Acordei cedo na segunda-feira. Se é que posso dizer que dormi alguma coisa. Eu nem imaginaria que esta segunda-feira seria uma das mais longas da minha vida.
Precisava conseguir uma consulta com algum oftalmologista. O “médico do shopping” seria descartado se conseguisse consulta com um bom médico. Não que o coitado não fosse bom, mas queria alguém com menos conhecimentos em lentes de contato coloridas e em forma de olho de vampiro, se é que vocês me entendem.
Ana Luiza acordou bem, mas o olho esquerdo continuava ruim. Achei que tinha piorado, mas fora isso ela parecia estar bem. Nada de vômitos, nada de dor. Na noite anterior pedi que Dona Francisca chegasse cedo, pois ela precisaria ficar com Ana Luiza enquanto eu tentava agendar consultas. Além disso eu tinha que ir até uma das empresas definir, rapidamente, os últimos detalhes do treinamento que eu ministraria na quarta-feira.
Saímos de casa cedo. Deixei Marcos no trabalho e disse que ligaria pra ir dando notícias. Ele, ansioso que é, não parava de me ligar. Perdi as contas de quantas vezes ele me ligava pra saber se estava conseguindo resolver as coisas. Angustiado, define.
Ao chegar no trabalho, minha cabeça não estava funcionando direito. Tentava me concentrar, mas minha mente estava longe. Agora eu estava experimentando a sensação de ter um filho doente em casa e mesmo assim, ter que ir trabalhar.
Eu tinha um atestado médico de 3 dias de acompanhamento, concedidos pela médica que atendeu Ana Luiza no dia anterior, mas eu tinha um compromisso com a empresa. Não poderia deixá-los na mão, principalmente no momento do lançamento de um Programa de Saúde Ocupacional, tão aguardado. Eu precisava resolver coisas importantes na empresa e elas poderiam ser feitas rapidamente. Em duas horas, no máximo, conseguiria fazer o necessário e sairia mais cedo, para ficar com Ana Luiza e levá-la ao médico.
O fato é que eu nem desconfiava que a definição de prioridade que eu conhecia, seria totalmente reconfigurada e mudaria minha perspectiva de vida para sempre.
Fazer mais de duas tarefas ao mesmo tempo é um atributo das mulheres. Neste aspecto sou praticamente um homem. A mulher da relação é meu marido: multitarefa nato. Mas nesse dia, divida entre a preocupação com minha filha única e a responsabilidade profissional, tive que aprender a fazer três coisas ao mesmo tempo: Revisar slides do treinamento e enviar e-mails, enquanto ligava para diversos consultórios médicos.
A saga em busca de um médico estava apenas começando. O pior eu ainda não sabia: a especialidade que Ana Luiza precisava nem era essa.
Liguei para diversos oftalmologistas, o tal médico membro do Centro Brasileiro de Estrabismo só poderia atender Ana Luiza no dia 07/10. Deixei agendando mesmo assim. Alguns dias depois, já em São Paulo, a recepcionista do médico me ligaria para confirmar a consulta.
Liguei para uma grande amiga de trabalho, a Arleide, que conseguiu agendar uma consulta às 13h. “Um pouco depois do horário da consulta agendada com o 'médico do shopping'”, pensei. Nestas horas de desespero, vale mais ter amigos que dinheiro, foi o que imediatamente constatei. Isso seria comprovado diversas vezes ao longo dos dias posteriores. Se não fossem os amigos que fizemos em Manaus ao longo do anos, ainda estaríamos aguardando consulta com o neurologista.
Saí da empresa por volta das 9h30min e enquanto dirigia, não tirava o telefone da orelha, na tentativa de conseguir uma consulta com algum oftalmologista ainda pela parte da manhã. Se Ana Luiza estivesse no carro, imediatamente já teria me repreendido. Podia visualizar perfeitamente a carinha dela me dando bronca: “Mamãe, você é difícil mesmo, hein? A senhora sabe que não é permitido falar no celular e dirigir ao mesmo tempo... Que coisa mais feia!! Credo!”
Ana Luiza estava aprendendo a ser “caxias” com Marcos, o chato de galochas. Cumprir as regras, respeitar as leis, ser educada. Isso é mérito do Marcos, tenho que admitir. Ele dizia que era infinitamente menos rigoroso que o Vovô Calmon, mas que ela tinha que aprender a cumprir as regras e obedecer. Eu concordava plenamente, e sempre agi como a mãe chata e disciplinadora, mas aquela carinha quase sempre conseguia me dobrar e eu acabava cedendo a alguns caprichos. Ela merecia, era muito boazinha e sempre me ajudava muito.
Bom, consegui agendar outras consultas, mas todas para 2 ou 3 dias. Eu não poderia esperar tanto. O que eu queria era alguém que a atendesse o mais rápido possível. Lembrei de uma amiga, a Alessandra, a tia Alê, que trabalhava em um consultório de oftalmologia. Mas o médico não poderia atendê-la de manhã.
Liguei para outra grande amiga, a Josely, avisando que não iria trabalhar a tarde em virtude do quadro apresentado pela Ana Luiza e que levaria Ana Luiza no oftalmologista. Ela, que é médica, de cara me disse: “Carol, isso não parece ser oftalmológico. Mas vá lá e qualquer coisa me telefone”.
A Josely, de amiga, foi promovida a anjo da guarda de Ana Luiza. Ela também não sabia, mas nesse mesmo dia, ainda ia ajudar muito. Ajudar é pouco, ela seria fundamental, essencial.
Engraçado como certas pessoas surgem em nossas vidas ”do nada” e se tornam tão amadas e queridas. A tia Josely, é uma delas. E não estou falando da MINHA amizade com a Josely. Eu a conheci em virtude de trabalho e nos demos bem logo de cara. Mas Ana Luiza, desde o dia em que viu a Josely pela primeira vez, parecia ter reconhecido uma amiga de longa data. Se existe amor à primeira vista, deve existir amizade a primeira vista. É o caso das duas.
Estávamos, Josely e eu, em um curso e, pelo fato de não ter com quem deixar Ana Luiza, levei-a a tira colo. Foi bater o olho na Tia Josely e a amizade aconteceu. E sempre que as duas se encontravam, ela ia correndo dar um abraço forte na tia Jô.
Bem, cheguei em casa e Ana Luiza estava no sofá assistindo Cartoon. Lógico que já tinha esquecido a prova de matemática e estava achando ótimo ficar em casa. Estava super bem. Só o olho esquerdo que continuava ruim. Arrumei a pequena e fomos para o Studio 5. A consulta estava agendada para as 11h30min. Cheguei meia hora antes e fiquei aguardando. Fui dar um voltinha com Ana Luiza pelo Shopping, e a danada, usando todo o seu charme e sedução, queria me convencer a comprar um pernalonga de pelúcia.
Disse que a gente não estava ali pra comprar nada, que o objetivo era a consulta e que mamãe precisava descobrir o que ela tinha. Mas prometi que compraria a pelúcia, se ela se comportasse direitinho no consultório do médico.
Pouco antes das 11h30min a recepcionista do consultório me liga e diz que a médica havia ligado, informando que não poderia comparecer ao consultório. Ou seja: a consulta de Ana Luiza seria remarcada para o dia posterior.
Fiquei chateada, claro. Mas pelo menos ainda me restava o médico que a Arleide tinha conseguido. Fomos para o hospital e chegando lá aguardamos MUITO até a chegada do médico. Ficamos conversando, rindo da propaganda eleitoral, tirei algumas fotos dela. O olho estava visivelmente pior. Mas quem olhava, custava a acreditar que ela tivesse algum problema de saúde. Estava sem dor alguma, correndo e pulando ao meu redor, pedindo a todo instante, para irmos embora. Ela estava achando um verdadeiro saco, ficar ali esperando.
Após quase 3h de espera, Ana Luiza foi atendida. O médico olhou, examinou e por fim sentenciou: “Ela não tem absolutamente nada nos olhos. O problema é de caráter neurológico”. Enquanto ele sentava para redigir um laudo médico de duas páginas, solicitando a avaliação urgente de um neurologista, eu tentava juntar meus cacos. Estava tão nervosa, que não conseguia pensar direito. Meu coração disparou. Não sabia o que fazer, ou pelo menos o que fazer primeiro.
Neste instante, lembrei da conversa que Marcos e eu tivemos, algumas semanas antes. Comentávamos sobre a boa saúde de nossa pequena. Enquanto alguns amigos, que sofriam com os filhos que facilmente adoeciam, gripavam ou se resfriavam, nós tínhamos uma pequena fortaleza, que nem nariz escorrendo tinha há bons 2 anos.
Liguei para diversos consultórios de neurologistas e a vaga mais próxima que consegui foi no mês de novembro. Desesperei. Enquanto ia buscar Marcos no trabalho para me ajudar e dirigir (eu estava totalmente sem condições para isso), segurando o choro, liguei para a Josely, que imediatamente conseguiu falar com um neurologista. Ele não poderia atender Ana Luiza naquele mesmo dia, mas pediu que ela se submetesse a um exame complementar (ressonância magnética de crânio) e que de posse do resultado eu fosse para a consulta no dia seguinte.
Alguns amigos ligavam tentando ajudar. Denise, Frida, Alessandra... todos muito preocupados e apreensivos. Fomos até o consultório do médico, buscar o encaminhamento para que ela pudesse fazer o exame de imagem. Quando bati o olho na requisição da ressonância, no local onde deveria ser preenchida a hipótese diagnóstica, o médico escreveu com letra bem legível: Neoplasia Cerebral, que sem eufemismos quer dizer: Câncer no Cérebro.
Controlando o desespero, mas sem controlar as lágrimas que caíam e as mãos que tremiam, me dirigi até o setor de diagnóstico por imagem do Hospital. Começou outro problema: A atendente do setor de imagem, informou que o exame deveria ser agendado com antecedência e só ficaria pronto no prazo de 2 a 3 dias. Respirei fundo, engoli o choro e mais uma vez implorei a ajuda de amigos.
Liguei para Josely, Emerson, Ricardo... todos me ajudaram a conseguir uma vaga na Magscan localizada no Millenium. Mas não foi apenas isso. A própria Dra. Conceição iria acompanhar a realização do exame.
Enquanto aguardávamos chamarem o nome de Ana Luiza para a preparação do exame, falei com uma das professoras dela, a Tia Lu, que preocupada, ligou pra saber como ela estava, afinal durante os 2 últimos anos, a pequena nunca tinha faltado a escola.
A Luciana, não é apenas a “Tia Lu”. É uma grande amiga e quase uma mãe postiça da Ana Luiza. Ela ficava com a pequena todas as tardes, ajudava nas tarefas da escola, reforçava os estudos na época das provas e tinha um verdadeiro carinho e cuidado de filha com nossa pequena. Estava tão aflita quanto eu.
Conversei também com a Jaqueline, até então, apenas minha chefe numa das empresas, mas que naquela ligação demonstrou um amor fraterno que pensei que não existia mais entre seres humanos. Ela ligou pra dizer que o treinamento havia sido cancelado e para saber sobre Ana Luiza. Eu disse o que eu sabia: Que ela estava com uma parestesia no músculo responsável pelo movimento do olho esquerdo e que estávamos aguardando para fazer a ressonância solicitada pelo Neurologista. Ela apenas falou: “Vá cuidar da sua filha. Vá embora de Manaus. Fique com ela. Esqueça todo o resto”.
Chamaram Ana Luiza para vestir a roupa especial e preparar para a realização do exame. Meu coração disparou. Ao mesmo tempo em que eu implorava para que estivesse tudo bem, algo me dizia para me preparar para ouvir notícias não tão boas. Era o tal debate mental: Meu lado neurótico e pessimista, contra meu lado tranquilo e otimista.
Entramos na sala. Olhei bem nos olhinhos dela e prometi que se ela se comportasse direito no exame, a gente iria comprar aquele pernalonga de pelúcia que ela tinha pedido de manhã. Chantagem básica. Ridícula, mas necessária. Ela olha pra mim com aquela cara esperta de sempre e diz: “Olha lá, hein, mãe!?!? Se prometeu, tem que cumprir!” Quem conhece a figurinha, consegue imaginar ela falando isso. É esperta demais.
Entramos na sala, Ana Luiza deitou na maca. Eu não sei dizer quem estava mais nervosa. Mas sei que ela cumpriu a parte dela: ficou quietinha o tempo todo. Eu, obviamente, estava me tremendo dos pés a cabeça. Era a mistura do nervosismo com o frio medonho que estava fazendo na sala.
O exame demorou uns 40 minutos ou mais. Eu, em pé ao lado da maca e morrendo de frio e Ana Luiza dentro do tubo, um cobertor pesado a cobrindo, um abafador nos ouvidos e um troço estranho mantendo a cabeça dela firme na mesma posição. De onde eu estava, conseguia ver nitidamente a janela de vidro da sala de comando, onde o técnico de radiologia e os médicos observavam as imagens feitas da cabeça.
E era um entra e sai de médicos; e era médico atendendo telefone, atendendo celular. E entra mais médico na sala... e aquele entra e sai já estava me enlouquecendo. Só conseguia pensar no pior. Entra a enfermeira para administrar o contraste intravenoso. Ana Luiza chora, mas rapidamente cede e deixa a enfermeira fazer o trabalho dela.
Saímos da sala de Ressonância Magnética e vi a Dra. Conceição conversando com Marcos. Vejo mais um médico, vejo outro médico... Engoli seco o desespero e já fui fuzilando a médica: “Pode me falar, dra. O que ela tem?!? Apareceu alguma coisa?” Ela tinha acabado de informar o Marcos: “Apareceu uma coisinha perto do ouvido esquerdo sim...”
Ela me pergunta algumas coisas, como “ela tem tido sangramento pelo ouvido?” e diz que as imagens ainda precisam ser bem avaliadas, mas que os resultados ficariam prontos pela manhã. Ela pediu que a gente aproveitasse e fizesse a tomografia computadorizada, mesmo sem requisição, pois ajudaria na avaliação.
Daí chega o Ricardo, amigo médico, chefe em uma das empresas onde trabalho. Nessa hora tive a certeza de que algo realmente ruim tinha aparecido. Pelo menos 3 médicos estavam acompanhando a realização do exame e eles tinham achado “uma coisinha perto do ouvido”?
Estávamos saindo do Millenium e ao chegar no caixa para pagar o estacionamento, chorando eu imploro que o Ricardo me fale o que ela tem: “Pode falar Ricardo! O que minha filha tem!?!? Me fala! Por favor, me fala!”. Com aquela cara de enterro ele apenas me abraça e diz: “Eu não posso dizer nada, o Laudo ainda está sendo feito, não tem nada conclusivo, minha amiga. Vamos esperar o Neurocirurgião avaliar as imagens”.
Limpei as lágrimas, levantei a cabeça e fomos para casa. Era difícil acreditar e aceitar que estávamos falando de um problema de saúde na nossa pequena fortaleza. Esse tema não era comum pra mim. Mas eu ainda nutria esperanças de que fosse “uma coisinha” mesmo.
Nesse dia ela dormiu na nossa cama, entre nós dois. Dormiu rápido. Nós dois, pelo contrário, ficamos olhando um pra cara do outro. Incrédulos, mas esperançosos. Eu ficava imaginando como conseguiríamos contar tudo isso aos nossos pais. O desespero dos avós, dos tios...
Enquanto eu tentava (e não conseguia) dormir ficava torcendo muito para que no dia seguinte, ao avaliar as imagens, o neurocirurgião nos desse notícias que amenizasse nosso desespero.
E eu pedi, como há anos eu não pedia. Pedi FORÇA. Na verdade eu não pedi, eu implorei a Deus.
E Ele me atendeu, que dizer, já estava me atendendo, sem eu pedir, pois Ele sabe do que realmente somos capazes de suportar.
Precisava conseguir uma consulta com algum oftalmologista. O “médico do shopping” seria descartado se conseguisse consulta com um bom médico. Não que o coitado não fosse bom, mas queria alguém com menos conhecimentos em lentes de contato coloridas e em forma de olho de vampiro, se é que vocês me entendem.
Ana Luiza acordou bem, mas o olho esquerdo continuava ruim. Achei que tinha piorado, mas fora isso ela parecia estar bem. Nada de vômitos, nada de dor. Na noite anterior pedi que Dona Francisca chegasse cedo, pois ela precisaria ficar com Ana Luiza enquanto eu tentava agendar consultas. Além disso eu tinha que ir até uma das empresas definir, rapidamente, os últimos detalhes do treinamento que eu ministraria na quarta-feira.
Saímos de casa cedo. Deixei Marcos no trabalho e disse que ligaria pra ir dando notícias. Ele, ansioso que é, não parava de me ligar. Perdi as contas de quantas vezes ele me ligava pra saber se estava conseguindo resolver as coisas. Angustiado, define.
Ao chegar no trabalho, minha cabeça não estava funcionando direito. Tentava me concentrar, mas minha mente estava longe. Agora eu estava experimentando a sensação de ter um filho doente em casa e mesmo assim, ter que ir trabalhar.
Eu tinha um atestado médico de 3 dias de acompanhamento, concedidos pela médica que atendeu Ana Luiza no dia anterior, mas eu tinha um compromisso com a empresa. Não poderia deixá-los na mão, principalmente no momento do lançamento de um Programa de Saúde Ocupacional, tão aguardado. Eu precisava resolver coisas importantes na empresa e elas poderiam ser feitas rapidamente. Em duas horas, no máximo, conseguiria fazer o necessário e sairia mais cedo, para ficar com Ana Luiza e levá-la ao médico.
O fato é que eu nem desconfiava que a definição de prioridade que eu conhecia, seria totalmente reconfigurada e mudaria minha perspectiva de vida para sempre.
Fazer mais de duas tarefas ao mesmo tempo é um atributo das mulheres. Neste aspecto sou praticamente um homem. A mulher da relação é meu marido: multitarefa nato. Mas nesse dia, divida entre a preocupação com minha filha única e a responsabilidade profissional, tive que aprender a fazer três coisas ao mesmo tempo: Revisar slides do treinamento e enviar e-mails, enquanto ligava para diversos consultórios médicos.
A saga em busca de um médico estava apenas começando. O pior eu ainda não sabia: a especialidade que Ana Luiza precisava nem era essa.
Liguei para diversos oftalmologistas, o tal médico membro do Centro Brasileiro de Estrabismo só poderia atender Ana Luiza no dia 07/10. Deixei agendando mesmo assim. Alguns dias depois, já em São Paulo, a recepcionista do médico me ligaria para confirmar a consulta.
Liguei para uma grande amiga de trabalho, a Arleide, que conseguiu agendar uma consulta às 13h. “Um pouco depois do horário da consulta agendada com o 'médico do shopping'”, pensei. Nestas horas de desespero, vale mais ter amigos que dinheiro, foi o que imediatamente constatei. Isso seria comprovado diversas vezes ao longo dos dias posteriores. Se não fossem os amigos que fizemos em Manaus ao longo do anos, ainda estaríamos aguardando consulta com o neurologista.
Saí da empresa por volta das 9h30min e enquanto dirigia, não tirava o telefone da orelha, na tentativa de conseguir uma consulta com algum oftalmologista ainda pela parte da manhã. Se Ana Luiza estivesse no carro, imediatamente já teria me repreendido. Podia visualizar perfeitamente a carinha dela me dando bronca: “Mamãe, você é difícil mesmo, hein? A senhora sabe que não é permitido falar no celular e dirigir ao mesmo tempo... Que coisa mais feia!! Credo!”
Ana Luiza estava aprendendo a ser “caxias” com Marcos, o chato de galochas. Cumprir as regras, respeitar as leis, ser educada. Isso é mérito do Marcos, tenho que admitir. Ele dizia que era infinitamente menos rigoroso que o Vovô Calmon, mas que ela tinha que aprender a cumprir as regras e obedecer. Eu concordava plenamente, e sempre agi como a mãe chata e disciplinadora, mas aquela carinha quase sempre conseguia me dobrar e eu acabava cedendo a alguns caprichos. Ela merecia, era muito boazinha e sempre me ajudava muito.
Bom, consegui agendar outras consultas, mas todas para 2 ou 3 dias. Eu não poderia esperar tanto. O que eu queria era alguém que a atendesse o mais rápido possível. Lembrei de uma amiga, a Alessandra, a tia Alê, que trabalhava em um consultório de oftalmologia. Mas o médico não poderia atendê-la de manhã.
Liguei para outra grande amiga, a Josely, avisando que não iria trabalhar a tarde em virtude do quadro apresentado pela Ana Luiza e que levaria Ana Luiza no oftalmologista. Ela, que é médica, de cara me disse: “Carol, isso não parece ser oftalmológico. Mas vá lá e qualquer coisa me telefone”.
A Josely, de amiga, foi promovida a anjo da guarda de Ana Luiza. Ela também não sabia, mas nesse mesmo dia, ainda ia ajudar muito. Ajudar é pouco, ela seria fundamental, essencial.
Engraçado como certas pessoas surgem em nossas vidas ”do nada” e se tornam tão amadas e queridas. A tia Josely, é uma delas. E não estou falando da MINHA amizade com a Josely. Eu a conheci em virtude de trabalho e nos demos bem logo de cara. Mas Ana Luiza, desde o dia em que viu a Josely pela primeira vez, parecia ter reconhecido uma amiga de longa data. Se existe amor à primeira vista, deve existir amizade a primeira vista. É o caso das duas.
Estávamos, Josely e eu, em um curso e, pelo fato de não ter com quem deixar Ana Luiza, levei-a a tira colo. Foi bater o olho na Tia Josely e a amizade aconteceu. E sempre que as duas se encontravam, ela ia correndo dar um abraço forte na tia Jô.
Bem, cheguei em casa e Ana Luiza estava no sofá assistindo Cartoon. Lógico que já tinha esquecido a prova de matemática e estava achando ótimo ficar em casa. Estava super bem. Só o olho esquerdo que continuava ruim. Arrumei a pequena e fomos para o Studio 5. A consulta estava agendada para as 11h30min. Cheguei meia hora antes e fiquei aguardando. Fui dar um voltinha com Ana Luiza pelo Shopping, e a danada, usando todo o seu charme e sedução, queria me convencer a comprar um pernalonga de pelúcia.
Disse que a gente não estava ali pra comprar nada, que o objetivo era a consulta e que mamãe precisava descobrir o que ela tinha. Mas prometi que compraria a pelúcia, se ela se comportasse direitinho no consultório do médico.
Pouco antes das 11h30min a recepcionista do consultório me liga e diz que a médica havia ligado, informando que não poderia comparecer ao consultório. Ou seja: a consulta de Ana Luiza seria remarcada para o dia posterior.
Fiquei chateada, claro. Mas pelo menos ainda me restava o médico que a Arleide tinha conseguido. Fomos para o hospital e chegando lá aguardamos MUITO até a chegada do médico. Ficamos conversando, rindo da propaganda eleitoral, tirei algumas fotos dela. O olho estava visivelmente pior. Mas quem olhava, custava a acreditar que ela tivesse algum problema de saúde. Estava sem dor alguma, correndo e pulando ao meu redor, pedindo a todo instante, para irmos embora. Ela estava achando um verdadeiro saco, ficar ali esperando.
Após quase 3h de espera, Ana Luiza foi atendida. O médico olhou, examinou e por fim sentenciou: “Ela não tem absolutamente nada nos olhos. O problema é de caráter neurológico”. Enquanto ele sentava para redigir um laudo médico de duas páginas, solicitando a avaliação urgente de um neurologista, eu tentava juntar meus cacos. Estava tão nervosa, que não conseguia pensar direito. Meu coração disparou. Não sabia o que fazer, ou pelo menos o que fazer primeiro.
Neste instante, lembrei da conversa que Marcos e eu tivemos, algumas semanas antes. Comentávamos sobre a boa saúde de nossa pequena. Enquanto alguns amigos, que sofriam com os filhos que facilmente adoeciam, gripavam ou se resfriavam, nós tínhamos uma pequena fortaleza, que nem nariz escorrendo tinha há bons 2 anos.
Liguei para diversos consultórios de neurologistas e a vaga mais próxima que consegui foi no mês de novembro. Desesperei. Enquanto ia buscar Marcos no trabalho para me ajudar e dirigir (eu estava totalmente sem condições para isso), segurando o choro, liguei para a Josely, que imediatamente conseguiu falar com um neurologista. Ele não poderia atender Ana Luiza naquele mesmo dia, mas pediu que ela se submetesse a um exame complementar (ressonância magnética de crânio) e que de posse do resultado eu fosse para a consulta no dia seguinte.
Alguns amigos ligavam tentando ajudar. Denise, Frida, Alessandra... todos muito preocupados e apreensivos. Fomos até o consultório do médico, buscar o encaminhamento para que ela pudesse fazer o exame de imagem. Quando bati o olho na requisição da ressonância, no local onde deveria ser preenchida a hipótese diagnóstica, o médico escreveu com letra bem legível: Neoplasia Cerebral, que sem eufemismos quer dizer: Câncer no Cérebro.
Controlando o desespero, mas sem controlar as lágrimas que caíam e as mãos que tremiam, me dirigi até o setor de diagnóstico por imagem do Hospital. Começou outro problema: A atendente do setor de imagem, informou que o exame deveria ser agendado com antecedência e só ficaria pronto no prazo de 2 a 3 dias. Respirei fundo, engoli o choro e mais uma vez implorei a ajuda de amigos.
Liguei para Josely, Emerson, Ricardo... todos me ajudaram a conseguir uma vaga na Magscan localizada no Millenium. Mas não foi apenas isso. A própria Dra. Conceição iria acompanhar a realização do exame.
Enquanto aguardávamos chamarem o nome de Ana Luiza para a preparação do exame, falei com uma das professoras dela, a Tia Lu, que preocupada, ligou pra saber como ela estava, afinal durante os 2 últimos anos, a pequena nunca tinha faltado a escola.
A Luciana, não é apenas a “Tia Lu”. É uma grande amiga e quase uma mãe postiça da Ana Luiza. Ela ficava com a pequena todas as tardes, ajudava nas tarefas da escola, reforçava os estudos na época das provas e tinha um verdadeiro carinho e cuidado de filha com nossa pequena. Estava tão aflita quanto eu.
Conversei também com a Jaqueline, até então, apenas minha chefe numa das empresas, mas que naquela ligação demonstrou um amor fraterno que pensei que não existia mais entre seres humanos. Ela ligou pra dizer que o treinamento havia sido cancelado e para saber sobre Ana Luiza. Eu disse o que eu sabia: Que ela estava com uma parestesia no músculo responsável pelo movimento do olho esquerdo e que estávamos aguardando para fazer a ressonância solicitada pelo Neurologista. Ela apenas falou: “Vá cuidar da sua filha. Vá embora de Manaus. Fique com ela. Esqueça todo o resto”.
Chamaram Ana Luiza para vestir a roupa especial e preparar para a realização do exame. Meu coração disparou. Ao mesmo tempo em que eu implorava para que estivesse tudo bem, algo me dizia para me preparar para ouvir notícias não tão boas. Era o tal debate mental: Meu lado neurótico e pessimista, contra meu lado tranquilo e otimista.
Entramos na sala. Olhei bem nos olhinhos dela e prometi que se ela se comportasse direito no exame, a gente iria comprar aquele pernalonga de pelúcia que ela tinha pedido de manhã. Chantagem básica. Ridícula, mas necessária. Ela olha pra mim com aquela cara esperta de sempre e diz: “Olha lá, hein, mãe!?!? Se prometeu, tem que cumprir!” Quem conhece a figurinha, consegue imaginar ela falando isso. É esperta demais.
Entramos na sala, Ana Luiza deitou na maca. Eu não sei dizer quem estava mais nervosa. Mas sei que ela cumpriu a parte dela: ficou quietinha o tempo todo. Eu, obviamente, estava me tremendo dos pés a cabeça. Era a mistura do nervosismo com o frio medonho que estava fazendo na sala.
O exame demorou uns 40 minutos ou mais. Eu, em pé ao lado da maca e morrendo de frio e Ana Luiza dentro do tubo, um cobertor pesado a cobrindo, um abafador nos ouvidos e um troço estranho mantendo a cabeça dela firme na mesma posição. De onde eu estava, conseguia ver nitidamente a janela de vidro da sala de comando, onde o técnico de radiologia e os médicos observavam as imagens feitas da cabeça.
E era um entra e sai de médicos; e era médico atendendo telefone, atendendo celular. E entra mais médico na sala... e aquele entra e sai já estava me enlouquecendo. Só conseguia pensar no pior. Entra a enfermeira para administrar o contraste intravenoso. Ana Luiza chora, mas rapidamente cede e deixa a enfermeira fazer o trabalho dela.
Saímos da sala de Ressonância Magnética e vi a Dra. Conceição conversando com Marcos. Vejo mais um médico, vejo outro médico... Engoli seco o desespero e já fui fuzilando a médica: “Pode me falar, dra. O que ela tem?!? Apareceu alguma coisa?” Ela tinha acabado de informar o Marcos: “Apareceu uma coisinha perto do ouvido esquerdo sim...”
Ela me pergunta algumas coisas, como “ela tem tido sangramento pelo ouvido?” e diz que as imagens ainda precisam ser bem avaliadas, mas que os resultados ficariam prontos pela manhã. Ela pediu que a gente aproveitasse e fizesse a tomografia computadorizada, mesmo sem requisição, pois ajudaria na avaliação.
Daí chega o Ricardo, amigo médico, chefe em uma das empresas onde trabalho. Nessa hora tive a certeza de que algo realmente ruim tinha aparecido. Pelo menos 3 médicos estavam acompanhando a realização do exame e eles tinham achado “uma coisinha perto do ouvido”?
Estávamos saindo do Millenium e ao chegar no caixa para pagar o estacionamento, chorando eu imploro que o Ricardo me fale o que ela tem: “Pode falar Ricardo! O que minha filha tem!?!? Me fala! Por favor, me fala!”. Com aquela cara de enterro ele apenas me abraça e diz: “Eu não posso dizer nada, o Laudo ainda está sendo feito, não tem nada conclusivo, minha amiga. Vamos esperar o Neurocirurgião avaliar as imagens”.
Limpei as lágrimas, levantei a cabeça e fomos para casa. Era difícil acreditar e aceitar que estávamos falando de um problema de saúde na nossa pequena fortaleza. Esse tema não era comum pra mim. Mas eu ainda nutria esperanças de que fosse “uma coisinha” mesmo.
Nesse dia ela dormiu na nossa cama, entre nós dois. Dormiu rápido. Nós dois, pelo contrário, ficamos olhando um pra cara do outro. Incrédulos, mas esperançosos. Eu ficava imaginando como conseguiríamos contar tudo isso aos nossos pais. O desespero dos avós, dos tios...
Enquanto eu tentava (e não conseguia) dormir ficava torcendo muito para que no dia seguinte, ao avaliar as imagens, o neurocirurgião nos desse notícias que amenizasse nosso desespero.
E eu pedi, como há anos eu não pedia. Pedi FORÇA. Na verdade eu não pedi, eu implorei a Deus.
E Ele me atendeu, que dizer, já estava me atendendo, sem eu pedir, pois Ele sabe do que realmente somos capazes de suportar.
Carol!
ResponderExcluirEstou me emocionando muito com seus relatos. Estou aprendendo com você, que nem sequer conheço, a dar o devido valor àquilo que realmente importa.
Se antes pequenas coisas podiam me deixar tristes, zangadas, amarguradas, hoje posso ver claramente que existem coisas infinitamente maiores do que os problemas diários que enfrentamos e que comumente julgamos serem grandes problemas.
Obrigada por partilhar conosco esta experiência doída, mas estamos certo que com as nossas orações e com tantos anjos que Deus colocou em sua vida, muito em breve a nossa pequena estará curada.
Beijos!
Força e muita fé!
Lívia
Segurando as lágrimas e pedindo muito ao nosso Bom Deus que encha vcs de força nesse momento tão duro. Com certeza Deus tem um plano para tudo isso que está acontecendo e saiba que nada foge do Seu controle.
ResponderExcluirEu não compreendo Seus planos mas sei que são perfeitos ainda que pareçam imperfeitos para nós.
Ana Luiza é uma criança linda por dentro e por fora e com certeza Deus está cuidando do seu Coração.
Não tem como não falar de Deus num momento desses, parece repetitivo né? Mas sabemos que Ele tem todo o poder de curar e realizar um grande milagre na vida de todos nós.
Vocês estão em nossos orações diárias.
Caraca Carol, mt foda vcs estarem passando por td isso!
ResponderExcluirNem de longe consigo imaginar como vc tem se sentido, mas ao ler a trajetoria desses momentos aqui no blog, praticamente consigo visualizar seu desespero em cada minuto q se passou!
Todos os dias acompanho seu twitter, e agora o blog tb..mas estou tão tocada com toda essa provação que me faltam palavras de apoio p/ te oferecer! por isso quase não vês msgs minhas (melhor dizendo, faltam apenas as palavras ...mas o pensamento positivo, as boas vibracoes, as oracoes diarias e o desejo que esse pesadelo tenha um final urgentemente feliz estão sempre presentes)
Seja forte minha querida, afinal mãe de fortalezinha, fortaleza é! estamos com vc sempre! nossa corrente de fé nunca te deixará fraquejar!
Vcs irão passar por essa provação mais fortes e unidos que nunca! Esse difícil episódio de hj, no futuro será apenas um relato de bravura e união que Aninha irá contar aos seus.
bjs bjs
*ahh espero que a Ana Luiza tenha gostado do passatempo que enviamos ;)! tento ligar p/ p cel. da camila mas sempre está fora de área :(
Querida, sou a tia da Mariana, do blog "nossa luta contra o câncer". Sei dizer o que está passando, nossa querida tb foi diagnosticada com "virose" por um hospital muito conceituado aqui em São Paulo... antes disso, tb tinha "infecção no ouvido" e não podia tomar leite... vê se pode! Fique tranquila, pois Deus está com vocês e Ana Luiza estará nas minhas orações a partir de hoje! Deus abençoe sua menininha! Beijos
ResponderExcluircarol (posso chama-la assim?) já estou me emocionando aqui, não tem como me emocionar. eu já fico imaginando a dor que esteve suportando e deduzindo o quão forte você e seus familiares devem ser.
ResponderExcluiremail: jack-sampaio@hotmail.com
twitter: @jacksampaio
Carolina, muito prazer. Sou jornalista em Santos (SP) e fiquei sabendo do seu blog por intermédio de um outro blog "hospedado" no portal do jornal onde trabalho. Me sensibilizei muito porque tenho uma filha - linda como a sua - de 3 anos de idade. Quero parabenizar você e sua guerreira pela força, determinação e coragem. Quero muito que saiba que vou rezar pela sua filhota e tenho muita confiança de que ela vai ficar boa. Um grande beijo em vocês...Cláudia Duarte
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