Parte I – Os primeiros dias no Hospital
Logo no primeiro dia, tive uma noite curta. Dormi somente 2h, mas tive a sensação de que pela primeira vez nos últimos dias, havia dormido de verdade. Apesar dos apitos dos aparelhos, a cada mexida da Ana Luiza na maca e do box onde ela estava, ficar bem em frente ao posto de enfermagem, aquelas vozes e barulhos pareciam muito longe.
Levantei da poltrona às 5h40min, cumprimentei os enfermeiros e disse que iria até o vestiário tomar banho e escovar os dentes. Quando voltei do banheiro, o Dr. Sérgio, neurocirurgião, já estava com Ana Luiza. Tomei um susto pois coisa rara (pelo menos pra mim) é ver médico, as 6h da manhã, visitando seus pacientes.
Ele estava lendo o prontuário e se apresentou. A voz mansa, a tranquilidade e o profissionalismo me deixaram tranquila: Ela estava em boas mãos. Durante a visita, ele disse que adorava operar e que ganhava muito bem pra isso... Mas que nem sempre o tratamento inicial é a cirurgia. Ele informou que a equipe de oncologistas pediátricos viria ainda pela parte da manhã para avaliá-la e solicitar os diversos exames que fariam parte do estadiamento, ou seja, da avaliação geral para a definição da estratégia de tratamento e o prognóstico.
Perguntei sobre a tomografia de crânio e face feita há um ano atrás, quando tinha ocorrido o episódio de hemorragia nasal e ele me tranquilizou: “Você está vendo essa região aqui? Não existia absolutamente nada. Sua filha não tinha nada quando realizou este exame. Pode ficar tranquila.”
Ele disse que Ana Luiza estava bem e que poderia sair da UTI, pois assim ela poderia receber visitas e ficar mais confortável. E assim foi feito.
Ana Luiza foi para o apartamento e foi dada a largada para uma bateria de exames que viriam nos dias seguintes: Tomografia Computadorizada de tórax e abdome, Ressonância Magnética de coluna vertebral, Cintilografia Óssea e a Biópsia do tumor e da medula óssea.
Meus pais e meus sogros chegaram imediatamente no dia seguinte. Ficaram no apartamento do tio Cláudio e tia Olímpia (tios do Marcos) e todos eles se revezavam nas visitas, pois só podiam ficar no máximo 3 visitas com o acompanhante no apartamento.
Vi no rosto de cada um deles, o alívio ao verem a neta. Por mais que Marcos e eu confirmássemos que ela estava bem, eles só acreditaram quando a viram e finalmente puderam constatar que apesar da gravidade da doença, ela estava incrivelmente normal.
O pai, a avó e uma das tias biológicas paternas de Ana Luiza também vieram visitá-la. No meio desse turbilhão de problemas, do cansaço dos últimos dias, do nervosismo em relação ao resultado dos novos exames, qualquer outro “problema” seria menor e tinha plena convicção de que independente de quem fosse, tudo que precisávamos eram de pessoas cercando nossa pequena de amor e esperança. E se esse era o intuito deles, com certeza seriam bem vindos. Me coloquei no lugar de cada um deles (pai, avó e tia) e sabia que todos também estavam sofrendo. Cada um a seu modo.
Assim que o pai e a avó entraram no quarto, Ana Luiza os recepcionou normalmente. Tratou-os com o mesmo carinho e educação que ela tratou todas as outras pessoas que a visitavam, tanto conhecidas, quanto desconhecidas.
Me orgulho muito dela por isso. É educada, agradável, simpática e comunicativa. E durante todos os seus 7 anos de vida, nunca ouviu da minha boca, qualquer palavra que desabonasse seu pai biológico. Pelo contrário. As poucas fotos dele e de sua família sempre estamparam os álbuns de nossa família e o número do celular dele sempre esteve disponível caso ela quisesse ligar. Além disso, semanalmente, eu questionava se ela gostaria que eu ligasse para seu pai biológico, para conversar ou falar alguma coisa. A resposta sempre foi negativa, mas não vinha como um sentimento ruim, nem de raiva. Era apenas indiferença devido a falta de contato. E eu sempre respeitei a vontade de Ana Luiza. Se o pai biológico tinha o direito de não procurá-la, a recíproca também era verdadeira. Não me cabia forçá-la, apenas não a deixava esquecer de seu pai biológico.
Logo na primeira visita deles, Marcos chamou o pai biológico para uma conversa reservada na sala de estar do andar em que estávamos. O intuito dele era explicar mais detalhadamente sobre a patologia da Ana Luiza, explicar os procedimentos que o hospital tinha nos dado, sobre as regras de permanência no apartamento, etc. A conversa começou meio “truncada”. O pai biológico não queria ser tratado como “visita”, pois ele era o verdadeiro pai dela. Marcos, pacientemente, disse que todos eram visitas. Que as únicas pessoas que não eram visitas eram Ana Luiza (paciente) e eu (acompanhante). E que todos os outros que quisessem visitá-la seriam tratados como visitas. Como a conversa foi levada para o lado da questão legal, Marcos finalmente esclareceu que já detínhamos a guarda dela e que esse não era o momento para discutir esse assunto. Disse ainda que já tínhamos recebido a convocação para uma audiência e que a justiça se encarregaria de determinar todo o processo.
Eu não sei os detalhes da conversa. Eu não estava lá. Narrei apenas um resumo do que me foi dito pelo Marcos, afinal esse blog não tem como objetivo tratar desse assunto. Essa “briga” pelo amor de uma criança, surgida em momento inoportuno tornou-se um problema desnecessário, mas que infelizmente surgiu. Apenas reafirmo: Meus sentimentos, inseguranças e emoções estão sendo extravasados nestes textos e o que ocorreria dias depois, tem relação direta com esses fatos que narro agora. Me desculpem falar sobre isso, mas vocês me entenderão.
Logo em seguida, o pai biológico dela pediu para conversar comigo. Eu concordei em conversar, pensando que a postura diante da situação fosse totalmente diferente. Imaginei que ele reconheceria a situação difícil em que nos encontrávamos, ou ainda que me prestasse sua solidariedade, pelo menos para nos dar forças e se colocar a disposição no que fosse necessário. Em minha cabeça, o pai biológico de Ana Luiza, teria o bom senso de, pelo menos, não tornar este momento ainda mais difícil. Imaginei que ele perguntaria se Ana Luiza estava precisando de alguma coisa ou se poderia ter algo que ele pudesse fazer para nos ajudar, pois tanto eu quanto Marcos, diferentemente dele, não tivemos tempo para organizar nossas coisas em Manaus, pedir autorização de nossos chefes e viajar. Simplesmente abandonamos o emprego, contando apenas com a solidariedade e compreensão das empresas que nos empregavam.
O fato é que quando notei que ele continuava com o mesmo “perfil” de 8 anos atrás, com o mesmo raciocínio egoísta, onde prevalecia apenas o sentimento de desanuviar o seu coração carregado de remorso, interrompi a conversa e pedi um tempo. Não estava interessada em tratar desse tipo de assunto. Não estava preocupada se ele estava ou não incomodado com alguma coisa, se estava ou não chateado com o fato de estar sendo tratado como “visita”. Naquelas circunstâncias, e pelas regras do hospital, ele era visita sim, tal qual toda a minha família. Isso pouco me importava. Algo infinitamente maior estava acontecendo (e prestes a piorar) e eu pedi que ele me desse um tempo. Que respeitasse o momento que estávamos passando. A conversa durou pouco mais de 2 minutos. Mas acreditei que estávamos acertados. Ele poderia visitar Ana Luiza a qualquer momento, respeitando os horários e cedendo espaço para todos que queriam visitá-la também. E que eu ou Marcos, obrigatoriamente, precisaríamos estar com ela para prestar todos os esclarecimentos que os médicos oncologistas necessitassem, afinal eles não tinham horário certo para fazer a visita.
Enfim, a família continuou conversando e brincando com Ana Luiza, assim como todas as pessoas que vieram visitá-la. Ficaram horas conversando, brincando e Ana Luiza, como sempre, os tratando com muito carinho. Prova de que nunca houve, da parte de nossa família, qualquer tentativa de afastá-los ou denegrir a imagem deles perante Ana Luiza. Infelizmente isso foi algo que tive o desprazer de ouvir durante muito tempo, inclusive tive que ter estômago ao ler o termo “alienação parental” na petição que recebemos alguns dias antes de viajar para SP. Mas a verdade é uma só. E isso deixa meu coração muito tranquilo.
Recebemos muitas visitas, muitas ligações e resolvemos dar notícias pelo twitter, pois estava muito difícil conseguir falar com todos ao mesmo tempo. A nossa conta de celular já estava acima dos mil reais!! Divulgamos a nossa página pessoal para os parentes e amigos, para que eles acompanhassem as informações sobre o estado de saúde dela.
O que não imaginávamos é que pessoas que nunca tínhamos visto na vida, nos ligassem se solidarizando. Outras vieram até o hospital, se apresentaram e, junto de nós, se comoveram com a situação. Gente de todos os cantos do país, ficaram sabendo do ocorrido e nos ligavam. Nossos parentes, amigos, colegas e muitos desconhecidos, passaram a fazer uma corrente de orações em favor dela. Aquilo mexeu muito conosco. E tem nos fortalecido muito até hoje.
Passamos os primeiros dias relativamente bem, afinal tinha convicção de que nada surgiria naquelas imagens. E falando com tanta gente, trocando mensagens de apoio com tantas famílias, não me restava tempo para pensar que poderia aparecer alguma metástase naqueles exames. O olho esquerdo de Ana Luiza continuava ruim. Ela só conseguia enxergar adequadamente se tapasse um dos olhos, ou se inclinasse a cabeça lateralmente. Quando falava ao telefone, só atendia usando o ouvido direito. Enfim, ouvido e olho esquerdo continuavam muito comprometidos pela lesão.
Após estudarem a lesão na base do crânio de Ana Luiza, os médicos optaram por fazer a biópsia do tumor da cabeça, com acesso pelo nariz, na segunda, 27/9. Seria o segundo procedimento, já que ressonância de tórax havia sido feita no sábado, 25/9. A equipe de enfermagem esclareceu os procedimentos da cirurgia, disse que eu poderia acompanhá-la até sala de preparo e que assim que ela saísse da cirurgia, eu ficaria ao lado dela, na Sala de Recuperação da Anestesia.
Perguntei qual a duração média do procedimento e eles disseram que não demoraria mais de 40 minutos. Coloquei a roupa do centro cirúrgico (touca, camisa, calça e propé) e ficamos aguardando a enfermeira que viria buscá-la. Ao chegar na sala de preparo, Ana Luiza começou a chorar. Ela estava com medo. Mas eu estava apavorada. Enquanto a enfermeira empurrava a maca pelo corredor até chegar a sala de preparo, conseguia ouvir meu coração batendo muito alto e sentia meu corpo tremendo inteiro, na tentativa de me manter calma para não cair em prantos.
Chegamos na sala de preparo e parecia um “estacionamento” de macas. Vários pacientes aguardavam deitados e seus acompanhantes ficavam ao lado ou sentados em cadeiras posicionadas na parede do outro lado da entrada. Dentro da sala, diversos enfermeiros e anestesistas. Assim que cheguei, notei duas mulheres acompanhando suas filhas, uma jovem senhora acompanhando a filha de aproximadamente 13 anos e uma mãe bem novinha, acompanhando uma bebê de 2 anos.
Ana Luiza começou a chorar alto. Gritando. Os olhos imploravam que eu ajudasse. Ela pedia que eu fizesse alguma coisa. Pânico define. A médica anestesista chegou perto de nós, me fez algumas perguntas e carinhosamente, passou a mão no rosto de Ana Luiza, enxugando as lágrimas dela e tentando tranquilizá-la. Enquanto ela fazia isso, a enfermeira aplicava um dose de calmante e ela não conseguiu sequer terminar a frase: “ Mamãe, eu tô com muit...” e em menos de um minuto, Ana Luiza adormeceu completamente.
Imediatamente após ela cair no sono, a levaram para o Centro Cirúrgico. Assim que ela passou pela porta, sentei numa cadeira próxima as outras duas mães e comecei a chorar. Não gritei, nem nada. Mas não conseguia me controlar. Em meus pensamento só conseguia pedir que Deus cuidasse dela mais uma vez e que tudo desse certo.
As duas mães, vendo meu desespero, me abraçaram e tentaram me tranquilizar. Uma delas, a mãe da adolescente, que coincidentemente também se chamava Ana Luiza, disse que sua filha fazia tratamento desde os 3 anos de idade e que mesmo com tantos anos vindo ao Hospital ela mesma não se acostumava e entendia meu sofrimento. Ela pediu que eu confiasse nos médicos, pois eles eram os melhores do país, mas que confiasse principalmente no médico dos médicos, Deus.
A outra mãe, da bebê de 2 anos, disse que sua filha tinha sido diagnosticada como tendo um Linfoma, exatamente uma semana depois do aniversário de 1 ano. As duas mães tinham algo em comum: suas filhas era portadoras do mesmo tipo de Linfoma, um dos cânceres mais comum em crianças. E precisavam fazer aplicações de medicamentos (cirurgicamente) no local onde o tumor surgia, para extingui-lo.
Conversando, elas perguntaram de onde nós éramos e o que exatamente Ana Luiza tinha. Comecei a explicar e vi o olhar de tristeza de cada uma delas. Mas ao mesmo tempo, vi a esperança e a fé de duas mães que também lutavam para restabelecer a saúde de suas filhas e senti um amor muito grande vindo das duas.
Enquanto eu explicava, as filhas delas foram levadas também. Ana Luiza, apesar de ter chegado depois, foi a primeira a ser levada para o Centro Cirúrgico. As outras duas saíram alguns minutos depois. Quando olhei no relógio, mais de 1 hora tinha se passado. Tomei um susto. Perguntei ao enfermeiro que estava monitorando a sala de preparo e ele disse que estava tudo bem, que as vezes demorava alguns minutos a mais.
Depois de um tempo, atenta a conversa das duas mães, olhei no relógio novamente: 1h40min já haviam passado. Eu comecei a chorar. Algo tinha acontecido! Foi quando o enfermeiro apareceu e chamou da porta de entrada: “Acompanhante da Ana Luiza?”
Duas mães, duas Anas Luizas. Mas como minha Ana Luiza tinha saído para o Centro Cirúrgico antes, a outra mãe sorrindo, apenas disse: “Vai lá! É sua pequena! Vai ficar com ela!”
E saí andando com o enfermeiro, atravessando o corredor até chegar a Sala de Recuperação da Anestesia. Assim que chegamos lá, vi aquele monte de macas, com pessoas desacordadas, outras chorando muito e outras gritando desorientadas. Ele parou em frente a uma destas macas e disse: “Pronto! Aqui está sua filha! Ela está bem e já deve estar acordando”!
Eu desesperei. Aquela não era minha filha. Era a outra Ana Luiza, a mocinha de 13 anos. Com voz de choro, disse pro enfermeiro que aquela não era a “minha Ana Luiza”. E ele pediu desculpas e me levou de volta a Sala de Preparo. A outra mãe saiu apressada, mas me deu um abraço apertado e pediu pra eu me tranquilizar. Tudo daria certo.
Ana Luiza foi a primeira a sair para o Centro Cirúrgico e estava sendo a última a voltar. Aquilo me desesperava. Depois de 2h de uma espera angustiante, finalmente o enfermeiro me chamou.
Ela estava dormindo na maca. Estava gelada e tremendo. Chamei a enfermeira que colocou mais um cobertor e um aquecedor. Parecia um secador de cabelo gigante, soltando ar quente dentro das cobertas. O nariz dela estava levemente sujo de sangue e a boca bem seca. A enfermeira pediu que eu deixasse ela acordar espontaneamente, para que ela não se assustasse.
Eu estava sem celular e imaginava o desespero do Marcos e dos nossos pais: ficaram sem notícias esse tempo todo. Chamei a enfermeira e pedi pra fazer uma ligação. Liguei para o quarto 510 e Marcos atendeu. Expliquei tudo e ele tranquilizou o resto da família.
Ana Luiza começou a acordar. Assim que abriu o olho e tentou falar comigo, a voz não saía. Ela começou a chorar muito e, do nariz, escorreu um pouco do sangue que estava ressecado. A voz estava rouca e ela tentava dizer que a garganta doía muito. A médica veio e disse que era normal, em virtude do tubo endotraqueal que ela tinha utilizado durante a cirurgia. Mas que em 1 ou 2 dias a garganta ficaria boa.
A médica a avaliou e disse que ela estava bem e que assim que estivesse mais disposta poderíamos ir para o apartamento. Percebi que a médica deu bobeira com o prontuário de Ana Luiza e assim que ela se afastou para olhar outro paciente, não resisti e folheei o prontuário. Meus olhos foram direto para a seguinte frase: “Amostra biópsia congelação coletada: Células inflamatórias, ausência de neoplasia”.
Eu tentei me acalmar e ler com calma. “Como assim?!!?! Não é maligno?” Eu pensava atordoada. Quando notei que ela me viu mexendo no prontuário larguei em cima da maca e achei que eu tinha visto errado. No fundo, tudo que eu queria era que realmente aquilo não passasse de um susto e que a biópsia mostrasse que ela não tinha algo tão grave.
Voltamos para o apartamento sãs e salvas, graças a Deus. Comentei com Marcos o que eu tinha visto no prontuário dela, mas naquele momento eu já achava que estava tendo alucinações de tanto cansaço. Pela cara que ele fez, notei que eu ficou pensando o mesmo que eu: “Bem que isso poderia ser menos grave do que pensamos”.
Ela continuava realizando vários exames. Sempre muito tranquila, ela ajudava e ficava bem quietinha para a realização das Ressonâncias, tomografias e Cintilografia. Apesar de tudo, Ana Luiza estava mais “aproveitando” a enxurrada de presentes, do que sofrendo ou se entristecendo pelo fato de estar hospitalizada, algo que nunca havia ocorrido na sua curta vida de 7 anos.
Os únicos momentos de absoluto pavor de Ana Luiza, eram as espetadas de agulha. Quando as enfermeiras entravam na sala, com a maletinha de coleta de sangue ela já começava a chorar. Em virtude de tantos remédios e exames de sangue, as veias de Ana Luiza foram para o espaço. Era preciso colocar um acesso vascular para quimioterapia, procedimento feito cirurgicamente. De forma resumida, consistia em um cateter, introduzido em uma veia de grosso calibre, para a criação de uma via de acesso permanente, onde ela receberia medicamentos e principalmente a quimioterapia, evitando picadas o tempo todo.
Mais uma vez, Ana Luiza iria para o Centro Cirúrgico, desta vez, Marcos foi acompanhá-la. Naquela altura, ela já descarregava todo o estresse em mim e ele tinha mais acesso para conversar sobre o tratamento com ela, o que passava mais tranquilidade para a pequena. Mais esperto que eu, desta vez levou o celular. Assim poderia ir me dando notícias sobre o estado dela. Fiz milhões de recomendações: “Fica segurando a mãozinha dela... tem calma... não se desespere... não acorda ela de supetão... cuida dela direitinho...”
Porque as mães acham que sabem tudo? A gente tem a prepotência de achar que somos insubstituíveis. Está aí mais uma lição: as mães não sabem de tudo. Elas nem precisam saber. Confiança. Temos que aprender a confiar. Confiar nas pessoas e principalmente confiar em Deus. Eu não conseguia sair de perto dela um único instante sequer. Até hoje ainda tenho a sensação de que tenho que estar sempre alerta, sempre ao lado, sempre a postos. Mas estou aprendendo a confiar. A entregá-la nas mãos de Deus e confiar que Ele fará o melhor por nós e que minha parte está sendo feita.
Eu fiquei no quarto de Ana Luiza, com um frio na barriga eterno. Pedi muito a Deus para protegê-la e para que tudo desse certo. E assim foi feito. Ana Luiza voltou para o quarto acordada e feliz. Ufa.
Estávamos ansiosos para saber sobre a biópsia: “Era ou não era o terrível Rabdomiossarcoma?” Os médicos, finalmente, vieram nos procurar e informaram que a biópsia tinha sido inconclusiva.
Aquilo foi um baque grande. Eles diziam que apesar de terem coletado amostras de diversas áreas ao redor do tumor, não conseguiram acessar o tumor propriamente dito e, todas as amostras coletadas, apenas evidenciaram células inflamatórias e não conteúdo celular do tumor. Informaram também que havia sido coletada uma amostra da medula óssea, que estava sendo analisada e eles aguardavam o resultado desta avaliação.
Eles programariam uma nova biópsia, dessa vez com novo acesso: pela boca. Vários outros médicos especialistas vieram nos visitar e nos dar as orientações quanto a nova biópsia, que deveria ocorrer no outro sábado, dia 02/10.
Enquanto nos preparávamos espiritualmente para mais um procedimento cirúrgico, mais uma entubação, mais uma anestesia, mais um desespero... os médicos vieram nos trazer os resultados dos outros exames que ela tinha se submetido. Foi aí que começou o pior tormento que já vivenciei em toda minha vida.
Logo no primeiro dia, tive uma noite curta. Dormi somente 2h, mas tive a sensação de que pela primeira vez nos últimos dias, havia dormido de verdade. Apesar dos apitos dos aparelhos, a cada mexida da Ana Luiza na maca e do box onde ela estava, ficar bem em frente ao posto de enfermagem, aquelas vozes e barulhos pareciam muito longe.
Levantei da poltrona às 5h40min, cumprimentei os enfermeiros e disse que iria até o vestiário tomar banho e escovar os dentes. Quando voltei do banheiro, o Dr. Sérgio, neurocirurgião, já estava com Ana Luiza. Tomei um susto pois coisa rara (pelo menos pra mim) é ver médico, as 6h da manhã, visitando seus pacientes.
Ele estava lendo o prontuário e se apresentou. A voz mansa, a tranquilidade e o profissionalismo me deixaram tranquila: Ela estava em boas mãos. Durante a visita, ele disse que adorava operar e que ganhava muito bem pra isso... Mas que nem sempre o tratamento inicial é a cirurgia. Ele informou que a equipe de oncologistas pediátricos viria ainda pela parte da manhã para avaliá-la e solicitar os diversos exames que fariam parte do estadiamento, ou seja, da avaliação geral para a definição da estratégia de tratamento e o prognóstico.
Perguntei sobre a tomografia de crânio e face feita há um ano atrás, quando tinha ocorrido o episódio de hemorragia nasal e ele me tranquilizou: “Você está vendo essa região aqui? Não existia absolutamente nada. Sua filha não tinha nada quando realizou este exame. Pode ficar tranquila.”
Ele disse que Ana Luiza estava bem e que poderia sair da UTI, pois assim ela poderia receber visitas e ficar mais confortável. E assim foi feito.
Ana Luiza foi para o apartamento e foi dada a largada para uma bateria de exames que viriam nos dias seguintes: Tomografia Computadorizada de tórax e abdome, Ressonância Magnética de coluna vertebral, Cintilografia Óssea e a Biópsia do tumor e da medula óssea.
Meus pais e meus sogros chegaram imediatamente no dia seguinte. Ficaram no apartamento do tio Cláudio e tia Olímpia (tios do Marcos) e todos eles se revezavam nas visitas, pois só podiam ficar no máximo 3 visitas com o acompanhante no apartamento.
Vi no rosto de cada um deles, o alívio ao verem a neta. Por mais que Marcos e eu confirmássemos que ela estava bem, eles só acreditaram quando a viram e finalmente puderam constatar que apesar da gravidade da doença, ela estava incrivelmente normal.
O pai, a avó e uma das tias biológicas paternas de Ana Luiza também vieram visitá-la. No meio desse turbilhão de problemas, do cansaço dos últimos dias, do nervosismo em relação ao resultado dos novos exames, qualquer outro “problema” seria menor e tinha plena convicção de que independente de quem fosse, tudo que precisávamos eram de pessoas cercando nossa pequena de amor e esperança. E se esse era o intuito deles, com certeza seriam bem vindos. Me coloquei no lugar de cada um deles (pai, avó e tia) e sabia que todos também estavam sofrendo. Cada um a seu modo.
Assim que o pai e a avó entraram no quarto, Ana Luiza os recepcionou normalmente. Tratou-os com o mesmo carinho e educação que ela tratou todas as outras pessoas que a visitavam, tanto conhecidas, quanto desconhecidas.
Me orgulho muito dela por isso. É educada, agradável, simpática e comunicativa. E durante todos os seus 7 anos de vida, nunca ouviu da minha boca, qualquer palavra que desabonasse seu pai biológico. Pelo contrário. As poucas fotos dele e de sua família sempre estamparam os álbuns de nossa família e o número do celular dele sempre esteve disponível caso ela quisesse ligar. Além disso, semanalmente, eu questionava se ela gostaria que eu ligasse para seu pai biológico, para conversar ou falar alguma coisa. A resposta sempre foi negativa, mas não vinha como um sentimento ruim, nem de raiva. Era apenas indiferença devido a falta de contato. E eu sempre respeitei a vontade de Ana Luiza. Se o pai biológico tinha o direito de não procurá-la, a recíproca também era verdadeira. Não me cabia forçá-la, apenas não a deixava esquecer de seu pai biológico.
Logo na primeira visita deles, Marcos chamou o pai biológico para uma conversa reservada na sala de estar do andar em que estávamos. O intuito dele era explicar mais detalhadamente sobre a patologia da Ana Luiza, explicar os procedimentos que o hospital tinha nos dado, sobre as regras de permanência no apartamento, etc. A conversa começou meio “truncada”. O pai biológico não queria ser tratado como “visita”, pois ele era o verdadeiro pai dela. Marcos, pacientemente, disse que todos eram visitas. Que as únicas pessoas que não eram visitas eram Ana Luiza (paciente) e eu (acompanhante). E que todos os outros que quisessem visitá-la seriam tratados como visitas. Como a conversa foi levada para o lado da questão legal, Marcos finalmente esclareceu que já detínhamos a guarda dela e que esse não era o momento para discutir esse assunto. Disse ainda que já tínhamos recebido a convocação para uma audiência e que a justiça se encarregaria de determinar todo o processo.
Eu não sei os detalhes da conversa. Eu não estava lá. Narrei apenas um resumo do que me foi dito pelo Marcos, afinal esse blog não tem como objetivo tratar desse assunto. Essa “briga” pelo amor de uma criança, surgida em momento inoportuno tornou-se um problema desnecessário, mas que infelizmente surgiu. Apenas reafirmo: Meus sentimentos, inseguranças e emoções estão sendo extravasados nestes textos e o que ocorreria dias depois, tem relação direta com esses fatos que narro agora. Me desculpem falar sobre isso, mas vocês me entenderão.
Logo em seguida, o pai biológico dela pediu para conversar comigo. Eu concordei em conversar, pensando que a postura diante da situação fosse totalmente diferente. Imaginei que ele reconheceria a situação difícil em que nos encontrávamos, ou ainda que me prestasse sua solidariedade, pelo menos para nos dar forças e se colocar a disposição no que fosse necessário. Em minha cabeça, o pai biológico de Ana Luiza, teria o bom senso de, pelo menos, não tornar este momento ainda mais difícil. Imaginei que ele perguntaria se Ana Luiza estava precisando de alguma coisa ou se poderia ter algo que ele pudesse fazer para nos ajudar, pois tanto eu quanto Marcos, diferentemente dele, não tivemos tempo para organizar nossas coisas em Manaus, pedir autorização de nossos chefes e viajar. Simplesmente abandonamos o emprego, contando apenas com a solidariedade e compreensão das empresas que nos empregavam.
O fato é que quando notei que ele continuava com o mesmo “perfil” de 8 anos atrás, com o mesmo raciocínio egoísta, onde prevalecia apenas o sentimento de desanuviar o seu coração carregado de remorso, interrompi a conversa e pedi um tempo. Não estava interessada em tratar desse tipo de assunto. Não estava preocupada se ele estava ou não incomodado com alguma coisa, se estava ou não chateado com o fato de estar sendo tratado como “visita”. Naquelas circunstâncias, e pelas regras do hospital, ele era visita sim, tal qual toda a minha família. Isso pouco me importava. Algo infinitamente maior estava acontecendo (e prestes a piorar) e eu pedi que ele me desse um tempo. Que respeitasse o momento que estávamos passando. A conversa durou pouco mais de 2 minutos. Mas acreditei que estávamos acertados. Ele poderia visitar Ana Luiza a qualquer momento, respeitando os horários e cedendo espaço para todos que queriam visitá-la também. E que eu ou Marcos, obrigatoriamente, precisaríamos estar com ela para prestar todos os esclarecimentos que os médicos oncologistas necessitassem, afinal eles não tinham horário certo para fazer a visita.
Enfim, a família continuou conversando e brincando com Ana Luiza, assim como todas as pessoas que vieram visitá-la. Ficaram horas conversando, brincando e Ana Luiza, como sempre, os tratando com muito carinho. Prova de que nunca houve, da parte de nossa família, qualquer tentativa de afastá-los ou denegrir a imagem deles perante Ana Luiza. Infelizmente isso foi algo que tive o desprazer de ouvir durante muito tempo, inclusive tive que ter estômago ao ler o termo “alienação parental” na petição que recebemos alguns dias antes de viajar para SP. Mas a verdade é uma só. E isso deixa meu coração muito tranquilo.
Recebemos muitas visitas, muitas ligações e resolvemos dar notícias pelo twitter, pois estava muito difícil conseguir falar com todos ao mesmo tempo. A nossa conta de celular já estava acima dos mil reais!! Divulgamos a nossa página pessoal para os parentes e amigos, para que eles acompanhassem as informações sobre o estado de saúde dela.
O que não imaginávamos é que pessoas que nunca tínhamos visto na vida, nos ligassem se solidarizando. Outras vieram até o hospital, se apresentaram e, junto de nós, se comoveram com a situação. Gente de todos os cantos do país, ficaram sabendo do ocorrido e nos ligavam. Nossos parentes, amigos, colegas e muitos desconhecidos, passaram a fazer uma corrente de orações em favor dela. Aquilo mexeu muito conosco. E tem nos fortalecido muito até hoje.
Passamos os primeiros dias relativamente bem, afinal tinha convicção de que nada surgiria naquelas imagens. E falando com tanta gente, trocando mensagens de apoio com tantas famílias, não me restava tempo para pensar que poderia aparecer alguma metástase naqueles exames. O olho esquerdo de Ana Luiza continuava ruim. Ela só conseguia enxergar adequadamente se tapasse um dos olhos, ou se inclinasse a cabeça lateralmente. Quando falava ao telefone, só atendia usando o ouvido direito. Enfim, ouvido e olho esquerdo continuavam muito comprometidos pela lesão.
Após estudarem a lesão na base do crânio de Ana Luiza, os médicos optaram por fazer a biópsia do tumor da cabeça, com acesso pelo nariz, na segunda, 27/9. Seria o segundo procedimento, já que ressonância de tórax havia sido feita no sábado, 25/9. A equipe de enfermagem esclareceu os procedimentos da cirurgia, disse que eu poderia acompanhá-la até sala de preparo e que assim que ela saísse da cirurgia, eu ficaria ao lado dela, na Sala de Recuperação da Anestesia.
Perguntei qual a duração média do procedimento e eles disseram que não demoraria mais de 40 minutos. Coloquei a roupa do centro cirúrgico (touca, camisa, calça e propé) e ficamos aguardando a enfermeira que viria buscá-la. Ao chegar na sala de preparo, Ana Luiza começou a chorar. Ela estava com medo. Mas eu estava apavorada. Enquanto a enfermeira empurrava a maca pelo corredor até chegar a sala de preparo, conseguia ouvir meu coração batendo muito alto e sentia meu corpo tremendo inteiro, na tentativa de me manter calma para não cair em prantos.
Chegamos na sala de preparo e parecia um “estacionamento” de macas. Vários pacientes aguardavam deitados e seus acompanhantes ficavam ao lado ou sentados em cadeiras posicionadas na parede do outro lado da entrada. Dentro da sala, diversos enfermeiros e anestesistas. Assim que cheguei, notei duas mulheres acompanhando suas filhas, uma jovem senhora acompanhando a filha de aproximadamente 13 anos e uma mãe bem novinha, acompanhando uma bebê de 2 anos.
Ana Luiza começou a chorar alto. Gritando. Os olhos imploravam que eu ajudasse. Ela pedia que eu fizesse alguma coisa. Pânico define. A médica anestesista chegou perto de nós, me fez algumas perguntas e carinhosamente, passou a mão no rosto de Ana Luiza, enxugando as lágrimas dela e tentando tranquilizá-la. Enquanto ela fazia isso, a enfermeira aplicava um dose de calmante e ela não conseguiu sequer terminar a frase: “ Mamãe, eu tô com muit...” e em menos de um minuto, Ana Luiza adormeceu completamente.
Imediatamente após ela cair no sono, a levaram para o Centro Cirúrgico. Assim que ela passou pela porta, sentei numa cadeira próxima as outras duas mães e comecei a chorar. Não gritei, nem nada. Mas não conseguia me controlar. Em meus pensamento só conseguia pedir que Deus cuidasse dela mais uma vez e que tudo desse certo.
As duas mães, vendo meu desespero, me abraçaram e tentaram me tranquilizar. Uma delas, a mãe da adolescente, que coincidentemente também se chamava Ana Luiza, disse que sua filha fazia tratamento desde os 3 anos de idade e que mesmo com tantos anos vindo ao Hospital ela mesma não se acostumava e entendia meu sofrimento. Ela pediu que eu confiasse nos médicos, pois eles eram os melhores do país, mas que confiasse principalmente no médico dos médicos, Deus.
A outra mãe, da bebê de 2 anos, disse que sua filha tinha sido diagnosticada como tendo um Linfoma, exatamente uma semana depois do aniversário de 1 ano. As duas mães tinham algo em comum: suas filhas era portadoras do mesmo tipo de Linfoma, um dos cânceres mais comum em crianças. E precisavam fazer aplicações de medicamentos (cirurgicamente) no local onde o tumor surgia, para extingui-lo.
Conversando, elas perguntaram de onde nós éramos e o que exatamente Ana Luiza tinha. Comecei a explicar e vi o olhar de tristeza de cada uma delas. Mas ao mesmo tempo, vi a esperança e a fé de duas mães que também lutavam para restabelecer a saúde de suas filhas e senti um amor muito grande vindo das duas.
Enquanto eu explicava, as filhas delas foram levadas também. Ana Luiza, apesar de ter chegado depois, foi a primeira a ser levada para o Centro Cirúrgico. As outras duas saíram alguns minutos depois. Quando olhei no relógio, mais de 1 hora tinha se passado. Tomei um susto. Perguntei ao enfermeiro que estava monitorando a sala de preparo e ele disse que estava tudo bem, que as vezes demorava alguns minutos a mais.
Depois de um tempo, atenta a conversa das duas mães, olhei no relógio novamente: 1h40min já haviam passado. Eu comecei a chorar. Algo tinha acontecido! Foi quando o enfermeiro apareceu e chamou da porta de entrada: “Acompanhante da Ana Luiza?”
Duas mães, duas Anas Luizas. Mas como minha Ana Luiza tinha saído para o Centro Cirúrgico antes, a outra mãe sorrindo, apenas disse: “Vai lá! É sua pequena! Vai ficar com ela!”
E saí andando com o enfermeiro, atravessando o corredor até chegar a Sala de Recuperação da Anestesia. Assim que chegamos lá, vi aquele monte de macas, com pessoas desacordadas, outras chorando muito e outras gritando desorientadas. Ele parou em frente a uma destas macas e disse: “Pronto! Aqui está sua filha! Ela está bem e já deve estar acordando”!
Eu desesperei. Aquela não era minha filha. Era a outra Ana Luiza, a mocinha de 13 anos. Com voz de choro, disse pro enfermeiro que aquela não era a “minha Ana Luiza”. E ele pediu desculpas e me levou de volta a Sala de Preparo. A outra mãe saiu apressada, mas me deu um abraço apertado e pediu pra eu me tranquilizar. Tudo daria certo.
Ana Luiza foi a primeira a sair para o Centro Cirúrgico e estava sendo a última a voltar. Aquilo me desesperava. Depois de 2h de uma espera angustiante, finalmente o enfermeiro me chamou.
Ela estava dormindo na maca. Estava gelada e tremendo. Chamei a enfermeira que colocou mais um cobertor e um aquecedor. Parecia um secador de cabelo gigante, soltando ar quente dentro das cobertas. O nariz dela estava levemente sujo de sangue e a boca bem seca. A enfermeira pediu que eu deixasse ela acordar espontaneamente, para que ela não se assustasse.
Eu estava sem celular e imaginava o desespero do Marcos e dos nossos pais: ficaram sem notícias esse tempo todo. Chamei a enfermeira e pedi pra fazer uma ligação. Liguei para o quarto 510 e Marcos atendeu. Expliquei tudo e ele tranquilizou o resto da família.
Ana Luiza começou a acordar. Assim que abriu o olho e tentou falar comigo, a voz não saía. Ela começou a chorar muito e, do nariz, escorreu um pouco do sangue que estava ressecado. A voz estava rouca e ela tentava dizer que a garganta doía muito. A médica veio e disse que era normal, em virtude do tubo endotraqueal que ela tinha utilizado durante a cirurgia. Mas que em 1 ou 2 dias a garganta ficaria boa.
A médica a avaliou e disse que ela estava bem e que assim que estivesse mais disposta poderíamos ir para o apartamento. Percebi que a médica deu bobeira com o prontuário de Ana Luiza e assim que ela se afastou para olhar outro paciente, não resisti e folheei o prontuário. Meus olhos foram direto para a seguinte frase: “Amostra biópsia congelação coletada: Células inflamatórias, ausência de neoplasia”.
Eu tentei me acalmar e ler com calma. “Como assim?!!?! Não é maligno?” Eu pensava atordoada. Quando notei que ela me viu mexendo no prontuário larguei em cima da maca e achei que eu tinha visto errado. No fundo, tudo que eu queria era que realmente aquilo não passasse de um susto e que a biópsia mostrasse que ela não tinha algo tão grave.
Voltamos para o apartamento sãs e salvas, graças a Deus. Comentei com Marcos o que eu tinha visto no prontuário dela, mas naquele momento eu já achava que estava tendo alucinações de tanto cansaço. Pela cara que ele fez, notei que eu ficou pensando o mesmo que eu: “Bem que isso poderia ser menos grave do que pensamos”.
Ela continuava realizando vários exames. Sempre muito tranquila, ela ajudava e ficava bem quietinha para a realização das Ressonâncias, tomografias e Cintilografia. Apesar de tudo, Ana Luiza estava mais “aproveitando” a enxurrada de presentes, do que sofrendo ou se entristecendo pelo fato de estar hospitalizada, algo que nunca havia ocorrido na sua curta vida de 7 anos.
Os únicos momentos de absoluto pavor de Ana Luiza, eram as espetadas de agulha. Quando as enfermeiras entravam na sala, com a maletinha de coleta de sangue ela já começava a chorar. Em virtude de tantos remédios e exames de sangue, as veias de Ana Luiza foram para o espaço. Era preciso colocar um acesso vascular para quimioterapia, procedimento feito cirurgicamente. De forma resumida, consistia em um cateter, introduzido em uma veia de grosso calibre, para a criação de uma via de acesso permanente, onde ela receberia medicamentos e principalmente a quimioterapia, evitando picadas o tempo todo.
Mais uma vez, Ana Luiza iria para o Centro Cirúrgico, desta vez, Marcos foi acompanhá-la. Naquela altura, ela já descarregava todo o estresse em mim e ele tinha mais acesso para conversar sobre o tratamento com ela, o que passava mais tranquilidade para a pequena. Mais esperto que eu, desta vez levou o celular. Assim poderia ir me dando notícias sobre o estado dela. Fiz milhões de recomendações: “Fica segurando a mãozinha dela... tem calma... não se desespere... não acorda ela de supetão... cuida dela direitinho...”
Porque as mães acham que sabem tudo? A gente tem a prepotência de achar que somos insubstituíveis. Está aí mais uma lição: as mães não sabem de tudo. Elas nem precisam saber. Confiança. Temos que aprender a confiar. Confiar nas pessoas e principalmente confiar em Deus. Eu não conseguia sair de perto dela um único instante sequer. Até hoje ainda tenho a sensação de que tenho que estar sempre alerta, sempre ao lado, sempre a postos. Mas estou aprendendo a confiar. A entregá-la nas mãos de Deus e confiar que Ele fará o melhor por nós e que minha parte está sendo feita.
Eu fiquei no quarto de Ana Luiza, com um frio na barriga eterno. Pedi muito a Deus para protegê-la e para que tudo desse certo. E assim foi feito. Ana Luiza voltou para o quarto acordada e feliz. Ufa.
Estávamos ansiosos para saber sobre a biópsia: “Era ou não era o terrível Rabdomiossarcoma?” Os médicos, finalmente, vieram nos procurar e informaram que a biópsia tinha sido inconclusiva.
Aquilo foi um baque grande. Eles diziam que apesar de terem coletado amostras de diversas áreas ao redor do tumor, não conseguiram acessar o tumor propriamente dito e, todas as amostras coletadas, apenas evidenciaram células inflamatórias e não conteúdo celular do tumor. Informaram também que havia sido coletada uma amostra da medula óssea, que estava sendo analisada e eles aguardavam o resultado desta avaliação.
Eles programariam uma nova biópsia, dessa vez com novo acesso: pela boca. Vários outros médicos especialistas vieram nos visitar e nos dar as orientações quanto a nova biópsia, que deveria ocorrer no outro sábado, dia 02/10.
Enquanto nos preparávamos espiritualmente para mais um procedimento cirúrgico, mais uma entubação, mais uma anestesia, mais um desespero... os médicos vieram nos trazer os resultados dos outros exames que ela tinha se submetido. Foi aí que começou o pior tormento que já vivenciei em toda minha vida.
Oi Carolina, nós não nos conhecemos.. uma conhecida minha postou seu blog no twitter, vou estar sempre acompanhando a história de vocês e em breve espero ler sobre a cura da Ana Luiza.. te desejo muita força e fé, vai dar tudo certo.. fica com Deus!
ResponderExcluirOi Carolina..conheço a historia da Ana Luiza atraves do twitter..Tenha fé em Deus..Ana Luiza está em minhas orações todos os dias..Vai dá tudo certo..
ResponderExcluirEu só consigo pensar em uma coisa: Como vocês são fortes: Carol, Marcos e principalmente a pequena Ana Luiza.
ResponderExcluirSou mais uma desconhecida na oração pela sua pequena.
Fé e muita força!
Carol
ResponderExcluirÉ a Luciana, fizemos faculdade juntas. Eu, vc Milena, Rodrigo.... tantos outros.
Quanto tempo minha amiga!! Eu fiquei sabendo dessa noticia tão devastadora, fiquei muito triste, passou um filme na minha cabeça desde quando vc engravidou, quando a Ana Luiza nasceu e eu fui visitá-la...
Nossas vidas tomaram outro rumo, mas eu continuo te admirando e torcendo por vc. Agora mais do que nunca. Essa semana eu fui na novena de nossa senhora Aparecida e pedi muito pela Ana Luiza todos os meus pensamentos e orações estarão com vcs. Pode acreditar!! Vai dar tudo certo.
Ontem eu liguei pra Milena, pra saber mais noticias e pra ela te mandar um beijo enorme.
Fica com Deus vc e a Ana.
Beijoo no coraçao
Olá, Carol.
ResponderExcluirPrimeiramente, PARABÉNS pela sua força, pela sua garra e por ser essa pessoa especial que é. Apesar de não conhecê-la, tenho certeza que é especial.
Em segundo, PARABÉNS à sua linda filha, também pela força, pela vontade de viver e ser feliz, pela fé, pela garra. Ela é um ajinho aqui na terra, tenha certeza disso.
Parabéns ao seu marido e PAI da Ana Luíza. Isso que é pai, o resto é, literalmente, bobagem.
Sou amiga da JUSSARA, casada com o Reinaldo, que são aqui de BH. Encontrei com a Ju no sábado e, conversando sobre pais e filhos, ela me contou rapidamente sbre a história de vcs e me passou o blog. desde então, entro TODOS OS DIAS e leio alguma coisa. Hoje, terça dia 11/01, terminei de ler tudo e já quero saber mais noticias da Ana Luiza e de como vcs estão.
Como foi o Natal, virada de ano, enfim... Sei que vc tem milhões de prioridades, mas, tenta deixar esse blog atualizado, pra gente que tá de longe, orando e torcendo muito pra recuperação COMPLETA da sua pequena.
Deus está com vcs sempre.
Infelizmente perdi minha mãe pra essa doença feia, há dois anos atrás, mas, já pedi a ela, que de onde ela estiver, proteja sua princesa. E pode ter certeza que, assim como é para o avô da Ana Luisa, missão dada, é missão cumprida, para minha Mamuska também.
Meu telefone é (31) 8717-0440. Ligue se precisar de qualquer coisa que eu possa ajudar.
Mesmo sem conhecer vcs, vcs já se tornaram especiais pra mim e espero um dia ter a honra de conhecer vcs.
Beijos e abraços carinhosos,
Fernanda!
Oi Carol, li todos as suas postagens, e a cada parágrafo chorava emocionada, só mesmo uma mãe com coração enorme pode imaginar a dor da perda, mas saiba que seu anjinho estará sempre ao seu lado. Ela foi uma guerreira, me emociono ao ver vc falar da alegria dela, isso fez com que vc tivesse forças para estar ao lado dela sempre. Desejo que você e o Marcos continue acreditando no amor, juntos vocês irão continuar a caminhada. Hoje eu sei que na terra tivemos um anjo chamado Ana Luiza. Bjos Neyva, Boa Vista/RR
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