidade.

Num desses dias da longa internação, perguntei para uma das médicas como eles conseguiam ter forças para trabalhar na área de oncologia pediátrica, vendo tantas coisas tristes diariamente. E tive uma resposta muito simples: “Não somos nós que escolhemos a oncologia. É a oncologia que nos escolhe!”

Profissionais que gostam do que fazem, fazem a diferença em qualquer área. Se todos nós fizéssemos nosso trabalho com dedicação e zelo, desde a profissão mais simples até a mais complexa, a vida de todos seria muito melhor. Da atendente de telemarketing ao neurocirurgião. Tudo depende da dedicação e da vontade de fazer sempre o melhor.

Ficar internada com Ana Luiza por 47 dias foi um “intensivão” de aprendizados. Todos os dias dormi no hospital. Só saía para tomar banho e logo retornava. E estando no quarto com ela, com tudo sob controle, me sobrava muito tempo para pensar e refletir, principalmente sobre minhas próprias atitudes.

É tão fácil reclamar da rotina. Eu que o diga. Depois de 1 mês de internação, não aguentava mais o cheiro do pão de queijo da lanchonete do hospital, minhas costas gritavam de dor por causa do sofá (que usava como cama) e a rotina desgastante do tratamento me impedia de dormir por mais de 3 horas ininterruptas. Durante a madrugada, toda hora entrava uma enfermeira no quarto, tinha um remédio pra dar, levá-la ao banheiro arrastando um suporte de soro, quantificar a urina...

Enquanto eu me lamentava, lá estava Ana Luiza... rindo! Enfrentou uma barra pesadíssima, passou por circunstâncias que você só imagina em filmes de terror e estava lá... rindo pela centésima vez do Robin Rotten, o vilão de Lazy Town. Se pra mim a rotina era ruim, pra ela deveria ser péssima, mas nada deveria nos impedir de sorrir. Que dizer, de dar gargalhada. Era exatamente isso que ela fazia.

A gente se sente muito pequeno perto de pessoas assim: que simplesmente sabem viver a vida. E nossos pequenos, sempre tem algo pra nos ensinar. Nós que somos péssimos alunos. E é ainda mais vergonhoso, quando a gente aprende as coisas, tendo que passar por circunstâncias difíceis.

Durante a internação Ana Luiza tinha seus momentos de raiva? Claro. Detestava tomar banho. Era uma guerra levá-la para o banheiro e ela sempre tinha um argumento. Mas depois que entrava no chuveiro quente, não queria mais sair. Detestava quando eu ou minha mãe insistíamos para tirar algumas fotos dela. Fotos ou filmagem, somente quando ela queria. E não adiantava insistir. Se irritava com a quantidade de bochechos em cada escovação dos dentes...

Ela tinha seus momentos de tristeza? Sim. Muitas vezes, antes de dormir, confessava a saudade de casa e dos amigos da escola. Deixava claro que tinha medo de voltar a escola, sem cabelos: “Todo mundo vai ficar rindo de mim...”

Ana Luiza se sentia frustrada? Óbvio. Inúmeras vezes ela dizia que não aguentava mais ficar presa no quarto e queria muito poder, pelo menos, passear pelos corredores do 3º andar, como todos os pacientes faziam. Dizia que não conseguia andar direito, não conseguia fazer mais nada “normal”...

A gente vai aprendendo um monte de coisas, inclusive que todos nós somos seres humanos, suscetíveis a erros e fraquezas, choros e desesperos. Raivas e angústias. Mas se entregar a uma doença e viver a vida de forma pessimista e se lamentando é uma escolha.

Ana Luiza é uma criança de 7 anos. Ela, além da inteligência e do senso de humor, é apenas uma criança como outra qualquer. Ama bonecas de pano e bichinhos de pelúcia. Adora assistir desenhos, ouvir músicas e colorir. E como qualquer criança, precisa de limites e disciplina. Mesmo enfrentando uma doença terrível, eu jamais poderia tratar Ana Luiza como uma pessoa incapaz. Eu não poderia permitir que ela se tornasse uma menina mimada e birrenta (algo bem fácil de acontecer, com tanta atenção, presentes, superproteção e avós e tios corujas por perto!).

Desde o início, fomos orientados pela psicóloga para tratá-la como sempre tratamos. Nada de mimar, superproteger ou tratá-la como doente. E verdade seja dita, Marcos sempre se preocupou muito com isso. Ele sempre segurou as rédeas do meu desespero em querer mimá-la. E assim tem dado certo, porque Ana Luiza é uma criança super colaborativa em todos os procedimentos. Inteligente, compreende a necessidade de cooperar e evitar fazer dramas (lógico que de vez em quando, ela força um drama, vai que dá certo, né?) Marcos e eu vamos seguindo com o mesmo rigor na criação dela, mesmo com uns narizes torcidos dos avós corujas, que querem mesmo é mimar MUITO a pequena e com razão: Avós servem pra isso mesmo, não é?

Mas era hora de eu começar a dar uns sorrisos , de ficar mais à vontade, de tentar “relaxar”. A preocupação constante, o desespero, o medo, tudo isso era uma rotina diária. Mas Ana Luiza estava bem, o pior já tinha passado. Estávamos na reta final do tratamento. Eu tinha que sacudir a poeira do transplante autólogo, esquecer os momentos de terror que nunca imaginei passar na vida e seguir em frente. O final do tratamento estava logo adiante. Deus estava cuidando da gente e já tinha dados mais do que provas disso. Eu deveria ter medo de quê, afinal?

Os médicos, vendo Ana Luiza evoluir bem no tratamento e na tentativa de deixá-la ainda mais confortável no quarto, solicitaram a retirada do cateter externo que ela tinha pendurado no pescoço. Finalmente, aquele acessório horrendo seria removido. Para colocá-lo ela foi para o centro cirúrgico, então, logicamente, concluí que para retirá-lo ela também teria que voltar ao terrível 9º andar. Mas a médica responsável pela retirada do cateter nos tranquilizou dizendo que o precedimento poderia ser feito no quarto, já que Ana Luiza era bastante cooperativa.

E assim foi feito. Ana Luiza, meio assustada, tentava se tranquilizar com a médica manipulando aquele troço desconfortável, mas em menos de 5 minutos o procedimento já tinha acabado e ela mesma admirou-se: “Já? Era só isso? Caramba!!” E olhei pra vovó Aldenora, que respirando fundo, tentava ser forte como a neta. Ela quase desmaiou quando viu o enorme cateter sendo retirado. Mas finalmente, era um tormento a menos. E agora Ana Luiza finalmente dormiria melhor. Ufa.

As visitas que recebemos foram fundamentais nesse período. Sei que a maioria das pessoas, imaginava estar ajudando Ana Luiza, dando forças, trazendo alegrias e presentes. Mas na verdade elas me ajudaram muito mais.

Cada pessoa que arrumou um tempinho, que enfrentou um trânsito caótico ou que abdicou de um programa mais “divertido”, do que visitar um doente desconhecido no hospital, nem imagina a importância que teve nesses dias da longa internação.

Muita gente. Conhecidos e desconhecidos. Todos tentavam, de alguma forma, nos dar forças. Alguns entravam no quarto e não sabiam nem o que dizer. Outros seguravam as lágrimas, outros não conseguiam segurar as gargalhadas. Vi gente que fala muito, emudecer. E gente calada, puxar conversa animada com Ana Luiza.

Ela ganhou brinquedos, pelúcias, livros, cadernos, roupas, jogos, canetas, lápis de cor, chocolates e biscoitos preferidos. Até bochechos especiais para ajudar na mucosite, ela ganhou. Recebeu cartinhas de crianças da idade dela e desenhos e quadros feitos por profissionais. Ganhou bolo de chocolate feito com muito carinho e também ganhou balões flutuando pela janela e enfeitando todo o quarto. Conheceu muita gente bacana, que torcia (e torce) por ela de todo coração.

Recebeu visitas de amigos de longa data e de amigos recentes. De parentes de perto e de longe, de amigos virtuais e de amigos reais. De gente de Manaus e de São Paulo e de outros lugares do Brasil, dos seguranças do hospital e das recepcionistas, de enfermeiros de outros andares e de autoridades. Até programa de rádio, feito especialmente pra ela, Ana Luiza também ganhou.

O quarto 320 do hospital A C Camargo, sem dúvidas, nunca havia recebido tantas visitas animadas. Em alguns momentos, só faltava as mesas e cadeiras, para a festa ficar completa!

Em cada visita, eu recebia um abraço apertado, um olhar sincero, muitas vezes de agradecimento, como se nós estivéssemos mais ajudando, do que sendo ajudados. Em cada visita, ficava uma certeza: Tantas pessoas mobilizadas por causa de uma criança com câncer com tantas outras, não era apenas uma coincidência. Eu precisava ficar muito atenta e entender o objetivo de tudo isso.

Minha filha, assim como centenas de crianças e adultos, não enfrentava um câncer em vão. Deus não permite que uma situação dessas ocorra em vão. Era muito claro que existia um objetivo muito mais nobre no fim das contas. Pelo menos eu penso assim.

Eu acredito também, que cabe a cada pessoa, individualmente, descobrir qual o seu objetivo na batalha contra um câncer. Sem dúvidas, meu marido e eu não temos como missão, apenas lutar pela recuperação da saúde de nossa filha. Isso é uma obrigação.

Mas e tudo o que havíamos visto e aprendido? As perspectivas médicas que foram, uma a uma, sendo vencidas? O câncer raro e agressivo com 15% a 20% de chance de ser tratado, que levaria pelo menos 2 anos para ser tratado e que sumiu em 4 meses? E essa multidão de gente que parou em pleno carnaval para doar sangue para um desconhecido? Isso era muito mais do que o suficiente para que eu compreendesse a magnitude de nossa missão.

Cada pessoa envolvida com a situação de saúde da minha filha, sem dúvidas, tem algo a aprender ou a ensinar, e só teve essa oportunidade, graças ao maligno câncer.

Eu, particularmente, peço a Deus todos os dias que, além de cuidar e continuar nos dando forças para enfrentar essa doença, me mostre qual minha missão nessa terra.

Durante o período de internação, em que a gente acaba ouvindo todo tipo de história e conhecendo todo tipo de gente, diversas vezes, ao afirmar que eu acreditava que Deus estava sendo muito bondoso conosco, era inevitável que algumas pessoas falassem: “Bondoso? Ele permitiu um câncer na sua filha e é bondoso!?!?”

Sinceramente, esse raciocínio é bem óbvio e é inevitável concordar! Afinal que tipo de deus, permite uma doença terrível dessas, em uma criança linda, amada e generosa como minha filha? É lógico que vendo dessa forma, Deus é um monstro.

Mas essa visão é simplista demais. É a mesma visão das pessoas que olham a vida em preto e branco. É a visão de pessoas que só enxergam as coisas que estão diante do nariz. O engraçado é que eu (ou até mesmo você que está lendo agora) poderia ser uma dessas pessoas há menos de um ano atrás.

Desde o início do tratamento, tudo, absolutamente tudo vinha dando certo. Basta ler o que já escrevi sobre os primeiros dias dessa guerra, que é obvio que nada deu errado. Marcos costumava dizer que o único problema que tínhamos, era a doença em si.

Pra começar, Ana Luiza era uma criança extremamente saudável e segundo os médicos, isso foi fundamental para todo o tratamento. Nada de alergias, organismo forte e respondendo bem às medicações.

Tínhamos algum dinheiro guardado, graças a uma “intuição” do Marcos, que poucas semanas antes de tudo começar, achou melhor adiar a compra financiada de nosso primeiro imóvel. Quando ela precisou de uma UTI aérea que custava quase 100 mil reais, milagrosamente apareceu alguém disposto a ajudar. E rápido. O protocolo de tratamento, que era extremamente agressivo e de alto risco, Ana Luiza tirou de letra. E os resultados surpreenderam até os médicos mais experientes. No momento exato em que ela precisou de doação de sangue, em pleno carnaval, mais de 260 desconhecidos se mobilizaram e vieram ajudá-la, numa cidade tida como fria, como São Paulo.

E enquanto enfrentávamos a pior situação de nossas vidas, nós conseguíamos aprender alguma coisa a cada dia. Mesmo com tantos problemas pra resolver, angústias e preocupações, nossa família se tornava cada vez mais forte. Conheci pessoas que levarei no coração por toda minha vida. Tendo usufruído de tantas bençãos, como dizer que Deus não estava sendo bondoso e nos dando uma baita oportunidade de aprender coisas maravilhosas?

Enfim, com os dias passando e Ana Luiza apenas tratando a pneumonia fúngica, os oncologistas nos avisaram que os radioterapeutas viriam visitá-la. Ana Luiza iniciaria o planejamento da próxima e última fase do tratamento.

Os médicos decidiriam quais locais seriam irradiados, por quanto tempo e a duração do tratamento. Era uma discussão que envolveria toda a equipe de oncologistas e radioterapeutas, afinal os resultados de Ana Luiza surpreenderam a todos. Após uma série de discussões, finalmente decidiram iniciar o planejamento da radioterapia no crânio e, após o tratamento da pneumonia, ela faria aplicações nos pulmões e na duas vértebras da coluna dorsal que haviam sido atingidas por metástases.

Ainda durante a internação, Ana Luiza foi levada até o setor de radioterapia para a confecção da máscara que seria utilizada para o tratamento. A máscara tem como objetivo, fixar a cabeça de Ana Luiza, de modo que ela não conseguisse fazer o mínimo movimento, evitando que tecidos sadios fossem irradiados no momento do tratamento.

A fase de planejamento também envolvia uma série de exames de imagens (ressonância magnética e tomografia computadorizada) utilizando a máscara, com o objetivo de calcular milimetricamente a região a ser irradiada.

A modalidade de radioterapia escolhida para Ana Luiza, foi a IMRT ou seja, radioterapia com intensidade modulada de feixes, que permite a aplicação de altas doses de radiação com o mínimo de prejuízo para os tecidos sadios próximos a área afetada. Esse tipo de radioterapia causaria menos efeitos colaterais e os resultados se mostrariam mais eficientes.

Durante a confecção da máscara, Ana Luiza ficou muito apreensiva. Ela precisava ficar imóvel em uma maca rígida, enquanto um plástico elástico, levemente aquecido e cheio de furinhos era pressionado contra seu rosto, de forma a criar a formato exato de seu rosto.

Enquanto ela ficava com esse plástico morno no rosto, eram feitos raios x de seu crânio e muitos cálculos matemáticos. Muitos mesmos. Após 15 minutos, o plástico havia endurecido e formado a máscara, que estava pronta para receber várias marcações e para ser utilizada durante os exames de imagens, que precediam o início da radioterapia propriamente dita.

Até aquele momento Ana Luiza já tinha me surpreendido de todas as formas. Considerando que ela sempre foi uma criança extremamente saudável e que minha experiência em hospitais com ela, se resumia a aplicação de vacinas e uma bronquite aos 2 anos, eu imaginava que Ana Luiza daria muito trabalho e seria pouco colaborativa ao longo tratamento. Ledo engano.

Desde o início e apesar de tantos procedimentos dolorosos e difíceis, Ana Luiza tirava tudo de letra. E na maioria das vezes, de bom humor. Sempre que precisava descer do quarto 320, para fazer alguma tomografia ou ressonância magnética no setor de imagens no hospital, ela animava todos que estivessem ao redor.

Sempre muito alegre e rindo alto, ela perguntava o nome de todos, se apresentava, fazia perguntas e puxava conversas. Fazia amizades, tentava tranquilizar adultos assustados (sim, por incrível que pareça!) e fazia questão de enfatizar: “Olha só, essas enfermeiras dizem que essa injeção de contraste não dói, mas ele dói sim. Ela falam que é só uma picadinha, mas é mentira. Dói. Mas não é uma dor assim, tãããão grande. Você vai conseguir. Eu consegui e só tenho 7 anos!” A gargalhada era geral e tudo que eu queria era que ela deixasse eu filmar essas gracinhas, mas era impossível. Ela DETESTA que eu filme as coisas que ela faz. As poucas que consegui foram feitas clandestinamente. Quem sabe um dia, quando ela permitir, eu publique para vocês gargalharem também.

Com o passar dos dias, Ana Luiza ia ficando cada vez mais ansiosa para sair do hospital. Ela dizia que se sentia bem e não entendia porque precisava continuar internada. Depois de algumas avaliações médicas e o resultado de uma das tomografias de tórax terem evidenciado a boa recuperação da pneumonia fúngica, os médicos disseram que ela poderia ir pra casa, mas que deveria continuar a medicação (Anfotericina B Lipossomal – Ambisome) via endovenosa.

A equipe médica a encaminhou para o Home Care, ou seja, o plano de saúde ficaria responsável em contratar uma empresa que administraria a medicação em casa. Quando uma das médicas falou na frente de Ana Luiza sobre o encaminhamento para Home Care, não imaginava que ela entenderia o que aquilo significava. Mas imediatamente ela foi logo dizendo: “Claro que eu sei o que é Home Care. Significa que eu posso ficar em casa”. Bom, quase isso... mas a palavra inglesa “home” já era conhecida da pequena, graças a professora das aulas de inglês! E foi impossível conter a ansiedade dela.

Depois de alguns dias, finalmente ela receberia alta. No dia 7 de abril de 2011, após 47 dias de internação e tendo passado pela pior fase do tratamento, Ana Luiza recebeu alta.

Eu estava no apart hotel esperando os equipamentos e medicamentos da empresa de Home Care e minha mãe a trouxe pra casa. Com a ajuda das enfermeiras e da Fabiana, que neste dia presenciou a ansiedade da pequena em ir pra casa, minha mãe desceu com as malas até o térreo e antes que ela percebesse, Ana Luiza já estava dentro do táxi, pedindo que ela viesse “logo e parasse de ficar fofocando com as pessoas do hospital”.

Marcos chegou de Manaus nesse mesmo dia. Ana Luiza abraçou MUITO o “puí” e o rostinho era só felicidade por estarmos em casa. Quer dizer, não estávamos em nossa casa, mas àquela altura, estarmos todos juntos fora do hospital era bom demais!!

domingo, 27 de março de 2011

02 a 18 de Março de 2011: Transplante Autólogo (UTI e doações de sangue)

Após as células da medula terem sido infundidas e aquele pesadelo ter tido um fim, Ana Luiza dormiu tranquila a noite inteira. Enquanto ela dormia, eu tentava me convencer de que o pior já tinha passado, agradecia imensamente a Deus por ter nos dado forças e pedia muito, muito mesmo, que a medula voltasse a funcionar logo. Apesar de saber que Ana Luiza ainda estava sob risco de infecções, que a medula ainda demoraria pelo menos uns 10 dias para voltar a funcionar e que não tinha nada que eu pudesse fazer para minimizar tudo aquilo, eu sabia que conseguiríamos. Eu precisava ter a mesma certeza que minha filha tinha: Ela ia ficar boa.

Logo no início da madrugada, mais uma verificação rotineira de sinais vitais foi feita pela técnica de enfermagem do TMO. Ana Luiza, de certa forma já estava habituada. Eu também. Todo santo dia, as enfermeiras também coletavam sangue através cateter, para realização de exames e, as vezes, Ana Luiza sequer acordava. E a cada dia, os exames iam mostrando o declínio das plaquetas, hemácias e principalmente leucócitos (células de defesa).

A equipe de enfermagem que tem cuidado de Ana Luiza é fantástica. Entram no quarto de mansinho, fazem de tudo para não incomodá-la e com todo cuidado fazem seu trabalho. Marcos apelidou várias delas de ninjas. Se tem algo que me emociona muito é perceber que cada um desses profissionais cuida do meu maior tesouro, como se fosse deles também. Se todas as pessoas se dedicassem, de coração, àquilo que elas se propõem a fazer, tudo seria mais fácil pra todo mundo.

Mas ainda meio acordada, meio dormindo fiquei observando a técnica de enfermagem montar os equipamentos e aferir os sinais vitais de Ana Luiza. Ao olhar para o monitor vi que a pressão arterial tinha subido muito e a saturação de oxigênio estava péssima. Esfreguei bem os olhos e em meio minuto eu pulei da cadeira onde eu dormia e já estava totalmente desperta.

A pressão arterial de Ana Luiza sempre foi excelente, 80x50 mmHg, no máximo. Desde o início do tratamento e mesmo tendo feito vários ciclos de quimioterapia com drogas que poderiam alterar a função cardíaca, a pressão arterial da Ana Luiza continuava inabalada. E a saturação de oxigênio sempre foi perfeita: de 98% a 100%. Quando vi o monitor marcando 150x10 mmHg e a saturação em 65%, meu estômago veio parar na boca.

A técnica de enfermagem, também achando os sinais totalmente estranhos, calmamente saiu do quarto dizendo que ia buscar outro monitor. Enquanto isso, eu olhava pra Ana Luiza e não percebia qualquer dificuldade respiratória, nem nada.

De mansinho, acordei-a e perguntei se ela estava se sentindo bem. Com um sorriso no rosto, ela disse que estava bem, só estava com um pouco de sede. Enquanto eu pegava água, a técnica de enfermagem entrou no quarto com um novo monitor e com a enfermeira chefe e a médica plantonista a tira colo. Em mim, um frio na barriga, uma angústia que detesto sentir, tomou conta em segundos.

A médica, muito tranquila (graças a Deus!), examinou Ana Luiza e na base dos pulmões ela auscultou algo anormal. Instalaram o novo monitor e tudo continuava a mesma coisa: sinais ruins. A médica chamou a fisioterapeuta plantonista, que trouxe o oxímetro portátil e tudo continuava na mesma... saturação de oxigênio péssima!

Enquanto a médica solicitava Raios X de tórax de urgência e a presença do médico da UTI pediátrica para avaliá-la, Ana Luiza pedia pra ligar no Discovery Kids. Eu, de olhos arregalados, continuava fingindo que estava tranquila, afinal eu não queria ser a única desesperada e ainda assustar Ana Luiza. Se minha filha estava tranquila, eu tinha que permanecer tranquila. Não tinha ninguém desesperado na sala e os médicos, mesmo apreensivos, pareciam saber exatamente o que fazer e tudo parecia estar sob controle.

O técnico do Raio X chegou no quarto em menos de 10 minutos, fez “a foto” do tórax da pequena e em menos de 15 minutos o resultado já estava com os médicos. Eu, que já não tinha unhas, roía meus dedos, enquanto fingia assistir “Toot e Puddle”, no Discovery Kids, com Ana Luiza. Ela estava aparentemente bem, então eu seguia firme.

Finalmente os médicos retornaram ao quarto com as notícias. Depois de examiná-la novamente, disseram que ela tinha um edema agudo de pulmão (“basicamente” um inchaço, um acúmulo de líquido nos pulmões), o que dificultava a troca gasosa e desencadeava esse desequilíbrio nos sinais vitais. Eles disseram que esse tipo de complicação era comum após a infusão das células, devido a enorme quantidade de líquidos que eram injetados nela em pouco tempo e o organismo, eventualmente adquiria certa dificuldade em distribuir o líquido recebida e, por permanecer deitada por longos períodos, o líquido se acumulava, preferencialmente, nos pulmões.

Ela foi medicada com diuréticos e pela manhã ela repetiria o exame de imagem. Ana Luiza estava bem. Assistiu um pouco de TV e rapidamente voltou a dormir. Ela não reclamou de dor, nem de falta de ar, ou qualquer outra coisa. Mas a toda hora ela acordava para ir ao banheiro fazer xixi. Era o remédio fazendo efeito.

Eu ficava vigiando o sono dela e toda vez que ela precisava ir ao banheiro, eu saía carregando aquele suporte cheio de coisas penduradas, coletava e quantificava a urina com o pequeno jarro, anotava tudo e voltava com ela pra cama. Assim seguiu a noite. Ou seja, nada de dormir. Logo bem cedo, Ana Luiza repetiu o exame de Raios X e graças a Deus os pulmões estavam completamente normais. Ufa! Respirei aliviada. O diurético funcionou bem e os sinais vitais voltaram a normalidade como num passe de mágica.

O dia seguiu tranquilo: Ana Luiza sonolenta por ter passado a noite indo da cama para o banheiro e eu caindo de cansaço por não estar dormindo há dias. O exame de sangue mostrava a queda brusca dos leucócitos e plaquetas, algo totalmente previsto. Mas felizmente não mostrava nenhum sinal de infecção.

A mucosite parecia estar sob controle, pois a boca só tinha uma pequena ferida embaixo da língua. Mas Ana Luiza não sentia dor, afinal desde o primeiro dia da internação ela já fazia laserterapia e bochechos com diversos medicamentos, com a equipe de estomatologistas do Hospital.

Mas sem dúvidas o melhor do dia foi o Marcos ter chegado de Manaus. Ele precisou voltar para o trabalho na véspera da internação, mas conseguiu retornar pra ficar conosco. Ana Luiza ficou superfeliz com a presença do “puí”, mas sem dúvidas quem mais precisava dele era eu. Marcos não é apenas meu marido. Ele é meu grande amigo, um companheiro de verdade. Ter alguém com quem dividir o medo, o desespero, as angústias... era realmente um alívio.

Eu não conseguia dividir esse desespero com minha mãe ou minha sogra, por medo de deixá-las ainda mais preocupadas. E também não conseguia pegar o telefone e ligar pra minhas irmãs ou alguma amiga, pois da mesma forma que eu tinha vontade de ligar pra chorar, ou gritar, eu ficava imaginando o sofrimento de uma pessoa que está há 5 mil quilômetros de distância e que não poderia sequer me confortar com um abraço. A tal sensação de impotência, talvez seja um dos piores sentimentos que existem entre pessoas que se gostam e eu, definitivamente, que não queria piorar a situação pra ninguém.

Enfim, neste dia recebemos a visita da chefe da Oncologia Pediátrica. Ela que sempre se mostrou mais séria e pragmática, conseguiu me tranquilizar ao dizer que Ana Luiza estava indo muito bem. Ela enfatizou que naquela etapa do tratamento, geralmente muitas crianças lutavam com a mucosite severa, ou contra infecções desconhecidas ou não-controladas e algumas já estavam na UTI. E eu deveria ficar tranquila, pois Ana Luiza aparentemente não tinha nenhuma infecção, não tinha tido febre e ainda conseguia se alimentar pela boca, sem necessidade de sonda. Ela, sorrindo, apenas disse: “Ana Luiza está ótima!”

Ana Luiza dormiu cedo. Ela estava cansada. Na verdade nós duas estávamos. Marcos voltou para o apartamento e durante a madrugada a pequena acordou para ir ao banheiro apenas 2 vezes e parecia estar bem, sempre conversando e ajudando com o suporte de soro. Os sinais vitais seguiam normais e tudo parecia estar ótimo.

De manhã cedo, quando a técnica de enfermagem entrou no quarto para mais uma aferição de sinais vitais, os dela estavam ruins novamente. Saturação em 70% e pressão arterial aumentando. Mas diferente do dia anterior, Ana Luiza respirava com certa dificuldade e os médicos solicitaram mais um exame de Raios X. Eu tentava me manter tranquila, afinal tudo indicava que fosse, mais uma vez, um edema agudo de pulmão e o remedinho pra fazer xixi, resolveria tudo.

Quando vi 4 médicas entrando no quarto para informar o resultado dos exames, imediatamente imaginei que as notícias não eram tão boas. Uma delas, com uma carinha bem triste disse: “Bom, estamos suspeitando que ela esteja com uma pneumonia!” Eu respirei fundo e apenas perguntei: “Pneumonia? Como assim? Ontem a imagem do tórax estava normal?” A médica, então respondeu: “Conseguimos identificar a pneumonia muito no início, provavelmente nas primeiras horas e isso é excelente. Vamos começar os antibióticos agora mesmo. Mas acredito que seja mais prudente ela subir pra UTI, pois os leucócitos baixaram muito e lá ela vai ficar melhor monitorada, com médico 24h ao lado dela... enfim, é o mais seguro nesse momento”. Eu continuava meio incrédula. Como assim, uma pneumonia “do nada”? Mas o fato é que a medula de Ana Luiza estava entrando em falência e ela estava suscetível a qualquer infecção. Apesar de já ter infundido as células tronco, a medula óssea levaria de 10 a 45 dias pra voltar a funcionar, enquanto isso, eu já sabia que ela ficaria suscetível a infecções, só não imaginava que fosse assim, tão rápido. Literalmente do dia pra noite.

Relembrei que essa modalidade terapêutica é extremamente arriscada por isso e que os médicos já tinham nos alertado sobre isso. Tudo aquilo era esperado. Eles torciam para não acontecer nada, mas infelizmente era mais provável que acontecesse alguma complicação, do que o contrário.

Ana Luiza estava dormindo quando recebi a informação de que ela iria para UTI. Quando as enfermeiras vieram buscá-la, a acordei bem de mansinho e tentando não assustá-la, disse que nós iríamos sair do TMO. Ela abriu um sorriso lindo, achando que iríamos para casa. Mas quando finalmente mencionei a palavra UTI, Ana Luiza ficou arrasada. Começou a chorar e muito chateada, disse que não queria ir. Meu coração ficou apertado, mas tentei explicar que seria mais seguro pra ela, que lá ela ia ficar muito bem cuidada e que eu não sairia do lado dela, um minuto sequer.

Liguei pro Marcos e pra minha mãe avisando que estávamos indo para UTI. Expliquei rapidamente o que tinha acontecido e pedi que eles viessem esvaziar o quarto do TMO e levar as coisas pra casa, pois eu não poderia levar muitas coisas para a UTI. Levei apenas minha bolsa e a pasta de documentos da Ana Luiza.

Chegando lá, apesar de termos ficado numa espécie de “quarto”, isolado dos demais boxes, vi no rostinho de Ana Luiza um desespero que nunca tinha visto antes. Ela parecia antever o que aconteceria: Ligaram aquele monte de fios, colocaram uma nebulização no rostinho dela, tiraram a roupinha, colocaram uma fralda e sem muita explicação, foram fazendo o que era o trabalho deles. Ana Luiza estava inconsolável. Gritando, ela dizia que não queria ficar lá, que não queria ficar sem roupa, que não iria usar fralda, que queria voltar para o 5º andar...

A certa falta de sensibilidade das enfermeiras me deixou um tanto chateada. Elas faziam ouvido de mercador e aquilo deixava Ana Luiza ainda mais irritada. Tentei acalmá-la, expliquei o motivo de cada uma daquelas coisas, pois sei o quanto ela precisa entender a situação para cooperar. Apesar de ser muito novinha, Ana Luiza compreende as coisas com muita facilidade e eu achava uma judiação, a forma como as coisas estavam sendo feitas, apesar de compreender perfeitamente a atitude das enfermeiras, que estavam apenas fazendo seu trabalho.

Depois que as enfermeiras deram um trégua, tentei conversar com ela e explicar. Mas ela estava irredutível. Com um olhar triste e muito irritado, sequer olhava pra mim enquanto eu falava. Tive a sensação de que ela esperava mais de mim, que eu a defendesse contra as enfermeiras ou algo do tipo. Ela estava nitidamente muito aborrecida e triste.

Os dias na UTI foram bastante desgastantes. Ana Luiza não aceitava ter que usar fraldas, achava degradante demais ter que ficar despida na UTI. Não queria tomar banho na cama e foi muito difícil explicar pra ela que tudo aquilo fazia parte dos cuidados dentro da UTI. Ela sempre cooperou com o tratamento. Às vezes ela reclamava, mas por fim, acabava fazendo o que tinha que fazer. Pela primeira vez, vi uma Ana Luiza triste, inconsolável e que não conseguia aceitar aquela situação.

Os leucócitos e demais componentes do sangue de Ana Luiza continuavam em declínio e, desde o primeiro dia na UTI ela estava recebendo transfusões de sangue e plaquetas. A mucosite, que inicialmente parecia ser “apenas uma pequena ferida debaixo da língua” tinha tomado conta da mucosa do esôfago e estômago, o que a fazia sentir dores fortíssimas, que só diminuíam a base de Morfina. Ela não conseguia engolir a própria saliva e passava o dia cuspindo o que ela chamava de “baba grossa”. Eventualmente, essa “baba grossa”, vinha com traços de sangue.

Os médicos nos informaram que possivelmente ela necessitaria de nutrição parenteral, para evitar a desnutrição. Mas Ana Luiza, mesmo sem saber o que aquilo significava, disse que não iria precisar porque ela não era um bebê e iria se esforçar pra comer. Apesar de fazer muito esforço pra se alimentar (e mesmo sentindo muita dor, ela insistia e conseguia comer), ela sempre vomitava tudo que comia. Diversas vezes, esses vômitos vinham com enormes pedaços de mucosa e sangue de cor viva, o que indicava que existiam feridas enormes na mucosa do esôfago. Eu ficava apavorada, mas tentava transparecer naturalidade na frente dela. Eu notei que quando ela me via segura e tranquila, ela também tentava se manter calma. Além disso, ela começou a ter diarreia (que já era prevista por causa da quimioterapia) o que a deixou ainda mais frágil.

Com as plaquetas em níveis muito baixos, qualquer coisa era o suficiente para que ela sangrasse, por tanto, os cuidados tinham que ser redobrados.

Muitas vezes, durante o dia, ela tinha diarreia e vomitava ao mesmo tempo. Ana Luiza gritava de raiva, de dor, de tristeza... ela se sentia suja, tinha nojo dela mesma e começou a se denegrir. Dizia que ela era uma menina porca, que se alguém a visse daquele jeito, tirariam sarro dela ou teriam pena dela, que ela tinha virado um bebê chorão, etc, etc, etc... Pela primeira vez na vida, estava vendo uma criança totalmente diferente da minha Ana Luiza. Ela estava debilitada, fragilizada, irritada. Não queria conversar, não me olhava nos olhos, não queria brincar. As vezes ela assistia TV, mas parecia estar longe de mim.

Eu a abraçava forte, tentava explicar que aquilo era “normal”, que ela ficaria boa logo e que ninguém JAMAIS tiraria sarro ou teria pena dela. O tempo todo, eu dizia que a amava muito e que ficaria ao lado dela o tempo todo. Ela simplesmente me ignorava. Algumas vezes ela se irritava e pedia pra eu ficar calada. Que dor, vê-la tão triste! E sempre que eu a abraçava, implorava a Deus que nos desse força. Quando ela finalmente dormia, eu me permitia chorar. Vê-la daquele jeito era terrível demais pra mim.

Mas aquela situação estava nos aproximando ainda mais. Ela se sentia segura perto de mim e tudo tinha que ser feito por mim. Ana Luiza não permitia que nenhuma enfermeira encostasse nela, ou a limpasse ou desse banho, ou trocasse a fralda... nem Marcos, nem minha mãe podiam fazê-lo também. Somente eu. Ela aceitava somente a minha ajuda, ninguém mais podia fazê-lo. Muitas vezes por vergonha e tantas outras porque “só a mamãe sabe fazer isso!”.

E todas as vezes que eu terminava de limpá-la e de trocar as roupas de cama, ela me olhava com um olhar de gratidão e dizia: “Mamãe, muito obrigada por cuidar de mim. Te amo muito!” Mesmo eu dizendo que eu fazia aquilo por amor e porque ela era a razão da minha vida, ela dizia: “Mesmo assim, mamãe! Obrigada por ficar comigo o tempo todo e cuidar de mim”. Aquilo arrebentava meu coração. Eu ficava muito emocionada de saber que ela estava grata, mas eu era sua mãe, ela não precisava agradecer, meu Deus! Nesses momentos eu tinha certeza que ela voltaria a ser a Ana Luiza de sempre. Mas eu não podia fraquejar.

Além de todo o desgaste psicológico que aquela situação estava causando nela, a rotina na UTI ainda incluía: Tomar 4 antibióticos, 3 antieméticos, 2 protetores estomacais, 02 anti-hipertensivos, 1 analgésico potente (morfina), cálcio, potássio e demais eletrólitos, além dos bochechos com Nistatina, água bicarbonatada e Periogard.

A equipe de estomatologistas continuava a visitá-la diariamente, para aplicar o laser na mucosa da boca e a equipe de enfermagem vinha a cada hora para aplicar algum remédio ou fazer algum procedimento e a equipe de fisioterapia não dava trégua: mais de 5 vezes por dia, tentando convencê-la a fazer algum exercício para as pernas, braços e pulmões.

Antes de cada transfusão (que em alguns dias chegavam a 4 ou 5 bolsas), ela ainda tomava os remédios pré-transfusão, ou seja, além dos efeitos severos da quimioterapia, ela tomava uma quantidade absurda de medicamentos que a deixavam cada vez mais enfraquecida, irritada e sem apetite: Um círculo vicioso.

Teve uma noite em particular que ela, dormindo, foi coçar o nariz e, como as plaquetas estavam MUITO baixas, ela teve uma hemorragia nasal que durou das 22h às 6h da manhã do dia seguinte. Depois do desespero de ver tanto sangue, finalmente ela conseguiu dormir com tampões no nariz, mas passou várias horas deglutindo sangue.

No meio da madrugada, ainda com os tampões no nariz, Ana Luiza acordou e disse que estava com vontade de vomitar. Corri, peguei o coletor de vômitos, mas não deu tempo: Ela vomitou MUITO. Chamei as enfermeiras para que me ajudassem, mas o sangue deglutido durante toda a madrugada foi vomitado e ela ficou envolta em uma quantidade enorme de sangue e coágulos.

A cena era algo terrível para um adulto, imagina para uma criança! Quando ela viu aquela quantidade de sangue espalhado na cama e por todo seu corpo, começou a chorar desesperada e quanto mais chorava, mais vomitava. De tanto fazer forças para vomitar, ela acabou defecando também, pois estava com muita diarreia. Foi um verdadeiro terror. Nunca, em toda minha vida, conseguirei explicar o desespero que tomou conta de mim, ao ver minha filha daquele jeito!

A enfermeira desligou as bombas que infundiam aquele monte de remédios e eu pedi para levá-la até o banheiro. Ela estava suja da cabeça aos pés e precisava de um banho. A médica autorizou e eu a levei. Ana Luiza estava muito fraca, sem forças e mal conseguia andar. Mas dei um longo banho quente e tentei tranquilizá-la. Depois do banho, ainda molhada, ela me abraçou bem forte e disse que me amava muito e mais uma vez me agradeceu por cuidar dela. E enquanto eu a abraçava, fechei os olhos e apenas pensei: “Ô meu Deus, protege minha filha. Me permita ficar com minha filha por longos anos!”

Eu estava muito exausta. Há dias sem dormir, muita preocupação com ela, dias e noites agitadas e a presença constante da terrível sensação de impotência, em não poder amenizar o sofrimento dela. Há dias eu não conseguia tomar banho direito, escovar dentes direito, pentear o cabelo, tudo era feito às pressas. Meu sono era picado e cada vez que ela acordava de madrugada por causa de vômitos ou diarreia, eu levava de 30 a 40 minutos para conseguir terminar de arrumar tudo.

Certo dia, eu me levantei da cadeira que usava para dormir e disse pra ela que estava muito cansada e com dor nas costas. Ela apenas disse: “Eu sei mamãe. Mas se você está cansada, imagina como eu estou me sentindo, né?” Aquilo foi um soco no meu estômago. Eu jamais poderia imaginar a dor que ela estava sentindo. Tantos remédios, tanto sofrimento e eu reclamando de cansaço e dor nas costas. Minha filha estava definhando, perdendo massa muscular, sem cabelos, sentindo dores fortíssimas, usando fralda, vomitando pedaços de mucosa, defecando diversas vezes por dia e eu estava “cansada”. Sem dúvidas, com aquela simples frase, percebi o quanto somos egoístas.

Nesse dia, ela voltou a dormir rapidamente, depois que troquei sua fralda. Eu, que fiquei pensativa com o que ela tinha dito, abri a persiana do quarto e fiquei olhando pela janela. Estávamos no 6º andar e de lá eu via os prédios iluminados, que em SP parecem um mar de concreto.

A rua com movimento de carros e pessoas (pois tem diversas faculdades e linhas de Metrô próximas ao hospital), e não pude deixar de pensar: Há menos de 6 meses, eu vivia minha vida como uma pessoa qualquer. Vivia no meu mundinho, olhando pro meu próprio umbigo e achando que minhas “causas” eram justas. Marcos e eu trabalhávamos bastante, juntávamos dinheiro pra comprar nossa primeira casa própria, sempre fomos muito honestos e caretas com tudo, detestávamos quem parava em fila dupla em frente da escola do filho por preguiça de andar um quarteirão, criticava os políticos e a sociedade do conforto do nosso computador, ficávamos na internet à toa por algumas horas, frequentávamos os nossos restaurantes preferidos, planejávamos nossas férias...

Mas enquanto eu perdia meu tempo falando mal de políticos ou me revoltando com o trânsito caótico de Manaus, quantas pessoas não estavam enfrentando um problema muito pior do que eu enfrentava agora? Durante esse tempo em SP, conheci diversas mães que há anos, lutavam pela saúde dos filhos. Anos. Não eram 6 meses de lutas. Eram ANOS enfrentando essa rotina de hospitais e passando todo tipo de necessidades. E eram anos, vendo a cabeça dos médicos balançarem negativamente, informando que seus filhos não estavam melhorando...

Olhando pela janela, eu senti vergonha. Eu já vinha me sentindo envergonhada há tempos. Afinal foi preciso um caminhão passar por cima de mim, para que eu enxergasse realmente o que é importante nessa vida. Mas senti vergonha, porque enquanto outras centenas de pessoas lutavam por suas vidas e a maioria delas estava sozinha, enfrentando toda sorte de dificuldades, eu ainda tinha coragem de ficar me lamentando e reclamando de cansaço.

E agora? Nesse exato momento? Quantas pessoas não estariam lutando por suas vidas de uma maneira surreal? E eu aqui. Reclamado do gosto enjoado da comida do hospital, de não aguentar mais dormir numa cadeira parcialmente quebrada, de não conseguir lavar meus cabelos direito, de sequer ter tempo pra escovar os dentes... Ao invés de agradecer porque minha filha estava num dos melhores hospitais do mundo, sendo tratada pelos melhores profissionais, porque tenho condições físicas, emocionais e financeiras de estar ao lado dela desde o início, eu, vergonhosamente, prefiro lembrar do que é pior. É muito difícil enxergar algo bom no meio do desespero. Mas existe sim. É só mudar um pouquinho a nossa perspectiva.

Depois de pensar em tudo isso, beijei minha filha, me deitei na minha cadeira quebrada, me cobri com o cobertor e agradeci a Deus por tudo. Era óbvio que Ele estava conosco desde o início e estava presente naquela UTI. Minha filha ia ficar bem. E nesta noite eu pedi a Deus pela vida de tantas outras crianças e adultos que eu tinha conhecido, inclusive das que estavam ao nosso lado na UTI.

Durante o dia, era permitido ficar apenas uma visita na UTI, então Marcos e minha mãe se revezavam para ficar conosco, e algumas vezes eu conseguia cochilar enquanto eles ficavam de olho nela.

Mas depois de alguns dias, Marcos me obrigou a ir em casa por pelo menos 1h ou 2h. Eu sentia um desespero em deixá-la, mas eu precisava ter forças para encarar a madrugada cansativa com ela. Enfim, eu precisava recarregar as baterias, mesmo que parcialmente.

No primeiro dia em que finalmente consegui ir em casa, ao retornarmos para o hospital, minha mãe nos avisou que o médico do Banco de Sangue tinha estado lá e precisava falar conosco. Marcos e eu fomos até o Banco de Sangue e, naquela sexta-feira, véspera de Carnaval, o médico nos informou que precisávamos repor o estoque de sangue que Ana Luiza havia utilizado até aquele momento, o que totalizava aproximadamente 12 doadores de qualquer tipo sanguíneo e, com certa urgência, precisávamos conseguir, pelo menos 1 doador de plaquetas, do tipo sanguíneo dela (A negativo).

Ele disse sentir muito por pedir aquilo em plena época de carnaval, pois ele sabia o quanto seria difícil conseguir doadores, principalmente para nós, que não éramos da cidade de São Paulo e que vínhamos de região endêmica de malária (o que nos impedia de doar sangue).

Ainda na sala do médico, Marcos e eu nos entreolhamos e imaginamos a dificuldade que seria conseguir doadores. O médico nos orientou a procurar o Corpo de Bombeiros, ou algum Batalhão da Polícia Militar, pois eles sempre ajudavam com as doações, mas ele mesmo admitiu que a época de carnaval era um grande complicador, pois além de ser difícil conseguir doadores, era um momento de baixa nos estoques de sangue do hospital.

Saímos da sala de mãos dadas. Eu sabia que Ana Luiza continuaria precisando de transfusão de sangue e exatamente por isso, a necessidade de doadores aumentaria a cada dia. Inicialmente eu disse que não iria me apavorar com aquilo e que o Hospital teria que dar um jeito de continuar transfundindo a quantidade de sangue que ela precisava e pronto.

Passei o dia pensando naquilo. O carnaval estava chegando e o nível de leucócitos de Ana Luiza estava cada vez pior. Nem sinal da medula voltar a funcionar. As plaquetas “desapareceram” e ela ficava suscetível a hemorragias, o que aumentava ainda mais a necessidade de transfusões. Por mais que eu tentasse “me enganar”, passando para o hospital a responsabilidade pelo sangue que minha filha necessitasse, o correto era que eu, pelo menos TENTASSE, de alguma forma, conseguir nem que fosse os 12 doadores de sangue de qualquer tipo sanguíneo. Não era uma obrigação legal. Era uma obrigação moral.

A noite, assim que Ana Luiza dormiu, resolvi enviar um e-mail para Alessandra Siedschlag, jornalista do Portal R7, que havia muitos seguidores no twitter e que alguns meses antes, tomou conhecimento da situação da minha filha e tinha me dito: “Se você precisar de QUALQUER coisa, pode contar comigo. A gente tenta mobilizar pessoas, fazer vaquinha, qualquer coisa!”

Se ela aceitasse me ajudar, tinha certeza que pelo menos 10 doadores a gente conseguiria. Mandei o e-mail e ela, que pelo que entendi estava viajando com a família, parou por alguns minutos e fez um apelo via twitter. Ela publicou uma foto de Ana Luiza, explicou nossas necessidades e em meia hora, a foto tinha mais de 2 mil visualizações.

Que ser humano, dá um “pause” nas férias com a família, para ajudar um completo estranho? Eu tenho vergonha de admitir que antes de tudo isso começar, eu nutria uma certa descrença pelos seres humanos. Mas com esse simples gesto da Alessandra, formou-se uma corrente inimaginável em favor da minha filha.

Comentei com Marcos sobre a foto publicada na internet e ele ficou acompanhando e disseminando no twitter e em outras redes sociais, a nossa necessidade.

No dia seguinte, enquanto falava com Marcos no telefone, tomei um baita susto quando vi que o #ForçaAnaLuiza (hashtag usada no twitter) era o assunto mais comentado no Brasil, em pleno sábado de carnaval. Famosos retuitavam o pedido de doação de sangue e mais pessoas se interessavam pelo assunto e neste sábado, mais de 8 mil pessoas já haviam repassado o pedido de doação de sangue através do twitter.

Abri meu e-mail e inúmeros pessoas pediam mais informações sobre a doação de sangue, outras tantas informavam que podiam contar com eles, pois definitivamente iriam doar sangue. Pessoas ligavam no meu celular para conferir se era uma história real, se realmente existia a tal Ana Luiza. Tomei um baita susto! A ideia de pedir ajuda pela internet tinha dado certo. Com certeza conseguiríamos os 12 doadores.

Durante o sábado, várias pessoas estiveram no hospital doando sangue e fiquei extremamente surpresa e emocionada com a solidariedade de todos. Marcos passou o carnaval inteiro no Banco de Sangue conversando com as pessoas, e agradecia emocionado, a bondade dos desconhecidos. A “campanha”, continuou por todo o carnaval e diversos portais de comunicação na internet, nos procuraram para tentar divulgar e ajudar de alguma forma.

E na segunda-feira de Carnaval de 2011, mais pessoas compareceram para doar sangue em favor da minha filha. Eu, mesmo exausta da rotina puxada da UTI, deixava-a com minha mãe por alguns minutos e descia até o Banco de Sangue para agradecer pessoalmente as todos.

Quando estou muito cansada, fico muito emotiva. Até PowerPoint de autoajuda me faz chorar. E em algumas ocasiões não conseguia controlar o choro e passei vergonha na frente de algumas pessoas que vieram doar sangue pra ela.

Foi absurda a mobilização feita em torno da minha filha. Recebi ligações dos quatro cantos do Brasil e nunca imaginei que aquele simples e-mail para a Alessandra fosse, tomar uma proporção dessas. Os amigos de Manaus, reais e virtuais, tuitavam sem parar. Desconhecidos no Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador... Sem dúvidas, eles foram os grandes responsáveis pela disseminação das informações que em pouco tempo e numa época bastante complicada, resultaram em mais de 200 doações em favor de Ana Luiza. Muito mais do que o necessário para repor os estoques utilizados e ainda garantir para futuras transfusões.

Comentei com Ana Luiza sobre tudo que estava acontecendo. Disse que centenas de pessoas estavam torcendo por ela e doando sangue para ajudá-la a ficar boa logo. Ela sorriu, mas pareceu não se interessar por nada daquilo. Ela estava muito debilitada, a diarreia, os vômitos, os sangramentos, a quantidade de medicação. Tudo aquilo a deixava muito fragilizada e me doía demais vê-la daquele jeito.

Neste dia recebi um e-mail do Fábio Yabu, autor de livros infantis e de um dos personagens preferidos de Ana Luiza, as Princesas do Mar. Ele se comoveu com tudo que estávamos enfrentando e infelizmente não podia doar sangue. Mas queria saber se poderia enviar alguns presentinhos para Ana Luiza.

O Fábio não sabia e tenho certeza que ele sequer imaginava que aqueles “presentinhos” teriam um efeito fundamental na recuperação de Ana Luiza. Ele veio pessoalmente entregá-los e agradeci de coração pelo gesto generoso. Levei a mochila cheia de livrinhos, canetinhas, cadernos, adesivos e uma linda princesa do mar, de pelúcia que inesperadamente era a preferida de Ana Luiza.

Assim que Ana Luiza acordou, mostrei os presentes e os olhinhos dela brilharam como há dias eu não via. Ela ficou extremamente feliz, folheou cada livrinho e assim que viu a foto do Fábio em um dos livros, na mesma hora quis escrever uma cartinha de agradecimento. E depois que terminou ela me disse: “Mamãe, eu queria muito conhecer o Fábio. Será que ele pode me visitar?” Eu disse que ela não estava podendo receber visitas e que eu também não sabia se ele poderia vir, pois era feriado e às vezes ele já tivesse planejado alguma outra coisa. Ela insistiu pra eu falar com a enfermeira e mandar um e-mail pra ele.

E foi exatamente o que eu fiz. A enfermeira autorizou essa visita excepcional e eu mandei um e-mail para o Fábio que imediatamente respondeu dizendo que seria um enorme prazer poder conhecer Ana Luiza.

No dia seguinte, o Fábio veio e pela primeira vez depois de vários dias, minha filha voltava a fazer o que gostava: desenhar, colorir, brincar. Ele desenhou vários personagens, um para cada amigo da escola, para as professoras dela, para as vovós... Eu não consegui encontrar com o Fábio neste dia, pois eu havia descido até o Banco de Sangue, mas quando finalmente voltei para a UTI, vi nos olhos da minha filha, um brilho que há dias eu não enxergava.

E desde então, como num passe de mágica, Ana Luiza voltou a querer brincar, conversar, desenhar, assistir televisão... aos poucos ela voltava a ser o que era. E aquela visita, de uma pessoa que dispôs de algumas horas de sua vida, fez toda a diferença na vida da minha filha, meu maior tesouro. Talvez ele não saiba disso e nem imagine como foi importante para minha filha neste processo. Mas sem dúvidas, eu aprendi mais uma lição: Poucas horas fazendo o bem, podem ter um significado para a vida toda. Tanto para quem faz, mas principalmente para quem recebe.

Famílias inteiras vieram até o Banco de Sangue, grupos de amigos, grupos de empresas, policiais militares de São Paulo, que foram convocados através de um pedido pessoal da polícia militar do Amazonas.

Muita gente ainda ligava, mandava e-mails e mensagens aqui no blog. Era impossível responder tudo. Jornalistas queriam fazer matérias, ajudar a divulgar de alguma forma. As pessoas enviavam presentes para Ana Luiza, crianças enviavam cartas, desenhos... e um dia, a enfermeira da UTI me avisa que tinha uma pessoa aguardando na recepção, com alguns presentes para Ana Luiza.

Desci até a recepção e conheci a Simone Mozzilli. Ela trouxe um gorro engraçado e alguns bótons com os seguintes dizeres: “Força, Leucócitos!” Dei muita risada. Realmente, tudo que precisávamos, era que os leucócitos de Ana Luiza reagissem e a medula voltasse a funcionar. Os poucos bótons não foram suficientes para tantos médicos, enfermeiras, recepcionistas, ascensoristas e funcionários do hospital que torciam por ela. E a Simone, que tem um coração infinitamente maior do que aquele corpinho esbelto, trouxe mais bótons. Dessa vez, com mais um modelo. O “Força, Plaquetas!”. As minhas risadas eram inevitáveis, principalmente quando, do nada, aparecia alguém que me parava no corredor do hospital e perguntava: “Ainda tem daqueles broches da Ana Luiza!! Quero um, pois estou torcendo muito por ela!!”

Neste mesmo dia, o Mateus Carrieri, um ator que participou, não apenas divulgando no twitter, mas efetivamente querendo contribuir de alguma forma, veio doar sangue. Ele não pôde doar, mas insistiu em querer ajudar e disponibilizou 200 ingressos para sua peça em Cartaz, aqui em SP, para as pessoas que tivessem doado sangue para Ana Luiza.

Toda essa mobilização era inimaginável. E me faltavam palavras para agradecer cada pessoa que esteve aqui, cada e-mail, cada mensagem, cada telefonema, cada segundo que as pessoas estiveram com minha filha em seus pensamentos.

Ana Luiza seguia firme, apesar dos vômitos e diarreia persistentes e, após o carnaval, os Leucócitos dela começaram a dar sinal de vida. Os médicos estavam confiantes de que a Medula logo voltaria a funcionar e após 10 dias da infusão das células tronco, finalmente a Medula de Ana Luiza “pegou”.

Um alívio imediato, uma sensação enorme de gratidão e pela primeira vez em 6 meses, senti que poderia me dar ao luxo de imaginar o dia em que voltaríamos para casa. Ela continuou recebendo transfusões de plaquetas, pois ainda estava com os níveis muito abaixo do normal, mas as médicas garantiram que tudo estava dentro do esperado, pois as plaquetas eram os últimos componentes a responder.

Os dias na UTI continuavam bastante difíceis e cansativos. Os vômitos e diarreia continuavam persistentes. A mucosite ainda permanecia, mas Ana Luiza já conseguia comer sólidos e o humor estava melhorando todos os dias. A tristeza, a raiva, a fraqueza e o desânimo, aos poucos iam diminuindo e finalmente após 12 dias na UTI, Ana Luiza recebeu alta. Ela ficou muito feliz, disse que era somente isso que ela precisava pra se sentir melhor: Sair daquela prisão!

Mas infelizmente não tinha vaga no setor de TMO. Os leitos estavam todos lotados e Ana Luiza não poderia ficar na ala pediátrica, pois precisava ficar num quarto que tivesse ventilação filtrada, afinal a medula estava voltando a normalidade aos poucos e qualquer infecção aquela altura, seria extremamente prejudicial.

Ficamos na UTI aguardando um quarto e Ana Luiza, a cada dia, ficava mais impaciente. Após 4 dias esperando por uma vaga, finalmente os médicos tiveram piedade da pequena (e de mim também!!) e conseguiram um quarto com ventilação filtrada, no 3º andar. Mas precisavam criar uma estratégia com a equipe de enfermagem da pediatria, que teria que enviar, diariamente, uma enfermeira para cuidar dela, pois a equipe do 3º andar, não estava habilitada para cuidar de crianças.

Depois de feitos os arranjos com a equipe de enfermagem, no dia 18 de março de 2011, finalmente Ana Luiza saiu da UTI e ficamos em um quarto amplo, com mais privacidade e com um sofá maravilhoso para eu esticar as costas.

Mais uma etapa estava concluída. Apesar de todo o sofrimento e de precisar ficar internada para controlar a pneumonia fúngica, o transplante havia sido um sucesso e o pesadelo ficou para trás. O sorriso e a alegria de viver de minha filha estavam de volta. Tudo na vida fica mais suportável com um sorriso no rosto.